Médicos falharam. A filha do viúvo definhava há 14 dias sem comer. Então, a nova empregada descobriu o segredo trágico: ‘Se eu comer… eu esqueço dela… e ela morre de vez.

O sol da manhã entrava pelos vitrais da mansão, pintando o chão de mármore com cores frias. Mas a luz não trazia calor. Há dois meses, desde que o carro de sua esposa capotou na estrada molhada, Otávio vivia em um mausoléu silencioso.

E sua filha, Marina, de 8 anos, estava morrendo de fome.

Não por falta de comida. A menina simplesmente parou de comer. Há duas semanas, ela não aceitava nada. Água, apenas o suficiente para molhar os lábios, e só depois de muita insistência.

Médicos caros, psicólogos renomados, terapeutas especializados em luto e nutricionistas com suplementos importados haviam passado por aquela casa. Todos fracassaram. Marina definhava em seu quarto, um fantasma de pijama rosa.

Foi nesse cenário de desespero silencioso que Cláudia chegou.

Eram 7 da manhã. Ela segurava apenas uma sacola de pano e um papel amassado com o endereço. Comprara o uniforme simples com seu último dinheiro. A agência de empregos fora vaga: “Empresário viúvo. Salário bom. Ninguém dura três dias.” Cláudia não podia se dar ao luxo de perguntar o motivo. O aluguel estava vencido e sua geladeira, vazia.

Sônia, a governanta, abriu a porta. Seu rosto estava marcado pelo cansaço.

“Você é a nova?”, perguntou, sem emoção, medindo Cláudia de cima a baixo.

“Sou. Cláudia.”

“Vou ser direta”, disse Sônia, enquanto seus passos ecoavam no hall gigantesco. “O patrão, Sr. Otávio, perdeu a esposa. A filha, Marina, não come. Literalmente nada. Ela não sai do quarto. Não fala. Só fica sentada na poltrona, olhando pela janela, como se esperasse alguém que nunca vai voltar.”

Cláudia engoliu em seco. Ela conhecia aquele tipo de espera. Fazia cinco anos que seu próprio marido morrera em um acidente de trabalho, e ela ainda se pegava esperando o som das chaves dele na porta.

Sônia a levou até uma porta branca com letras cor-de-rosa: MARINA. Ela bateu levemente e abriu.

O quarto era o sonho de qualquer menina. Tons de rosa e branco, uma cama de princesa, dezenas de bonecas de porcelana e bichos de pelúcia que pareciam observá-las. Mas o ar estava pesado, parado.

E lá estava ela. Marina. Sentada na poltrona, de costas para a porta. Pequena demais para seus 8 anos, o cabelo castanho sem brilho, a pele pálida, quase transparente. Ela olhava fixamente o jardim.

Sônia repetiu o texto que Cláudia imaginou que ela já tivesse dito dezenas de vezes. “Marina, querida, esta é Cláudia. Ela vai trabalhar aqui.”

A menina não se moveu. Não um músculo. Não um piscar de olhos.

Cláudia se aproximou devagar e se agachou ao lado da poltrona, no campo de visão da menina.

“Oi, Marina. É um prazer te conhecer”, disse Cláudia, com a voz suave.

Nada. Era como falar com uma das bonecas de porcelana. Sônia suspirou e fez sinal para que saíssem. “Viu? É assim o tempo todo”, disse no corredor. “Nem tente forçar. Você vai desistir como as outras.”

Ao meio-dia, Cláudia observou Sônia subir com uma bandeja impecável: sopa cremosa, torradas e frutas cortadas em formatos divertidos. Quinze minutos depois, Sônia desceu com a bandeja intocada. Jogou a comida no lixo com um gesto automático e derrotado.

Às 3 da tarde, Sônia saiu para o mercado, e Cláudia ficou sozinha na mansão silenciosa. Terminava de limpar a cozinha quando ouviu um baque surdo vindo do andar de cima.

Ela subiu correndo. A porta do quarto de Marina estava entreaberta.

Cláudia empurrou a porta devagar. Marina não estava na poltrona. Estava caída no chão, de joelhos, o corpinho frágil tremendo de esforço. Ela esticava os braços finos para a prateleira mais alta do armário, tentando, sem forças, alcançar uma caixa de sapatos bege.

“Deixa eu te ajudar”, disse Cláudia, suavemente.

Marina se virou, assustada, os olhos arregalados. Pela primeira vez, Cláudia viu uma emoção ali: medo.

“Calma, tá tudo bem. Eu só quero pegar a caixa pra você.”

Cláudia esperou. Marina, exausta, baixou os braços. Cláudia pegou a caixa e a entregou nas mãos pequenas e geladas. Marina a agarrou como se fosse um tesouro e voltou para a segurança da poltrona, encolhendo-se.

Cláudia não saiu. Sentou-se no chão frio, perto da poltrona, e apenas ficou ali, existindo naquele espaço de dor.

Marina abriu a caixa. Tirou dezenas de fotos. Fotos de uma mulher linda, de cabelo loiro e sorriso contagiante, abraçada à menina. Na praia, fazendo castelos de areia. Numa festa de aniversário, sujas de farinha fazendo biscoitos. Em frente à árvore de Natal.

Os olhos de Marina, secos há tanto tempo, começaram a brilhar.

“Ela se foi”, sussurrou a menina, a voz rouca de desuso, sem tirar os olhos das fotos.

O coração de Cláudia apertou. “Eu sei, meu amor.”

“Ela nunca mais vai voltar. Não importa quanto tempo eu espere aqui.”

“Não vai mesmo”, confirmou Cláudia. “E eu sei que isso dói mais do que qualquer coisa no mundo.”

Marina finalmente virou o rosto. Seus olhos fundos encontraram os de Cláudia. “Meu pai não fala mais comigo. Ele só trabalha. Acho que ele não gosta mais de mim. Acho que ele me culpa pelo que aconteceu com a mamãe.”

“Isso não é verdade”, disse Cláudia, firme. “Seu pai está sofrendo muito. E às vezes, quando a gente sofre assim, a gente se afasta das pessoas que mais ama, sem querer.”

Uma lágrima grossa escorreu pelo rosto pálido de Marina.

“Eu não quero comer”, confessou a menina, num sussurro que partiu o coração de Cláudia. “Porque quando eu como… eu esqueço dela. Por alguns minutos. E eu não quero esquecer. Se eu esquecer, é como se ela nunca tivesse existido. Enquanto eu não comer, ela ainda está viva… de algum jeito… dentro de mim.”

Cláudia sentiu o próprio peito se partir. Ela finalmente entendeu. Não era birra. Era luto. Era medo.

Ela se aproximou e segurou a mãozinha gelada.

“Marina, olhe pra mim. Você nunca vai esquecer sua mãe. Nunca.” Ela tocou o peito da menina. “Ela vai estar sempre aqui, no seu coração. E sabe o que eu acho que ela ia querer? Que você vivesse. Que você crescesse forte. Que você comesse coisas gostosas e tivesse energia para correr e pular.”

Marina soluçou alto, e o choro veio. Um choro guardado há dois meses, um choro de saudade, raiva e solidão. Cláudia não pensou duas vezes. Puxou a menina para um abraço apertado e a deixou chorar.

Quando os soluços diminuíram, Cláudia limpou o rosto molhado dela. “Que tal um trato? Você experimenta comer só uma coisinha. E amanhã, você me conta tudo sobre sua mãe. Como ela era, do que gostava, as músicas que ela cantava. Assim, ela continua viva. Nas suas memórias e nas suas histórias. O que acha?”

Marina pensou por um longo minuto. E então, quase imperceptível, ela acenou com a cabeça.

Cláudia a ajudou a descer. Marina estava tão fraca que precisou se segurar no corrimão. Na cozinha, Cláudia aqueceu um pouco do caldo de frango que Sônia havia jogado fora (ela guardara um pouco, por intuição). Colocou numa tigela pequena.

Marina olhou para a comida com pavor. A mão tremia tanto que quase derrubou a colher. Cláudia segurou a respiração.

A menina levou a colher à boca. Engoliu com dificuldade. Fechou os olhos, esperando. O caldo ficou. Ela abriu os olhos, surpresa. E tomou outra colherada. E outra.

Ela comeu metade da tigela.

Quando Sônia voltou do mercado e viu a cena – a tigela pela metade, Cláudia sorrindo e Marina sentada à mesa – ela deixou as sacolas caírem no chão.

“Ela… ela comeu?” “Comeu sim”, respondeu Cláudia. Sônia levou a mão ao peito. “Graças a Deus.”

Otávio chegou às 8 da noite. O paletó amassado, os olhos vermelhos de cansaço. “Como foi o dia?”, perguntou, a voz sem vida. “Diferente”, disse Sônia. Ele parou. “Diferente como?” Sônia se virou. “A Marina comeu.”

Otávio ficou paralisado. “O quê?” “A nova empregada. A Cláudia. Conseguiu fazer ela comer.”

Otávio não disse nada. Largou a pasta no chão e subiu as escadas correndo, dois degraus de cada vez. Encontrou Marina dormindo na cama. O rosto dela parecia ter um pouco mais de cor. Ele tocou o cabelo dela, sentindo uma onda de culpa e alívio.

Desceu para a cozinha. Cláudia estava lá, lavando a louça.

“Você fez ela comer”, ele disse. Não era uma pergunta. “Ela tomou um pouco de caldo.” “Como? Médicos, especialistas… ninguém conseguiu. Como?”

Cláudia secou as mãos. “Eu conversei com ela. Deixei ela falar sobre a mãe. Sobre o medo de esquecer. Ela não precisa de médicos caros agora, Sr. Otávio. Ela precisa de alguém que a ouça. E ela precisa de você.”

Ela respirou fundo. “Ela acha que o senhor não gosta mais dela. Acha que o senhor a culpa pelo que aconteceu.”

As palavras atingiram Otávio como um soco. Ele se apoiou na bancada. “Meu Deus. Ela acha…?”

“Ela só precisa que você esteja presente”, disse Cláudia.

Naquela noite, Otávio não foi para o escritório. Quando Cláudia subiu para ver Marina, ele estava lá, sentado no chão do quarto, segurando a caixa de fotos.

“Posso entrar?”, perguntou Cláudia. “Por favor”, disse Otávio, a voz embargada.

Eles ficaram ali, no chão, olhando as fotos. E, pela primeira vez em dois meses, Otávio contou histórias sobre a esposa. Ele riu ao lembrar do dia em que se conheceram, quando ela derrubou café nele. Ele chorou ao lembrar do dia em que Marina nasceu.

A casa começou a mudar. Os jantares silenciosos deram lugar a conversas. Cláudia, Otávio e Marina sentavam-se à mesa. Marina comia, pouco no início, mas comia. E contava histórias da mãe. Otávio contava também. Eles pararam de guardar o luto como um segredo vergonhoso e passaram a celebrar a memória.

Cláudia, que também carregava sua própria perda, encontrou naquela família quebrada um lugar para curar suas próprias feridas.

Um sábado, meses depois, Otávio chamou Cláudia para a varanda. Marina corria no jardim, perseguindo borboletas.

“Eu não sei como agradecer, Cláudia. Você trouxe minha filha de volta. Você me trouxe de volta.” “Eu só fiz o que qualquer um faria.” “Não. Você fez o que ninguém mais conseguiu.” Ele respirou fundo. “Eu quero te pedir uma coisa. Fica com a gente. Não como empregada. Fica como parte dessa família. A Marina precisa de você. E… eu também preciso.”

Cláudia sentiu o coração disparar. “Otávio, eu…” “Eu me apaixonei por você, Cláudia. Eu sei que é rápido. Mas você me ensinou a ser pai de novo. Você me salvou.”

Marina, que tinha parado de correr, olhou para os dois. “Eu também quero que você fique para sempre, Cláudia!”

Cláudia olhou para o homem quebrado que estava reaprendendo a amar, e para a menina que estava reaprendendo a viver. Ela, que chegara ali sem nada, tinha encontrado tudo.

“Eu fico”, ela disse, sorrindo entre as lágrimas.

O casamento aconteceu seis meses depois, no jardim da casa de campo. Marina, radiante em um vestido florido, foi a daminha e levou as alianças.

Anos depois, Marina, agora uma adolescente saudável e falante, escreveu uma redação para a escola. O tema era “Quem é seu herói?”. Ela não escreveu sobre o pai empresário. Escreveu sobre Cláudia.

“Minha verdadeira mãe me deu a vida”, ela escreveu. “Mas a Cláudia me ensinou a vivê-la. Ela chegou na nossa casa para limpar a poeira, mas acabou curando nossos corações partidos. Ela me ouviu quando eu estava em silêncio e me deu comida quando minha alma estava faminta. Ela provou que família não é só quem tem o mesmo sangue, mas quem escolhe ficar quando tudo desmorona.”

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