A política brasileira tem testemunhado uma semana de intensa articulação e reviravoltas no mais alto escalão dos Poderes da República. Longe dos holofotes e dos discursos públicos mais estridentes, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva demonstra um poder de articulação que tem deixado a oposição, e até mesmo aliados de ocasião, em estado de alerta. Os movimentos recentes não apenas garantem a estabilidade da governabilidade, mas também expõem esquemas financeiros de grande porte que agora são alvo de investigação no Congresso Nacional, envolvendo diretamente figuras proeminentes da direita e do empresariado.
O cenário atual se divide em dois grandes fronts: o tenso embate pela indicação ao Supremo Tribunal Federal (STF) e a chegada da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do INSS a um governador de estado, revelando detalhes de uma operação financeira de R$ 7 bilhões que beneficiou bancos específicos durante o período eleitoral de 2022.
A MESTRIA POLÍTICA E A VAGA DO STF
A crise política mais recente eclodiu com a indicação de Jorge Messias para a vaga de ministro do STF. A escolha presidencial, embora legítima e dentro das prerrogativas do chefe do Executivo, gerou grande insatisfação no Congresso, em particular no presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP).

Alcolumbre, que mantém laços de proximidade com o senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG) e, segundo fontes, desejava a indicação de Pacheco para a Corte, expressou publicamente seu descontentamento. O cerne da crítica, contudo, não se resumia apenas ao nome escolhido, mas à forma como o processo foi conduzido, sem a devida consulta prévia aos líderes do Senado. Alcolumbre agiu como se o Presidente da República precisasse de sua autorização ou de um pedido formal para exercer uma prerrogativa constitucional.
O embate escalou rapidamente. O governo, através da Ministra da Articulação, reafirmou a preferência pelo apaziguamento, mas deixou claro que não recuaria. A mensagem era nítida: a indicação foi feita, cabe ao Senado cumprir seu papel, que é a sabatina e a avaliação do notório saber jurídico do indicado.
A resposta de Lula veio em um movimento de xadrez de alta complexidade. Alcolumbre, irritado, tentou marcar a sabatina de Messias para o início de dezembro, forçando a situação. Contudo, ele foi obrigado a recuar e desmarcar a sessão porque o Presidente, utilizando-se de sua prerrogativa, ainda não havia enviado a notificação oficial, a ‘carta’ de indicação, ao Senado.
Essa manobra foi interpretada como um teste de paciência e poder por parte do Planalto. O adiamento forçado da sabatina representou um revés público para Alcolumbre, que reagiu ameaçando postergar a deliberação sobre o nome de Messias para depois da eleição presidencial de 2026, com o objetivo de deixar a decisão nas mãos do próximo presidente do Senado, a ser eleito em 2027. A ameaça implicaria manter o STF com uma cadeira vaga, uma situação de grave instabilidade institucional.
A INTERVENÇÃO DE GILMAR MENDES QUE BLINDOU O STF
O cenário de conflito se transformou radicalmente com a intervenção inesperada de um dos ministros mais antigos do Supremo, Gilmar Mendes. Em uma decisão monocrática, no âmbito de um recurso que questionava a lei de 1950 sobre o impeachment de ministros do STF, Mendes alterou o entendimento da norma de maneira que elevou a proteção da Corte contra investidas políticas do Congresso e da oposição.
As mudanças são profundas e têm impacto imediato na correlação de forças em Brasília. Primeiramente, Gilmar Mendes estabeleceu que apenas o Procurador-Geral da República (PGR) pode dar início a um pedido de impeachment de um ministro. A medida retira essa possibilidade das mãos de cidadãos ou de políticos avulsos, centralizando o filtro da acusação.
Em segundo lugar, e ainda mais significativo, a decisão alterou o quórum de aprovação no Senado. Anteriormente, bastava uma maioria simples para iniciar o processo; agora, o entendimento exige uma maioria qualificada de dois terços dos senadores, ou seja, 49 votos. Esse aumento de oito votos, de 41 para 49, torna a remoção de um ministro do STF uma missão praticamente impossível para a oposição.
Por fim, o ministro enfatizou que os pedidos de impeachment devem ser baseados em crimes provados e não podem ser utilizados como ferramenta de retaliação política contra decisões judiciais que desagradem a parlamentares.
A reação de Davi Alcolumbre foi imediata, questionando publicamente a validade das decisões monocráticas que suspendem leis votadas e sancionadas pelo Legislativo, defendendo que a constitucionalidade deve ser declarada pelo colegiado da Corte. Em resposta, o Congresso pautou rapidamente um projeto de lei que exige que decisões monocráticas sobre leis sejam imediatamente levadas ao plenário do STF.
Contudo, a manobra, embora pareça uma vitória da oposição, é vista por analistas como inócua. É provável que o Plenário referende a decisão de Gilmar Mendes, garantindo o entendimento. O único caminho de recurso para Alcolumbre, que não é parte no processo, seria abrir uma nova ação, que poderia levar anos para ser julgada.
Nesse contexto, o papel de Jorge Messias, o indicado boicotado, ganha contornos de heroísmo. Sua Advocacia-Geral da União (AGU) buscou negociar com Gilmar Mendes um meio-termo, pedindo que ele reconsiderasse a regra que restringe o pedido de impeachment apenas ao PGR. Messias, ao se colocar como mediador entre a Corte e o Congresso, ganha capital político e moral entre os senadores, que agora o veem como um negociador habilidoso, facilitando sua aprovação futura.
O ESCÂNDALO DOS R$ 7 BILHÕES E A CPMI
Em paralelo à disputa no Judiciário, uma bomba de teor financeiro e eleitoral explode no Congresso. A CPMI do INSS, que vinha investigando irregularidades nos auxílios e benefícios, atingiu um novo patamar ao convocar o governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo/PL), aliado do ex-presidente Jair Bolsonaro. O governador deverá depor sobre um esquema de empréstimos consignados (com desconto em folha) para beneficiários do Auxílio Brasil, que teria movimentado cerca de R$ 7 bilhões em condições questionáveis.
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O esquema em questão remonta ao período eleitoral de 2022. Entre o primeiro e o segundo turno, o governo Bolsonaro liberou a modalidade de empréstimo consignado para aqueles que recebiam o Auxílio Brasil. A iniciativa permitiu que bancos oferecessem crédito rápido – muitas vezes via Pix, com juros altíssimos – a uma população de baixa renda, que não tinha acesso a outros tipos de crédito.
O risco para os bancos era praticamente zero, pois o valor do empréstimo era descontado diretamente do benefício social, impossibilitando a inadimplência. A CGU (Controladoria-Geral da União) descobriu que 93% dos R$ 7 bilhões concedidos foram liberados precisamente neste período de dois turnos, sugerindo uma forte motivação eleitoral por trás da medida.
O problema central reside na seletividade. Apenas 11 bancos privados, além da Caixa Econômica Federal, tiveram o privilégio de realizar essa operação. Caso a concorrência fosse livre e abrangente, o mercado forçaria a queda das taxas de juros, beneficiando o consumidor. A escolha a dedo dos participantes é o que levanta a suspeita de favorecimento e crime financeiro.
ZEMA FINANCEIRA NO CENTRO DA INVESTIGAÇÃO
O governador Romeu Zema está no centro do caso porque seu grupo familiar controla a Zema Financeira, um dos bancos que participou ativamente da operação e obteve lucros massivos.
Zema tentou inicialmente se desvincular da convocação, alegando não fazer mais parte da administração do banco. No entanto, o governador mantém 16% das ações da instituição. Mais de 49% do capital social do banco pertence a ele e a seus dois irmãos, e o controle majoritário, de 50.1%, está nas mãos de seu pai. É, inegavelmente, um negócio de controle familiar direto.
A Zema Financeira, segundo as investigações, foi uma das instituições que mais lucrou com o esquema, dada a alta rentabilidade e a certeza do recebimento. Estimativas indicam que, com uma margem de lucro conservadora, a fatia pessoal do governador Zema pode ter rendido centenas de milhões de reais com essa operação única.
O caso se agrava com as denúncias de práticas predatórias. O banco do grupo Zema foi o que registrou o maior número de reclamações sobre concessão de empréstimos consignados sem o consentimento dos beneficiários. Em muitos casos, o dinheiro era depositado via Pix na conta da pessoa, e os débitos mensais começavam imediatamente, sem que o beneficiário tivesse solicitado formalmente o crédito. Essa prática configura uma agressão direta à dignidade dos mais vulneráveis, transformando um auxílio social em ferramenta de lucro garantido para um grupo seleto de instituições financeiras.
CONCLUSÃO: A OPOSIÇÃO ENCURRALADA
O cenário político nacional se desenha com o governo Lula demonstrando articulação e capacidade de resposta aos ataques institucionais, especialmente após a manobra de Gilmar Mendes no STF, que desarmou uma das principais ameaças da oposição: o uso do impeachment como arma política.
Simultaneamente, a CPMI do INSS avança como um trator sobre as estruturas de poder dos aliados do ex-presidente, expondo a fragilidade de figuras públicas em face de escândalos financeiros bilionários. A convocação de Romeu Zema e a revelação dos detalhes do esquema do consignado do Auxílio Brasil colocam a direita brasileira em uma posição defensiva, forçada a lidar com acusações de favorecimento e práticas predatórias contra a população de baixa renda.
As próximas semanas serão decisivas. A sabatina de Messias e o depoimento de Zema na CPMI determinarão a estabilidade dos Poderes e a credibilidade dos líderes políticos envolvidos, prometendo um período de intensas turbulências em Brasília.