Uma menina pobre liga para um chefe da máfia e diz que seu filho caiu na rua e não consegue se levantar.

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O vento frio do inverno cortava o casaco gasto de Harper enquanto ela corria pelas ruas desertas após seu turno duplo no Diner do Joe. Seus dedos, vermelhos e rachados de lavar pratos por 10 horas seguidas, agarravam suas gorjetas ínfimas, mal suficientes para a passagem de ônibus de amanhã, quanto mais para o aluguel atrasado que seu senhorio a incomodava há uma semana inteira.

As luzes da rua piscavam acima, projetando sombras estranhas na calçada coberta de neve enquanto ela cortava o beco atrás da Avenida Franklin. Harper havia percorrido esse caminho inúmeras vezes, mas naquela noite parecia diferente de alguma forma, o silêncio mais opressor, a escuridão mais profunda do que o habitual. Ela quase tropeçou nele, uma forma amassada meio escondida entre um carro estacionado e a parede de tijolos de uma loja abandonada.

À primeira vista, Harper pensou que era apenas mais um monte de roupas descartadas, até notar os sapatos de couro caros e a leve subida e descida da respiração.

“Droga, você consegue me ouvir?” ela sussurrou, verificando ferimentos enquanto seu treinamento na escola de enfermagem entrava em ação. O pulso dele era fraco, mas constante. Sem ferimentos visíveis, mas a pele estava fria e úmida ao toque. Sintomas que ela reconhecia muito bem.

Enquanto Harper revirava o bolso dele, procurando identificação ou medicação, seus dedos fecharam-se em torno de um smartphone elegante com uma capa que provavelmente custava mais do que seu salário semanal.

A tela de bloqueio mostrava apenas um contato de emergência. Pai, sem nome, apenas essa única palavra que mudaria o curso de sua vida para sempre. Seu dedo pairou sobre o botão por apenas um momento antes de pressioná-lo, o coração disparado enquanto a chamada conectava quase instantaneamente.

—Nicholas — veio a resposta, uma voz profunda com sotaque que de alguma forma soava tanto preocupada quanto ameaçadora naquela única palavra.

—Ah, aqui não é o Nicholas — Harper respondeu, sua voz mais trêmula do que pretendia. — Meu nome é Harper e encontrei um menino desmaiado na Avenida Franklin, perto da Rua 23. Acho que este é o número do telefone do pai dele.

O silêncio que se seguiu foi tão absoluto que Harper pensou que a chamada havia caído, até ouvir o leve som de respiração rápida do outro lado.

—Ele está respirando? — finalmente perguntou o homem, agora com voz dura como aço. Toda a pretensão de calma havia desaparecido.

—Sim, mas ele está inconsciente. Acho que pode ser hipoglicemia. Sou estudante de enfermagem e ele apresenta todos os sinais de uma queda grave de açúcar no sangue — explicou Harper, automaticamente adotando o tom clínico que praticara em suas rotações hospitalares.

—Não o mova. Não ligue para mais ninguém — a voz do homem se transformou em algo que fez o sangue de Harper gelar. — Estou a 10 minutos. Fique exatamente onde está e mantenha-o aquecido.

Exatamente 8 minutos depois, Harper ouviu o ronco de um motor caro enquanto um SUV preto com vidros escuros deslizava até a calçada.

Três homens emergiram em perfeita sincronia, dois posicionando-se em cada lado do veículo, enquanto o terceiro se aproximava com passos decididos. Mesmo à distância, Harper podia sentir a autoridade irradiando dele, alto e imponente em um sobretudo sob medida que mal podia esconder a protuberância do que ela instintivamente sabia ser um coldre de ombro.

Seus traços eram afiados e aristocráticos, os olhos escuros varrendo a rua antes de se fixarem nela com intensidade de laser.

—Sr. Blackstone — o homem se apresentou secamente enquanto se ajoelhava ao lado do filho, seus movimentos sem qualquer pânico que um pai normal exibiria.

—Você disse hipoglicemia? — Harper assentiu, observando enquanto ele retirava um pequeno kit do bolso do casaco com eficiência praticada.

—Nicholas tem diabetes tipo um desde os oito anos — explicou ele, administrando uma injeção com a confiança de alguém que havia feito isso inúmeras vezes antes.

Em poucos momentos, a cor começou a voltar ao rosto do menino, suas pálpebras tremendo ao se abrir, revelando olhos idênticos aos do pai.

—Pai — murmurou ele, claramente desorientado.

—Esqueci meu kit de emergência na escola depois do treino de basquete, e pensei que conseguiria chegar em casa — a expressão de Mr. Blackstone suavizou-se quase imperceptivelmente enquanto ajudava o filho a sentar. — Discutiremos sua decisão ruim mais tarde — disse ele, embora o alívio em sua voz minasse a tentativa de severidade de suas palavras.

Enquanto ajudavam Nicholas a se levantar, Harper começou a se afastar desajeitadamente, considerando sua boa ação concluída.

—Espere — ordenou Mr. Blackstone sem olhá-la, a única palavra congelando-a no lugar mais eficazmente do que qualquer barreira física. — Obrigado por ajudar meu filho — disse ele, finalmente se virando completamente para encará-la, seu olhar penetrante parecendo catalogar cada detalhe de sua aparência: o uniforme gasto sob o casaco, o cansaço marcado em suas feições, a determinação em seus olhos apesar de tudo.

—Qualquer um teria feito o mesmo — respondeu Harper, embora ambos soubessem que isso não era verdade. — Não neste bairro, não a esta hora, não por um estranho que gritava riqueza e vulnerabilidade na mesma medida.

Mr. Blackstone alcançou o bolso, e Harper recuou instintivamente, seu orgulho se eriçando ao pensar em receber dinheiro.

—Não preciso de recompensa — disse rapidamente, erguendo o queixo com a dignidade teimosa que a acompanhara por anos de pobreza.

—Não é uma recompensa — corrigiu ele, estendendo um cartão de visita feito de papel grosso, com nada além de um número de telefone em relevo prateado.

—Uma oportunidade. Ligue para este número amanhã de manhã. Tenho uma proposta para alguém com seu conhecimento médico e caráter moral.

Enquanto o SUV desaparecia na noite com Nicholas seguro dentro, Harper ficou sozinha na esquina da rua, o caro cartão de visita sentindo-se impossivelmente pesado em sua mão.

Algo lhe dizia que aceitar a oportunidade dele mudaria irrevogavelmente o curso de sua vida. Ela simplesmente não conseguia decidir se essa mudança seria salvação ou destruição.

Harper passou a noite revirando-se na cama, o cartão de visita no criado-mudo parecendo brilhar na escuridão. Quando a manhã chegou, ela discou o número com os dedos trêmulos, surpresa quando uma voz feminina clara atendeu imediatamente e instruiu-a a chegar em um endereço no bairro mais rico da cidade em exatamente 2 horas.

A mansão que surgia diante dela fazia o prédio do apartamento de Harper parecer uma casa de bonecas em comparação. Portões de ferro se abriram silenciosamente enquanto o segurança verificava sua identificação, acenando para que ela entrasse na entrada circular, onde arbustos perfeitamente aparados enquadravam a fachada de calcário.

Mister Blackstone a esperava no que ela supôs ser seu escritório, uma sala maior do que todo o seu apartamento, forrada de livros encadernados em couro e dominada por uma mesa antiga que provavelmente custava mais do que seus empréstimos estudantis.

—Miss Watson — ele reconheceu, gesticulando para uma cadeira à sua frente. — Obrigado por vir.

—Nicholas tem uma forma rara de diabetes tipo 1 que torna sua condição particularmente volátil — explicou sem preâmbulo. — Meu anterior acompanhante médico recentemente deixou nosso serviço, e encontro-me na necessidade de alguém com suas habilidades específicas e discrição.

O que Harper quase não podia acreditar era o valor que ele mencionou como seu salário. Mais dinheiro do que ela ganharia em 3 anos no diner.

—Você quer que eu seja o quê exatamente do seu filho? Enfermeira, babá? — perguntou ela, lutando para manter a compostura.

—Monitor médico — corrigiu Mr. Blackstone. — Nicholas tem 14 anos e resiste à supervisão constante, mas sua condição exige isso. Você moraria aqui, o acompanharia em eventos escolares, monitoraria seus níveis de glicose e garantiria que ele seguisse seu protocolo de tratamento.

Uma porta bateu em algum lugar da casa, seguida do som de passos correndo. Momentos depois, Nicholas irrompeu no escritório. Sua vulnerabilidade anterior se transformou completamente em desafio adolescente.

—Não preciso de babá, pai. Tive um episódio ruim. Três este mês — retrucou seu pai com voz de aço. — E a noite passada poderia ter sido fatal se Miss Watson não tivesse te encontrado. Isto não é negociável, Nicholas.

O adolescente lançou um olhar para Harper como se ela fosse pessoalmente responsável por sua situação.

—E daí? Ela vai me seguir na escola. Meus amigos vão pensar que estou sob prisão domiciliar ou algo assim.

—Seus amigos vão pensar o que eu disser que eles devem pensar — respondeu Mr. Blackstone friamente, revelando um vislumbre do poder que Harper suspeitava que ele exercia muito além das paredes desta mansão. — Miss Watson vai se passar por minha assistente pessoal, que por acaso estuda enfermagem. Nada mais suspeito do que isso.

Nicholas saiu furioso, batendo a porta com a teatralidade típica de adolescente. Um silêncio desconfortável caiu sobre a sala até que Mister Blackstone suspirou. Uma fagulha de vulnerabilidade cruzou seu rosto tão rapidamente que Harper quase não percebeu.

—Há algo mais que você deveria saber — disse ele baixinho, abrindo uma gaveta da mesa e retirando um dossiê grosso. — A mãe de Nicholas foi assassinada há 3 anos. Uma tentativa de um associado de negócios de me atingir. Desde então, sua condição se deteriorou significativamente sob estresse e trauma.

Os instintos de enfermagem de Harper entraram em ação imediatamente.

—O estresse psicológico pode impactar a regulação da glicose. Ele recebeu acompanhamento adequado para o trauma?

No final da semana, Harper já havia se mudado para uma suíte de quartos na ala leste da mansão Blackstone, seus poucos pertences parecendo ridiculamente fora de lugar entre o luxo. A equipe, uma mistura de empregados domésticos e homens que claramente serviam para segurança, a olhava com curiosidade educada.

A senhora Chen, a governanta, tomou Harper sob sua proteção, explicando os ritmos complexos da casa enquanto ajudava-a a desempacotar.

—Mister Blackstone pode parecer frio — disse ela baixinho, dobrando os uniformes de Harper com mais cuidado do que jamais haviam recebido — mas tudo o que ele faz é para proteger Nicholas.

A primeira semana de Harper passou em um turbilhão de ajustes e observações cuidadosas. Nicholas alternava entre resistência mal-humorada e cooperação relutante, seu comportamento suavizando ligeiramente quando Harper o ajudava a lidar com uma queda de glicose sem alertar o pai e causar constrangimento.

A mansão funcionava como uma máquina bem lubrificada, com a equipe cumprindo suas funções com precisão. Harper rapidamente aprendeu quais quartos estavam abertos para ela e quais permaneciam misteriosamente trancados, quais membros da equipe eram realmente de segurança e, mais importante, quais noites Mr. Blackstone realizava reuniões de negócios que ela e Nicholas deveriam evitar completamente.

Numa noite, enquanto ajudava Nicholas com seu dever de biologia na cozinha, Harper ouviu dois homens da segurança conversando em tons baixos sobre uma remessa chegando ao porto e complicações com a família Donovan.

Nicholas percebeu que ela estava ouvindo e balançou levemente a cabeça. Um aviso que ela compreendeu imediatamente.

—Você não faz perguntas nesta casa — disse ele mais tarde, enquanto Harper checava seus níveis de glicose antes de dormir. — Meu pai tem interesses empresariais complicados. Quanto menos você souber, mais segura estará.

Na manhã seguinte, Harper encontrou Mr. Blackstone no corredor, seus nós dos dedos machucados em um padrão que ela reconheceu de suas rotações no pronto-socorro, marcas distintivas de alguém que havia se envolvido recentemente em uma briga.

Seus olhos se encontraram, desafiando-a a comentar, enquanto os dela mostravam apenas avaliação clínica sem julgamento.

—Nicholas tem um passeio escolar hoje — disse ela, fingindo não notar. — Embalei seu kit de emergência e sensores extras para o monitor contínuo de glicose. Estaremos de volta às 16h.

Mr. Blackstone assentiu, visivelmente relaxando com sua discrição.

—Leve Ramirez com você — instruiu, referindo-se a um dos homens da segurança. — Protocolo padrão para saídas.

O que começou como um trabalho rapidamente se tornou uma dança complexa de regras não ditas e limites cuidadosos. Harper se viu envolvida na estranha intimidade da casa Blackstone, onde perigo e luxo coexistiam em um equilíbrio instável.

A primeira ameaça real ocorreu seis semanas após Harper começar a trabalhar, em uma tarde de primavera inesperadamente quente. Ela e Nicholas voltavam da consulta com o endocrinologista quando Harper percebeu um sedan preto seguindo seu carro, mantendo uma distância precisa por três curvas consecutivas.

—Mande uma mensagem para a equipe de segurança do seu pai. Temos um carro nos seguindo, três carros atrás, um Audi preto, vidros escuros — disse ela baixinho.

Os olhos do adolescente se arregalaram por um momento antes de seu rosto assumir uma calma surpreendentemente adulta.

—Não é a primeira vez — murmurou ele, os dedos voando pelo celular. — Meu pai tem rivais que gostam de lembrá-lo de que conhecem seus padrões.

Em minutos, dois SUVs não identificados surgiram, inserindo-se perfeitamente entre o carro de Harper e o sedan. Quando chegaram aos portões da mansão, a sombra indesejada havia desaparecido. Mas o incidente deixou Harper com uma sensação persistente de inquietação.

Naquela noite, ela foi chamada ao escritório de Mr. Blackstone, onde ele revisava imagens de segurança com uma expressão que gelava o sangue.

—Você notou o carro imediatamente — observou ele, rebobinando a gravação da câmera da rua para mostrar o momento exato. — A maioria das pessoas não perceberia.

—Meu bairro não era exatamente seguro — respondeu Harper com um encolher de ombros. — Você desenvolve certos instintos quando anda sozinha à noite por anos.

Mr. Blackstone a estudou com novo interesse, como se reavaliando um quebra-cabeça cujas peças haviam mudado de lugar.

—A família Donovan está organizando um baile de caridade no próximo fim de semana — disse abruptamente. — Vou comparecer, e quero que você e Nicholas me acompanhem.

—Os Donovans? — Harper ecoou, reconhecendo o nome da conversa sussurrada que ouvira semanas antes. — Eles não são seus rivais de negócios?

Um sorriso perigoso cruzou seu rosto.

—Oficialmente, somos concorrentes amigáveis no setor de importação. Extraoficialmente, Michael Donovan tem tentado descobrir a condição médica de Nicholas há meses, acreditando ser uma possível fraqueza na minha organização.

Harper sentiu o peso completo do que havia se envolvido. Isso não se tratava apenas de um menino com diabetes, mas de dinâmicas de poder que ela mal compreendia.

—Você quer me usar como escudo — percebeu em voz alta. — Ter o acompanhante médico de Nicholas por perto mostra que você está abordando a vulnerabilidade enquanto demonstra que não está escondendo nada.

Em vez de negar, Mr. Blackstone assentiu aprovadoramente.

—Você entende a linguagem do poder melhor do que eu esperava, Miss Watson.

Três dias depois, uma entrega chegou para Harper, um vestido de seda verde-esmeralda que provavelmente custava mais que um semestre de matrícula. Com uma nota na caligrafia precisa de Mr. Blackstone:

—No baile de caridade dos Donovans, tudo será observado, inclusive aparências.

A propriedade da família Donovan rivalizava com a dos Blackstone em grandiosidade, com lustres de cristal iluminando um salão de baile cheio da elite de Chicago. Harper se sentiu extremamente deslocada, apesar do vestido elegante, hiperconsciente dos olhares calculistas que a seguiam a cada movimento, enquanto mantinha Nicholas à vista.

Michael Donovan aproximou-se durante o jantar, com um sorriso que nunca alcançava os olhos, cumprimentando Mr. Blackstone com a falsa cordialidade de um inimigo antigo.

—E esta jovem encantadora, quem é? — indagou, fixando seu olhar desconfortavelmente em Harper.

—Harper Watson, minha assistente pessoal — respondeu Mr. Blackstone com naturalidade, a mão repousando de forma protetora nas costas dela. — Ela está cursando enfermagem enquanto ajuda a gerenciar os assuntos da minha casa.

A noite prosseguiu com a coreografia cuidadosa de predadores circulando uns aos outros, cada conversa carregada de duplos sentidos que Harper compreendia apenas parcialmente.

Nicholas permaneceu incomumente contido, grudado ao lado dela e verificando seu monitor de glicose com mais frequência do que o normal devido ao estresse.

Quando a orquestra começou a tocar após o jantar, Harper notou que as mãos de Nicholas tremiam levemente.

—Um sinal de alerta precoce — ela pensou. Um rápido check-up em seu monitor confirmou suas suspeitas.

—Os níveis de glicose de Nicholas estão caindo perigosamente rápido — murmurou para Mr. Blackstone, mantendo a voz leve, enquanto retirava o kit de emergência da bolsa.

Eles mal haviam saído para o terraço quando as pernas de Nicholas fraquejaram, sua pele tornando-se úmida e fria à medida que a hipoglicemia severa se instalava.

Harper trabalhou rapidamente, administrando gel de glicose na bochecha de Nicholas enquanto mantinha sua via aérea livre.

Mr. Blackstone apareceu ao lado deles, sua fachada composta se quebrando levemente enquanto se ajoelhava junto ao filho.

—O que aconteceu? — exigiu, o medo em sua voz soando humano pela primeira vez desde que Harper o conhecera.

—Queda induzida pelo estresse — explicou Harper, continuando a monitorar os sinais vitais de Nicholas enquanto a cor lentamente retornava ao rosto dele. — O corpo dele está queimando glicose mais rápido que o normal devido à adrenalina. Ele ficará bem em alguns minutos.

Enquanto Nicholas se recuperava, Harper percebeu uma sombra perto das portas do terraço. Michael Donovan, observando com interesse evidente antes de desaparecer de volta no salão de baile.

—Ele viu tudo — ela sussurrou, um pressentimento de perigo se formando em seu estômago.

—Leve Nicholas até o carro — ordenou Mr. Blackstone, sua expressão endurecendo em algo perigoso enquanto se levantava. — Preciso falar com nosso anfitrião antes de partirmos.

O trajeto de volta à mansão foi silencioso e tenso, Nicholas dormindo no banco de trás, enquanto Mr. Blackstone fazia uma série de ligações enigmáticas.

Ao chegarem à mansão, ele carregou o filho para dentro com uma gentileza surpreendente antes de voltar para onde Harper aguardava no hall.

—Donovan vai usar o que viu hoje — afirmou Mr. Blackstone com firmeza, andando de um lado para outro enquanto Harper se sentava exausta na poltrona de couro. — Ele vai espalhar a condição de Nicholas. Apresentá-la como uma fraqueza na minha organização. Tentar usá-la contra mim.

Harper observou-o mover-se como um predador enjaulado, vendo pela primeira vez todo o peso que ele carregava.

—Você passou anos escondendo a condição dele, não foi? Não apenas pela privacidade dele, mas porque em seu mundo qualquer vulnerabilidade pode ser explorada.

—Minha esposa foi morta porque foi percebida como minha fraqueza — respondeu ele, a voz oca com uma dor que ainda parecia crua após três anos. — Não deixarei que isso aconteça com meu filho.

O amanhecer chegou quando o chefe de segurança de Mr. Blackstone entrou no escritório sem bater, uma quebra de protocolo que imediatamente colocou Harper em alerta.

—Senhor, temos confirmação de que os homens de Donovan acessaram o prédio onde Miss Watson mora na noite passada. Eles estão interrogando antigos vizinhos dela.

Um frio glacial percorreu Harper ao perceber as implicações.

—Eles estão me investigando. Por quê?

—Porque agora você está conectada a mim — explicou Mr. Blackstone de forma sombria. — E Donovan usará qualquer pessoa em meu círculo como potencial alavanca. Sua vida anterior, suas conexões restantes… todos são pontos vulneráveis agora.

O peso da responsabilidade pressionou os ombros de Harper, percebendo que sua decisão afetava muito mais do que ela mesma.

Imagens da Sra. Patel regando suas plantas e oferecendo chai caseiro a Harper vieram à mente. Subitamente, essas pessoas inocentes transformaram-se em alvos potenciais em uma guerra que ela nunca escolheu participar.

A rede de informantes de James já interceptara três homens de Donovan vigiando a faculdade comunitária onde os colegas de Harper ainda se reuniam todas as quintas-feiras.

O pensamento de violência tocando aquela pequena sala de biblioteca onde ela lutara com flashcards de anatomia a fez gelar.

—Eles não vão parar na observação passiva — avisou James, deslizando fotos de vigilância sobre a mesa. — Donovan acredita em aplicar pressão até algo quebrar. Ele começará com intimidação sutil e aumentará até descobrir seu limite.

Harper examinou o cronograma das rotações clínicas apresentado pelo Professor Jenkins. Cada local cuidadosamente escolhido não apenas pelo valor educacional, mas pela infraestrutura de segurança. Até sua educação havia se tornado uma consideração estratégica em um jogo de xadrez, no qual ela era simultaneamente peão e rainha.

Harper pensou em sua vizinha idosa, Sra. Patel, que sempre guardava sobras para ela, em seu grupo de estudos na faculdade comunitária, no dono do diner que manteve seu emprego aberto apesar de sua saída repentina. Pessoas inocentes que nada tinham a ver com seu mundo.

A expressão de Mr. Blackstone permaneceu impassível, mas algo cintilou em seus olhos. Arrependimento, talvez, ou algo mais profundo.

—Existem duas opções agora. Você pode partir, retornar à sua vida com dinheiro suficiente para terminar seu curso em algum lugar longe de Chicago. Ou pode ficar e eu estenderei minha proteção àqueles de quem você gosta.

—Isso não é realmente uma escolha — disse Harper baixinho, compreendendo a manipulação, mesmo reconhecendo a oferta genuína de proteção.

—Você sabe que não abandonarei Nicholas agora.

Na manhã seguinte, um carro preto elegante chegou trazendo a orientadora de Harper, Professora Jenkins, que parecia perplexa ao ser escoltada até o escritório de Blackstone.

—Miss Watson, seu benfeitor fez um pedido incomum sobre sua educação — começou, olhando nervosamente para Mr. Blackstone.

O pedido incomum revelou-se uma reestruturação completa do programa de graduação de Harper: tutoria privada, cursos acelerados e rotações clínicas organizadas em instalações médicas de empresas subsidiárias de Blackstone. A Professora Jenkins saiu com uma expressão atônita e um cheque de doação substancial para o programa de enfermagem.

—Você está reescrevendo minha vida — observou Harper naquela noite, enquanto se sentava nos equipamentos de monitoramento hospitalar de Nicholas. — Tornando-me dependente do seu mundo, cortando minhas rotas de fuga.

Três meses após o Baile Donovan, a integração de Harper na casa Blackstone estava quase completa. Nicholas transformara-se de paciente relutante em aliado, sua saúde estabilizada sob cuidados consistentes, enquanto o relacionamento deles evoluía para algo como amizade, ou até irmãos.

A calma matinal foi quebrada quando Harper entrou na cozinha e encontrou Mr. Blackstone, James, como ele finalmente insistiu que ela o chamasse, falando com voz tensa ao telefone, os nós dos dedos brancos em torno do aparelho.

—Traga o carro. Precisamos nos mover agora. Os homens de Donovan levaram a Sra. Patel — explicou ele de forma sombria enquanto corriam para o veículo. — Sua antiga vizinha. Estão mantendo-a em um armazém abandonado como isca, esperando que eu envie segurança enquanto visam Nicholas aqui.

O sangue de Harper gelou ao pensar na bondosa idosa nas mãos de homens como Donovan.

—Temos que ajudá-la. Ela não tem nada a ver com isso. Ela é inocente.

A expressão de James era indecifrável enquanto ele verificava sua arma.

—É por isso que vamos pessoalmente, enquanto a equipe de segurança fica com Nicholas. Eles esperam que eu priorize minha casa sobre sua conexão. Este é o único cenário que não planejaram.

O armazém surgiu à frente, enganadoramente silencioso na luz da manhã. James entregou a Harper um pequeno dispositivo.

—Rastreador. Se algo acontecer comigo, pressione este botão e minha equipe virá. Tire a Sra. Patel primeiro, não importa o quê.

Dentro, havia um labirinto de contêineres e maquinário abandonado. O ar pesado de poeira e ferrugem. James moveu-se com graça predatória, sinalizando Harper para seguir exatamente seus passos enquanto navegavam pela armadilha que os aguardava.

Eles encontraram a Sra. Patel amarrada a uma cadeira em um pequeno escritório, assustada, mas mercifulmente ilesa.

—Leve-a para a saída — ordenou James, os olhos nunca saindo do corredor. — Eu segurarei eles. Não discuta, Harper. A vida dela depende da sua velocidade agora.

Apoiando o peso da Sra. Patel, Harper correu pelos corredores, sons de tiros explodindo atrás delas. Eles quase alcançaram a saída quando uma figura surgiu das sombras. Michael Donovan em pessoa, uma pistola apontada diretamente para eles.

O tempo parecia desacelerar enquanto Harper se posicionava entre a arma e a Sra. Patel. Seu treinamento médico automaticamente calculando ângulos e pontos vitais.

Os olhos de Donovan traíram um lampejo de incerteza. Ele esperava medo ou súplicas, não o olhar firme de alguém que já havia aceitado a possibilidade daquele momento desde o dia em que ela chamou James Blackstone.

A dinâmica de poder mudou imperceptivelmente enquanto Harper mantinha sua posição sem hesitar.

—A famosa enfermeira — ele zombou, bloqueando seu caminho. — A nova fraqueza de Blackstone. Que conveniente que você tenha se entregado a mim, poupando-me o trabalho de caçá-la depois.

Naquele momento de terror, Harper fez um cálculo baseado em tudo que aprendera na casa Blackstone.

—Você não vai me atirar — declarou com mais confiança do que sentia. — Sou mais valiosa como alavanca. E você não vai atirar em uma idosa, porque mesmo em seu mundo, existem limites que você não ultrapassa.

A hesitação momentânea de Donovan foi tudo que precisaram. James apareceu atrás dele, silencioso como um fantasma, o cano de sua arma pressionado contra o crânio de Donovan.

—Você atacou a condição médica do meu filho. Abduziu uma mulher inocente. Ameaçou alguém sob minha proteção — disse, a voz estranhamente calma. — Qualquer um desses atos mereceria minha retribuição.

—Todos os três? Isso é sentença de morte.

O trajeto de volta à mansão foi silencioso. A Sra. Patel foi entregue em segurança a uma instalação médica privada com segurança 24h.

Só quando ficaram a sós no escritório que Harper finalmente perguntou a questão que a consumia desde o armazém.

—Você poderia ter deixado que a levassem — disse baixinho. — Teria sido a escolha lógica. Proteger Nicholas. Sacrificar a enfermeira. Por que arriscar tudo para salvar a mim e a Sra. Patel?

James aproximou-se lentamente, como se abordasse um animal assustado.

—Porque você me mostrou que há mais força do que poder — respondeu, a voz áspera de emoção. — Na noite em que encontrou meu filho, você parou por um estranho quando ninguém mais o faria. Esse tipo de coragem merece proteção.

A distância entre eles desapareceu enquanto sua mão acariciava seu rosto, o polegar traçando o contorno do queixo dela.

—Fique — sussurrou. A palavra entre um comando e um pedido. — Não como enfermeira de Nicholas, não como minha funcionária. Fique porque esta casa não se sentiu como um lar até que você estivesse nela.

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