O fazendeiro viúvo passaria o Natal sozinho na fazenda… até que uma lavradeira chegou com os filhos

Dizem que a solidão mais profunda não é aquela que nos cerca quando estamos sozinhos, mas sim a que habita dentro da alma de quem perdeu a capacidade de amar. E naquela véspera de Natal de 1888, no coração do Vale do Paraíba, onde as montanhas se erguiam como gigantes silenciosos sobre os cafezais infinitos, existia um homem cuja solidão era tão vasta quanto as terras que possuía.

um homem que havia construído muros não apenas ao redor de sua fazenda, mas principalmente ao redor de seu coração partido. Seja bem-vindo ao canal Contos de Época. Inscreva-se se ainda não for inscrito e comente seu nome e de onde está ouvindo esta história de hoje. Eu respondo todos os comentários e amo ver até onde nossos contos chegam. Agora acomode-se, porque esta história vai emocionar cada fibra do seu coração.

Rodrigo Tavares, Coronel Tavares, para os que o conheciam, não tinha o título por mérito militar, mas sim pela força de seu nome e pela extensão de suas propriedades. A fazenda Santa Cruz era a maior produtora de café de toda a região, com seus milhares de pés de café organizados em fileiras perfeitas que se estendiam até onde a vista alcançava.

As sacas com os grãos vermelhos partiam em comboios intermináveis rumo ao porto de Santos e de lá seguiam para alimentar o apetite insaciável da Europa por aquele ouro negro que movia o império do Brasil. Mas naquela noite de véspera de Natal, enquanto as nuvens pesadas se acumulavam sobre os telhados de telhas portuguesas da casa grande colonial, Rodrigo não era mais do que um fantasma elegantemente vestido, sentado sozinho na biblioteca silenciosa, com uma garrafa de cachaça artesanal ao seu lado e o peso de 4 anos de viúvez, esmagando seu peito como uma lápide de mármore. A casa grande da fazenda Santa Cruz era

uma construção majestosa que falava dos tempos áureos do café. Suas paredes grossas de taipa de pilão haviam sido rebocadas e pintadas de um branco imaculado que contrastava com as janelas emolduradas em madeira escura. Azulejos portugueses decoravam a fachada principal, contando histórias de navegadores e terras distantes em tons de azul. e branco.

A varanda ampla, sustentada por colunas de madeira entalhada, circundava toda a frente da casa, oferecendo sombra durante os dias escaldantes do verão paulista. Por dentro, a casa revelava o gosto refinado de quem tinha viajado pelo mundo. Móveis de jacarandá, cristais da boia, porcelanas de limoges, tapetes persas sobre os pisos de tábuas largas. Mas por mais luxuosos que fossem os objetos, por mais que brilhassem os castiçais de prata e refletissem a luz das velas nos espelhos com molduras douradas, a casa grande exalava um silêncio sepulcral. Era como se a

própria construção estivesse de luto. Rodrigo tinha 42 anos, mas carregava nos ombros o peso de um homem muito mais velho. Alto, de ombros largos, modelados por anos, cavalgando por suas terras. Ele mantinha uma postura ereta que falava de disciplina e orgulho.

Seus cabelos negros, já salpicados de fios grisalhos nas têmporas, eram mantidos sempre bem penteados para trás. A barba farta, cuidadosamente aparada, emoldurava um rosto de traços marcados pelo sol e pela dor. Mas eram seus olhos que contavam a verdadeira história. Olhos castanhos, profundos, que outrora brilhavam com a vivacidade de quem amava a vida, agora não passavam de dois poços de melancolia vazios como o horizonte antes da tempestade. Ele usava trajes de linho branco impecável.

mesmo na privacidade de sua casa, com o colete de seda escura, sempre abotoado, as botas de couro sempre polidas, era um homem de aparência impecável e interior destroçado, uma contradição ambulante que seus empregados observavam com uma mistura de respeito e piedade que o irritava profundamente. A biblioteca onde Rodrigo passava a maior parte de suas noites era seu refúgio.

As estantes de Mogno iam do chão ao teto, repletas de volumes encadernados em couro, que iam de clássicos portugueses a tratados franceses sobre agricultura. Havia primeiras edições de Camões, obras completas de Machado de Assis, volumes de Víctor Hugo na língua original. Clara, sua falecida esposa, havia sido uma leitora voraz e muitos daqueles livros carregavam ainda as anotações delicadas de sua letra cursiva nas margens.

Rodrigo evitava abrir aqueles livros, evitava qualquer coisa que pudesse trazer de volta a dor lancinante da perda. Quatro anos haviam-se passado desde que a febre amarela chegou ao Vale do Paraíba como um anjo da morte invisível, ceifando vidas sem distinção de classe ou fortuna.

A epidemia começou nos meses quentes do verão, quando os mosquitos se multiplicavam nos córregos e nos barris de água. As primeiras vítimas foram os trabalhadores da roça, depois espalhou-se para as casas, para as vilas. e finalmente alcançou até mesmo a casa grande protegida da fazenda Santa Cruz. Clara Tavares de Almeida havia sido professora antes de se casar com Rodrigo, filha de um médico do Rio de Janeiro e de uma pianista francesa.

Ela crescera rodeada de livros e música, falava quatro idiomas e tocava piano com uma graça que fazia os anjos chorarem. Ou assim dizia Rodrigo quando a cortejou anos atrás. Quando se mudou para a fazenda após o casamento, Clara não conseguiu simplesmente viver como as outras esposas de fazendeiros, supervisionando a casa e bordando nos serões.

Ela havia transformado um dos quartos da ala leste da Casagrande em uma pequena escola. Ali ensinava as crianças dos trabalhadores a ler e escrever, contra a opinião de muitos fazendeiros vizinhos que achavam aquilo uma tolice perigosa. “Gente que sabe ler tem ideias”, diziam eles. E ideias podem ser perigosas. Mas Clara não se importava.

acreditava que a educação era a única verdadeira libertação, especialmente agora que a escravidão havia sido abolida há apenas poucos meses. Miguel, o filho deles, tinha 6 anos quando a febre chegou. Era um menino de cabelos escuros e cachos rebeldes, olhos castanhos imensos, cheios de curiosidade, sempre sujo de terra, porque adorava brincar nos estábulos e sonhava em ser cavaleiro como o pai.

Tinha o sorriso largo de Clara e a teimosia de Rodrigo. Era a luz que iluminava todos os cômodos por onde passava correndo, gritando, rindo daquela forma, como só as crianças sabem rir com o corpo inteiro, com a alma inteira. Rodrigo estava no Rio de Janeiro quando tudo aconteceu.

Havia para negociar contratos de exportação, reuniões intermináveis com exportadores ingleses e agentes de casas comerciais. A viagem deveria durar uma semana. Ele deixou Clara e Miguel na fazenda, sob os cuidados de seu Jacinto, o capataz de confiança e de toda a criadagem leal. A carta chegou quando ele estava hospedado no hotel dos estrangeiros, na rua do Catete.

Foi entregue por um mensageiro coberto de poeira da estrada que havia cavalgado sem parar por dois dias. O papel tremia nas mãos de Rodrigo enquanto ele lia as palavras escritas pela letra trêmula de seu Jacinto. Coronel, volte urgente. A febre chegou. Dona Clara e o menino Miguel estão muito mal. Os médicos não conseguem baixar a febre. Pelo amor de Deus, volte.

Rodrigo partiu imediatamente, sem nem recolher seus pertences do hotel. Cavalgou como um desesperado, trocando de montaria nas paradas, não dormindo, não comendo, apenas pensando em chegar, em estar lá, em segurar a mão de Clara, em abraçar Miguel. Precisava chegar.

tinha que chegar a tempo, mas o tempo, esse tirano implacável, não esperou por ele. Quando Rodrigo finalmente atravessou o portão de ferro forjado da fazenda Santa Cruz, o sol estava se pondo atrás das montanhas, pintando o céu de tons alaranjados e púrpuras, que pareciam uma cruel ironia diante da tragédia. Seu Jacinto o esperava na varanda. O chapéu nas mãos, a cabeça baixa. Não precisou dizer nada. Rodrigo sabia.

sentiu nas entranhas antes mesmo de desmontar do cavalo. Clara havia morrido na madrugada daquele dia. Miguel a havia seguido ao entardecer, como se não conseguisse suportar ficar neste mundo sem a mãe. Estavam os dois já preparados na capela improvisada que haviam montado na sala de jantar, deitados lado a lado, vestidos de branco, as mãos entrelaçadas.

Clara parecia estar dormindo, mas tinha um tom amarelado na pele que denunciava o mal que a levara. Miguel parecia ainda menor na morte, frágil como uma boneca de porcelana. Rodrigo caiu de joelhos ali mesmo na varanda e berrou. Berrou até sua voz se transformar em um som gultural que parecia vir das profundezas da terra. Seu Jacinto e os outros homens tiveram que segurá-lo para que não fizesse nenhuma loucura.

Ele gritava que queria morrer também, que não tinha sentido viver sem eles, que Deus era cruel e injusto por levar os inocentes e deixar ele que merecia sofrer. Eles foram enterrados no cemitério da fazenda sob uma jabuticabeira centenária que Clara adorava. Ela costumava sentar-se debaixo daquela árvore para ler nos fins de tarde, enquanto Miguel brincava de pegar as jabuticabas que caíam maduras no chão.

Rodrigo mandou erguer um mausol de mármore branco, simples, mas elegante, com os nomes gravados. Clara Tavares de Almeida, 1856-184, amada esposa e mãe, e Miguel Tavares, 1878, filho querido, anjo precoce. Desde então, Rodrigo não havia mais sido o mesmo homem. Não visitava o túmulo porque não suportava. Não entrava no quarto que foi deles, não tocava nas roupas de Clara que ainda penduravam no armário, perfumadas com o sachê de lavanda que ela fazia.

Não abria o baú de brinquedos de Miguel, simplesmente existia, respirava, comandava a fazenda com eficiência mecânica, mas não vivia. Os empregados da fazenda Santa Cruz o observavam com preocupação crescente. Seu Jacinto, que havia servido o pai de Rodrigo e agora servia o filho, era um homem de 70 anos, cabelos completamente brancos, rosto marcado pelo sol e pelo tempo.

Alto e magro, ele se movia com a dignidade de quem conhece cada palmo daquela terra. Tinha sido ele quem ensinou o jovem Rodrigo a montar, a reconhecer quando o café estava pronto para a colheita, a negociar com os trabalhadores. Era mais do que um capataz, era como um segundo pai. E como pai, Jacinto sofria vendo o patrão definhar na solidão.

Coronel, ele dizia sempre que podia, o senhor precisa viver. Dona Clara não ia querer ver o senhor assim, mas Rodrigo apenas o dispensava com um gesto de mão, voltando-se para seus papéis, suas contas, sua cachaça. Dona Benedita, a cozinheira, era uma mulher robusta de 50 anos, com mãos mágicas que transformavam ingredientes simples em banquetes dignos da corte imperial.

Ela comandava a cozinha com pulso firme, supervisionando as outras mulheres que ajudavam no preparo das refeições. Tinha vindo de Minas Gerais, ainda jovem, e trouxera consigo receitas que faziam a fama da fazenda. Dona Clara a adorava e Miguel vivia na cozinha roubando pedaços de goiabada e beijinhos ainda quentes.

Desde a morte da patroa e do menino, dona Benedita cozinhava com lágrimas nos olhos. preparava os pratos favoritos de Rodrigo, tentando fazer com que ele se alimentasse direito, mas ele apenas beliscava a comida sem interesse, sem prazer. “Está emagrecendo demais, seu coronel”, ela murmurava enquanto recolhia os pratos quase intocados.

“Vai adoecer se continuar assim. Minha Rosa, a criada mais velha, era uma senhora pequena e enérgica de 65 anos, que havia sido ama de leite de Rodrigo quando ele era bebê. Depois cuidara dele durante toda a infância e quando ele se casou, ela permanecera na Casa Grande como governanta, supervisando as outras criadas.

tinha a pele escura marcada pelo tempo, os cabelos grisalhos, sempre presos em um coque apertado e olhos que pareciam ver através das pessoas. Nh Rosa era a única que se atrevia a contrariar Rodrigo abertamente. Ela o tratava como se ele ainda fosse o menino teimoso que ela criara. Senhor Rodrigo”, ela dizia usando o tratamento da infância dele.

“A vida não acabou só porque as pessoas que amamos partiram. Elas gostariam de ver o senhor feliz de novo.” “Não me fale sobre felicidade, Rosa.” Rodrigo respondia a voz fria. Essa palavra não significa mais nada para mim. O padre Anselmo, vigário da capela da fazenda e confessor da família Tavares por décadas, também tentava alcançar Rodrigo.

Era um homem de meia idade, magro e alto, com um rosto bondoso marcado pela devoção e pelos anos dedicados a cuidar das almas de seus paroquianos. Ele visitava a fazenda regularmente, tentando oferecer conforto espiritual. Rodrigo, meu filho, dizia ele com suavidade. Deus não nos dá fardos maiores do que podemos carregar. Clara e Miguel estão em um lugar melhor, livres de sofrimento.

Você precisa encontrar paz nisso. Paz? Rodrigo ria amargamente. Como posso ter paz, sabendo que não estava aqui quando eles mais precisavam de mim? que morria em meus negócios enquanto minha família morria de febre. Qual é a paz nisso, padre?” O sacerdote não tinha respostas que pudessem curar aquela ferida.

E assim os anos passaram, quatro longos anos de existência sombria. A fazenda Santa Cruz continuava produtiva. O café continuava sendo colhido e exportado. O dinheiro continuava entrando, mas tudo aquilo parecia sem sentido para Rodrigo. Ele trabalhava porque era o que sabia fazer, porque a rotina o mantinha ocupado o suficiente para não enlouquecer completamente.

Naquela véspera de Natal de 1888, enquanto a noite caía sobre o Vale do Paraíba, trazendo consigo nuvens carregadas que prometiam tempestade, seu Jacinto se aproximou de Rodrigo no seu refúgio da biblioteca. Coronel”, disse ele hesitante. A criadagem estava querendo saber se este ano teremos a ceia de Natal para os trabalhadores. Rodrigo levantou os olhos do livro que fingia ler. Sua expressão era dura.

“Ceia de Natal”, repetiu ele. “Para quê? O que há para celebrar? Coronel é tradição desde o tempo de seu pai que a fazenda oferece uma ceia para todos os trabalhadores na noite de Natal. Dona Clara sempre fazia questão. Dona Clara não está mais aqui. Rodrigo cortou a voz súbita mente áspera.

E as tradições morreram com ela. Não haverá ceia, não haverá celebração. Diga a todos que podem descansar amanhã, mas não quero festas. Seu Jacinto abriu a boca para argumentar, mas algo na expressão de Rodrigo o fez pensar melhor. Ele apenas inclinou a cabeça e saiu, fechando a porta suavemente atrás de si.

Na cozinha, quando Jacinto transmitiu a ordem do patrão, dona Benedita deixou escapar um suspiro pesado. “Quro anos”, ela murmurou, enxugando as mãos no avental. “4 anos e o homem ainda se recusa a viver. É uma tristeza ver. Ele está morto por dentro, disse a Rosa balançando a cabeça.

O corpo continua andando, mas a alma dele ficou enterrada ali com dona Clara e o menino Miguel. As outras criadas concordaram em silêncio. Todas sentiam falta dos tempos em que a casa grande era cheia de risos. Quando dona Clara organizava saraus e convidava as famílias vizinhas, quando o pequeno Miguel corria pelos corredores, deixando rastros de lama das botas, quando o próprio coronel sorria e contava histórias de suas viagens.

Agora, a casa era como um túmulo silencioso, por mais que elas tentassem mantê-la limpa e organizada. Naquela noite, Rodrigo dispensou até mesmo o jantar. permaneceu na biblioteca com sua garrafa de cachaça, olhando fixamente para o fogo que crepitava na lareira.

Lá fora, os primeiros trovões começaram a ressoar distantes, ecoando entre as montanhas, como tambores de guerra. A tempestade que se anunciava há dias finalmente estava chegando. Rodrigo serviu-se mais uma dose da bebida, sentindo o líquido queimar a garganta. Pelo menos a cachaça ainda conseguia fazer com que ele sentisse alguma coisa, mesmo que fosse apenas o calor momentâneo se espalhando pelo peito.

“Mais um Natal vazio”, murmurou ele para a sala vazia. “Mais uma noite sem sentido.” Ele pensou em clara, como sempre fazia quando a solidão apertava demais. Lembrou-se do primeiro Natal que passaram juntos após o casamento. Clara havia decorado toda a casa com ramos de café em flor, transformando a casa grande em um jardim perfumado.

Ela fizera questão de convidar todos os trabalhadores da fazenda para uma grande festa, servindo comida farta e música até o amanhecer. Rodrigo havia reclamado do custo, mas ela apenas rira e dissera: “O dinheiro serve para fazer as pessoas felizes, meu amor. Se não é para isso, então para que serve?” Ele fechou os olhos, tentando ouvir a risada dela, mas o som escapava de sua memória, como água entre os dedos.

Os trovões estavam mais próximos agora e pela janela, Rodrigo podia ver os relâmpagos iluminando momentaneamente o céu negro. A chuva começou de repente, violenta, batendo contra as telhas e as venezianas com fúria. O vento uivava, sacudindo as árvores antigas do jardim. Era uma tempestade daquelas que só o verão brasileiro podia produzir.

Dilúvios que transformavam caminhos em rios de lama e faziam os riachos transbordarem em questão de horas. Rodrigo serviu-se mais uma dose, preparando-se para mais uma noite insônia, mais uma batalha contra as lembranças que o assombravam. Mas então, cortando o barulho da tempestade como uma lâmina afiada, veio um som que ele não esperava. Batidas, batidas desesperadas no portão da fazenda.

Rodrigo franziu o senho. Quem seria louco o suficiente para estar viajando em uma noite como aquela? Ignorou os primeiros golpes, pensando que fosse apenas seu capataz, verificando se tudo estava seguro. Mas as batidas continuaram mais insistentes, mais desesperadas, e então ouviu vozes, uma voz de mulher gritando algo que a tempestade quase engolia, vozes de crianças chorando.

Rodrigo se levantou, deixando o copo sobre a mesa, caminhou até a janela e abriu as venezianas, deixando que a chuva respingasse em seu rosto. Lá embaixo, no portão de ferro, que separava a casa grande da estrada, ele podia ver vultos na escuridão, iluminados apenas quando os relâmpagos rasgavam o céu.

Seu Jacinto já estava correndo em direção ao portão, uma lanterna na mão. Rodrigo podia ver o capataz falando com alguém do outro lado das grades, seu rosto iluminado pela luz fraca, mostrando surpresa e preocupação. Momentos depois, Jacinto voltava correndo para a casa encharcado, a lanterna quase apagando com o vento.

 

Ele entrou pela porta dos fundos e subiu rapidamente as escadas até a biblioteca, batendo na porta antes de entrar sem esperar resposta. Coronel, ele estava ofegante, à água escorrendo de suas roupas. Tem uma mulher no portão. Ela tem três crianças com ela. Estão encharcados com frio. Ela implora por abrigo.

Rodrigo virou-se da janela, sua expressão endurecendo. “Mande-os embora”, disse ele à voz fria. “Dê-lhes dinheiro para uma estalagem na vila.” Coronel. A vila fica a mais de uma hora de caminhada e com esta tempestade as crianças são pequenas. Uma delas é apenas um bebê. Eles não vão conseguir chegar. Não é problema meu. Rodrigo respondeu, voltando para sua poltrona. Mande-os embora, Jacinto.

O capataz ficou parado, claramente dividido entre a lealdade ao patrão e sua consciência. Ele abriu a boca para argumentar, mas naquele momento outra presença se fez sentir na sala. Nh Rosa havia subido também e ao contrário de Jacinto, ela não tinha medo de confrontar Rodrigo. “Senhor Rodrigo”, ela disse, a voz firme, apesar da idade.

“Tem uma mulher e três criancinhas lá fora, molhadas até os ossos, sem ter para onde ir. Que tipo de homem nega abrigo a crianças em uma noite dessas?” Rodrigo se virou para ela, os olhos brilhando com irritação. “O tipo de homem que quer ficar sozinho”, ele respondeu. O tipo de homem que não quer ser incomodado. O tipo de homem que dona Clara teria vergonha de chamar de marido. E a Rosa retrucou sem recuar.

O silêncio que se seguiu foi pesado como chumbo. Rodrigo ficou paralisado, as palavras de rosa atingindo-o como um soco no estômago. Ela havia cruzado uma linha que ninguém mais ousava cruzar. Como se atreve, ele começou, mas sua voz falhou.

Me atrevo porque alguém precisa lembrar o senhor de quem o senhor era antes de se trancar neste caixão de vidro. Rosa disse: “E havia lágrimas em seus olhos. Agora dona Clara abria as portas desta casa para qualquer um que precisasse. Ela dizia que uma casa grande assim tinha a obrigação de ser generosa. E o Senhor sabe disso.

No fundo do seu coração destroçado, o Senhor sabe que ela estaria lá embaixo agora mesmo trazendo essas crianças para dentro, aquecendo elas, alimentando elas. Rodrigo desviou o olhar, incapaz de enfrentar os olhos acusadores da velha ama. “Deixe-os entrar”, ele disse finalmente a voz baixa. “Mas mantenha-os longe de mim, deles roupas secas, comida, um lugar para dormir. De manhã eles vão embora.” “Sim, coronel.

” Seu Jacinto disse rapidamente, antes que Rodrigo pudesse mudar de ideia. Ele e a Rosa saíram apressados, deixando Rodrigo sozinho novamente em sua biblioteca, mas agora o silêncio parecia diferente, carregado de algo que ele não conseguia nomear. Expectativa. Do lado de fora, enquanto seu Jacinto abria finalmente o pesado portão de ferro, Helena segurava seus três filhos com força, tentando protegê-los da chuva que caía sem piedade.

Ela estava tremendo, não apenas de frio, mas de medo e exaustão. Haviam caminhado quilômetros sob a tempestade, fugindo, buscando refúgio, buscando esperança. E agora, finalmente, o portão se abria. “Venham”, disse o homem velho com a lanterna acenando para que entrassem. depressa, antes que a tempestade piore.

Helena não precisou ouvir duas vezes. Com Pedro, Ana e o pequeno João agarrados a ela, ela atravessou o portão da fazenda Santa Cruz, sem saber que aquele simples passo mudaria não apenas a noite de Natal dela, mas o resto de sua vida. E lá em cima, na biblioteca silenciosa, Rodrigo Tavares serviu-se mais uma dose de cachaça, tentando ignorar o desconforto estranho que crescia em seu peito.

A tempestade estava apenas começando, em mais de um sentido. Helena Mendes nunca imaginou que sua vida chegaria àele ponto. quando atravessou o portão da fazenda Santa Cruz naquela noite tempestuosa, encharcada até os ossos, com seus três filhos tremendo de frio agarrados a ela, sentia que havia tocado o fundo do poço, mas havia também um fio de esperança, frágil como uma teia de aranha, mas ainda ali pulsando em seu coração cansado.

Ela tinha 32 anos, mas a vida havia ensinado seus traços a carregar uma seriedade que a fazia parecer mais velha. Não fisicamente, porque Helena era uma mulher de beleza natural e marcante, daquelas que faziam as pessoas olharem duas vezes. Sua pele era clara, mas dourada pelo sol.

Os cabelos negros, longos e espessos, caíam em ondas até o meio das costas, quando soltos, embora ela os mantivesse sempre presos em um coque prático quando trabalhava. Seus olhos verdes eram sua característica mais notável, olhos que pareciam guardar tanto o mar quanto a floresta e que naquele momento brilhavam com lágrimas de exaustão e gratidão. O corpo de Helena revelava os anos de trabalho duro.

Ela era magra, mas forte, com mãos calejadas de lavar roupas em tábuas de madeira e carregar trouxas pesadas. Usava um vestido simples de chita azul desbotada. agora completamente encharcado e grudado em seu corpo, e um chale de lã marrom que não fazia mais diferença alguma contra o frio da chuva. Seus pés estavam descalços.

As alpargatas haviam se perdido em algum ponto da caminhada desesperada, mas apesar da aparência de pobreza, havia dignidade na forma como Helena se portava. Ela não curvava a cabeça, não arrastava os pés. Mesmo em desespero, ela mantinha o queixo erguido e a voz firme. Era uma mulher que não pedia esmolas, que não se vitimizava, que enfrentava a vida de frente, por mais cruel que ela fosse.

“Obrigada, senhor”, ela disse para seu Jacinto assim que entraram. E sua voz, mesmo trêmula de frio, tinha uma musicalidade que o velho capataz notou imediatamente. Não sabemos como agradecer. Não precisa agradecer a mim, Jacinto respondeu, guiando-os em direção à Casagre. Agradeçam ao coronel Tavares. É a casa dele.

Então, levarei minha gratidão a ele pessoalmente, Helena disse com firmeza. Seu Jacinto olhou para ela com surpresa. Não era comum que pessoas em situação de desamparo falassem com tanta segurança. Havia algo naquela mulher que o intrigava. Os três filhos de Helena eram pequenos redemoinhos de medo e frio.

Pedro, o mais velho, tinha 10 anos e carregava nos ombros estreitos uma responsabilidade que nenhuma criança deveria ter. Ele era alto para a idade, magro, com cabelos castanhos claros caídos sobre a testa e olhos castanhos sérios demais para um menino. Usava calças remendadas e uma camisa que já havia sido branca em algum ponto de sua curta existência.

Durante toda a caminhada sob a tempestade, Pedro havia carregado seu irmão mais novo nas costas, sem reclamar uma vez, apesar dos braços trêmulos de cansaço. Ana tinha 7 anos e era a imagem de sua mãe em miniatura. Os mesmos cabelos negros, agora grudados no rosto pequeno pela chuva, os mesmos olhos verdes que pareciam grandes demais para seu rosto.

Ela usava um vestidinho cor-de-osa, desbotado e segurava com força na mão de Helena. Ana era uma criança sonhadora que adorava ouvir histórias e inventar mundos imaginários. Naquela noite, porém, ela estava assustada demais para sonhar. Apenas agarrava-se à mãe e tentava não chorar. João, o caçula, tinha apenas 4 anos. Era um menino pequeno e rechonchudo, com bochechas rosadas e cachos louros, que emolduravam um rosto angelical.

Ele usava apenas uma camisola de dormir de algodão grosso, porque a fuga havia sido tão repentina que não houve tempo de vesti-lo adequadamente. João chorava baixinho, com soluços entrecortados, escondendo o rosto no pescoço de Pedro. “Mamãe, estou com frio”, ele murmurava entre os soluços. Eu sei, meu amor.

Helena respondia, a voz carregada de dor por não poder fazer mais. Mas agora vamos entrar em uma casa quentinha. Vai ficar tudo bem. A Rosa os esperava na entrada dos fundos da Casagrande, segurando lanternas e com um olhar de determinação maternal no rosto. “Santo Deus!”, ela exclamou ao ver o estado deles. “Parecem náufragos.

Venham, venham depressa, Benedita, traga toalhas, muitas toalhas. A cozinha da fazenda Santa Cruz era enorme, o coração da casa grande. Tinha paredes de pedra, um fogão a lenha gigantesco que ocupava toda uma parede, prateleiras repletas de panelas de cobre e ferro, mesas largas de madeira maciça.

O cheiro que emanava dali era celestial, uma mistura de pão fresco, café torrado, especiarias e lenha queimando. O calor era intenso e acolhedor. Dona Benedita apareceu com pilhas de toalhas de linho e uma expressão de choque maternal no rosto redondo. “Mas que coisa!”, ela exclamou correndo até eles. “Essas crianças vão pegar uma pneumonia.

Rápido, tirem essas roupas molhadas.” Helena hesitou, sempre orgulhosa, sempre resistente a aceitar caridade, mas uma olhada para seus filhos tremendo foi suficiente para quebrar sua resistência. “Obrigada”, ela disse simplesmente, começando a tirar o vestido encharcado de Ana.

A Rosa e dona Benedita trabalharam rapidamente com a eficiência de quem havia cuidado de crianças por décadas. Enrolaram os meninos em toalhas macias, secaram seus cabelos, esfregaram seus corpos pequenos para trazer de volta a circulação. Helena também foi envolvida em toalhas e alguém colocou um chale seco e quente sobre seus ombros. “Benedita, aqueça leite”, ordenou a Rosa.

“E tem pão fresco?” “Tem sim. E vou fazer chocolate quente também. Essas crianças precisam de algo doce depois do susto que levaram. Enquanto dona Benedita se movia pela cozinha preparando a comida, Nha Rosa sentou-se em uma cadeira e puxou João para seu colo.

O menino resistiu por apenas um segundo antes de derreter nos braços da velha senhora, seus soluços finalmente acalmando. “Pronto, pronto”, ela murmurava, balançando-o suavemente. “Está seguro agora? Minha rosa vai cuidar de você”. Pedro permaneceu em pé. recusando-se a sentar, os olhos alertas e desconfiados observando tudo ao redor.

Helena notou e colocou a mão no ombro do filho. “Está tudo bem?”, ela disse baixinho. “Podemos confiar nessas pessoas?” “Como a senhora sabe?” Pedro perguntou a voz baixa e tensa. Helena olhou para Nhá Rosa, que cantarolava baixinho para João e para dona Benedita, que preparava comida com lágrimas de compaixão nos olhos. E então, para seu Jacinto, que havia voltado e agora observava a cena com um sorriso gentil no rosto, marcado pelo tempo.

“Porque existem pessoas boas no mundo?”, Helena respondeu. E eu aprendi a reconhecê-las. A comida chegou rapidamente. Chocolate quente fumegante em canecas de louça, pão fresco com manteiga derretida, fatias de queijo curado, goiabada cremosa. Para crianças que não comiam direito há dias, aquilo era um banquete divino.

João devorou tudo com a falta de cerimônia típica de uma criança pequena, sujando o rosto de chocolate e sorrindo pela primeira vez naquela noite. Ana comeu mais delicadamente, mas seus olhos brilhavam de prazer a cada mordida. Até Pedro, sempre não conseguiu resistir à comida deliciosa e comeu com apetite voraz.

Helena comeu pouco, observando seus filhos, sentindo pela primeira vez em dias que talvez, apenas talvez as coisas pudessem melhorar. Agora disse a Rosa quando todos terminaram de comer. Vocês precisam de roupas secas e camas quentes. Venham comigo. Ela os conduziu através de corredores amplos, iluminados por lampiões de querosene que lançavam sombras dançantes nas paredes brancas.

Helena tentava absorver tudo. Os azulejos portugueses decorando as paredes, os retratos de família em molduras douradas, os móveis de madeira escura e polida, os tapetes grossos sob seus pés descalços. Era um mundo tão distante do seu, tão diferente das cenzalas adaptadas onde havia vivido, dos quartos minúsculos e úmidos, dos chãos de terra batida. Ali havia luxo, mas também havia algo mais.

Havia história, tradição, um peso de gerações que tinha habitado aqueles cômodos. Nhrosa os levou até um quarto no segundo andar, longe o suficiente dos aposentos do coronel para não perturbá-lo, mas ainda assim uma acomodação digna. Era um quarto de hóspedes que claramente não era usado há anos.

Havia uma cama grande com docel, um guarda-roupa de jacarandá, uma cômoda com espelho, cadeiras estofadas. As janelas davam para os jardins dos fundos. Era o quarto das visitas, Nha Rosa explicou enquanto acendia as velas. Dona Clara sempre mantinha este quarto pronto, porque dizia que nunca se sabia quando um anjo precisaria de abrigo.

Helena sentiu um nó na garganta com a gentileza daquelas palavras. Dona Clara? Ela perguntou suavemente. O rosto de Inha Rosa se ensombrou. A esposa do coronel. Ela faleceu há 4 anos, ela e o filho pequeno Miguel. A febre amarela levou os dois. Meu Deus! Helena, murmurou, a mão indo ao coração.

De repente, entendia um pouco melhor a relutância do homem, que havia quase os mandado embora. Ele não era cruel, ele estava ferido. O coronel não é mais o mesmo desde então.” Nh Rosa continuou abrindo o guarda-roupa e procurando roupas que pudessem servir. Ele se fechou como uma ostra. Não fala, não sorri, não vive realmente, apenas existe. Eu entendo Helena disse baixinho. E realmente entendia.

Ela também havia perdido, também conhecia aquela dor que parecia não ter fim. A Rosa encontrou camisolas de linho que haviam sido de Clara e algumas roupas infantis que provavelmente foram de Miguel. Ela hesitou por um momento, segurando as pequenas calças e camisas, claramente combatendo as emoções.

Dona Clara ia querer que essas roupas fossem usadas, ela disse finalmente a voz embargada. Ela sempre dizia que objetos sem uso eram objetos desperdiçados. As roupas ficaram grandes nas crianças, mas eram limpas, secas e quentes. Ana ficou encantada com a camisola de linho branco bordada com florezinhas, girando como uma princesa. João riu ao ver as mangas da camisa penduradas muito além de seus dedos.

Até Pedro sorriu um pouco, vestindo roupas melhores do que jamais havia usado. Helena vestiu uma camisola simples de algodão que havia sido de clara. Era um pouco justa nos ombros e curta demais, mas seria suficiente até que suas próprias roupas secassem. Ela prendeu os cabelos ainda úmidos em uma trança. Agora para a cama, Rosa ordenou.

Vocês todos precisam dormir. Onde vou dormir? Ana perguntou, olhando para a cama grande. Todos vocês vão dormir aqui. Minha Rosa respondeu: “A cama é grande o suficiente.” Pedro franziu o senho. Não vamos dormir na cenzala? Um silêncio pesado caiu sobre o quarto. A Rosa se ajoelhou na frente de Pedro, olhando nos olhos sérios do menino. “Meu filho”, ela disse gentilmente, “a escravidão acabou.

Não existem mais sensalas aqui. E vocês não são trabalhadores, são hóspedes. Hóspedes dormem em quartos dignos.” Pedro pareceu não saber o que dizer. A vida toda ele havia sido tratado como menos, como alguém que deveria agradecer por migalhas. Aquilo era novo, desconcertante, quase assustador.

“Vamos, Pedro”, Helena disse suavemente, guiando-o até a cama. “Aceite a bondade dessas pessoas”. Eles se acomodaram na cama grande, as crianças no meio e Helena nas beiradas. O colchão era macio, os lençóis cheiravam a lavanda, os cobertores eram pesados e quentes. Para crianças acostumadas a dormir em esteiras no chão duro, aquilo era um luxo inimaginável.

João adormeceu imediatamente, exausto. Ana lutou contra o sono por alguns minutos, maravilhada demais, com o teto pintado de branco e a sensação de estar em uma nuvem. Mas logo seus olhos se fecharam também. Pedro resistiu por mais tempo, os olhos ainda alertas na escuridão. Helena estendeu a mão e segurou-a dele. “Durma, filho”, ela sussurrou. “Mamãe está aqui.

Nada de ruim vai acontecer”. Finalmente, Pedro também cedeu ao cansaço, sua mão ainda segurando a de Helena. Sozinha na escuridão, Helena permitiu que as lágrimas finalmente caíssem. lágrimas de alívio, de medo, de gratidão, de exaustão. Ela chorou silenciosamente para não acordar as crianças, mas chorou como não havia se permitido chorar durante toda aquela jornada terrível.

Porque Helena Mendes havia perdido tudo naquela noite, não apenas um teto sobre suas cabeças ou seus poucos pertences, ela havia perdido o último vestígio de estabilidade que tentara construir depois que seu marido morreu. Seu marido, José Mendes, havia sido um homem bom, um trabalhador incansável, que quando a abolição finalmente chegou, celebrou com lágrimas nos olhos.

Ele havia sido escravizado até os 30 anos, e os anos de liberdade que teve depois foram os mais preciosos de sua vida. Ele trabalhava como carpinteiro, consertando telhados, construindo móveis, fazendo qualquer serviço honesto que aparecesse. Helena o conheceu em uma feira na vila. Ela estava vendendo rendas que fazia nas horas vagas e ele estava comprando pregos para um trabalho.

José havia sorrido para ela com aquele sorriso largo e genuíno que fazia seu coração disparar e perguntado se ela aceitaria tomar um café com ele depois da feira. Ela aceitou e três meses depois estavam casados na pequena capela da vila com padre Anselmo abençoando sua união. Foram 4 anos de um casamento simples, mas feliz.

José adorava as crianças, cantava para eles antes de dormir, carregava Pedro nos ombros, fazia bonecas de palha para Ana, perseguia João pelo quintal, arrancando gargalhadas. Mas então veio o acidente. José estava consertando o telhado de um celeiro na fazenda Santo Antônio quando uma tábua podre cedeu sob seu peso.

Ele caiu de uma altura de 3 m, quebrando o pescoço. Morreu instantaneamente. Sem dor, disseram os médicos. Mas que consolo era esse para Helena, que de repente se viu viúva aos 28 anos, com três crianças pequenas para criar. Ela não se permitiu desmoronar, não tinha esse luxo. Precisava trabalhar.

Precisava alimentar seus filhos. Então Helena se tornou lavadeira, pegando roupas das famílias mais abastadas da região, lavando-as no riacho, passando-as com ferros pesados aquecidos no fogão à lenha, devolvendo-as impecavelmente limpas e dobradas. O trabalho era duro, mas ela o fazia com orgulho. Nunca aceitou esmolas. nunca pediu favores especiais.

Pagava suas dívidas, criava seus filhos com dignidade, ensinava-os a ler nas horas vagas, usando uma velha cartilha que José havia comprado antes de morrer. Foi assim que acabou trabalhando na fazenda Santo Antônio, propriedade do coronel Augusto Mendonça. Mendonça era tudo que um fazendeiro não deveria ser.

ganancioso, cruel, manipulador. Ele havia se aproveitado da abolição de uma forma perversa. Enquanto outros fazendeiros tentavam adaptar-se ao novo sistema, pagando salários justos aos seus trabalhadores, Mendonça encontrou formas de continuar explorando. Ele oferecia salários miseráveis, cobrava preços absurdos pelos quartos onde os trabalhadores viviam, vendia comida a preços inflacionados em sua venda particular.

No final do mês, os trabalhadores deviam mais do que haviam ganho. Era uma forma de escravidão disfarçada e Mendonça ria da esperteza de seu esquema. Helena descobriu as fraudes por acidente. Ela estava pegando as roupas sujas no escritório de Mendonça quando viu os livros de contas sobre a mesa. Sua alfabetização, que José havia insistido tanto que ela desenvolvesse, permitiu que ela lesse os números. E os números contavam uma história sórdida de roubo sistemático.

Ela deveria ter ficado calada, deveria ter fingido que não tinha visto nada. Mas Helena não conseguiu. Pensou nos outros trabalhadores, nas famílias que nunca conseguiam sair das dívidas, nas crianças que passavam fome, apesar de seus pais trabalharem de sol a sol. Ela foi até Mendonça e o confrontou.

O erro dela foi achar que ele teria vergonha, que admitiria seus crimes e mudaria. Mas homens como Mendonça não sentem vergonha. “Você deveria cuidar da sua própria vida lavadeira”, ele havia dito, seu rosto gordo e vermelho, contorcido em uma expressão de desprezo. “Ecer o que viu, se é que viu alguma coisa.” “Vi sim.” Helena respondeu, mantendo a voz firme, apesar do medo que começava a crescer.

E não vou ficar calada enquanto o senhor rouba essas pessoas. Mendonça levantou-se de sua cadeira, caminhando lentamente ao redor da mesa até ficar perto demais dela. “Não vai ficar calada?”, ele repetiu a voz baixa e ameaçadora. “E o que exatamente você pretende fazer?” Contar para quem? Ao juiz que joga cartas comigo toda sexta-feira.

Ao padre que me deve favores, quem vai acreditar na palavra de uma lavadeira contra a minha? Helena recuou, percebendo tarde demais o perigo em que havia se colocado. Além disso, Mendonça continuou, seu hálito quente e enjoativo de cachaça, atingindo o rosto dela. Você vive em um dos meus quartos, não é? com seus três filhotes. Seria uma pena se de repente eu decidisse que preciso daquele espaço para outra coisa.

O Senhor não pode nos expulsar sem motivo”, Helena disse, tentando soar confiante. “Não posso, Mendonça riu. Esta é minha propriedade. Posso fazer o que bem entender. E se você abrir a boca sobre essas tolices que acha que viu, vai descobrir exatamente o quanto posso fazer.

” Helena saiu daquele escritório com as pernas tremendo, mas ainda com a cabeça erguida. Ela não contaria para as autoridades, porque sabia que ele tinha razão sobre não acreditarem nela. Mas ela contaria para os outros trabalhadores. Eles mereciam saber. E ela contou. Na noite seguinte, reuniu alguns dos trabalhadores mais velhos e mostrou-lhes as contas que havia memorizado, os números que provavam o roubo.

Eles ficaram furiosos, mas também assustados. O que poderiam fazer contra um homem tão poderoso? Podemos ir embora? Sugeriu um deles, procurar trabalho em outras fazendas. Mas todos sabiam que não era tão simples. Estavam endividados demais. Mendonça nunca os deixaria partir. Alguém na reunião deve ter contado para Mendonça, porque na manhã seguinte ele apareceu no quarto de Helena com dois capangas.

“Você tem uma hora para juntar suas coisas e sair da minha propriedade”, ele disse, jogando uma sacola vazia no chão. E se eu vir você ou seus moleques perto daqui de novo, vou ter que tomar medidas mais drásticas. Mas está chovendo. Helena protestou, olhando pela janela para o céu ameaçador. E não temos para onde ir.

Ao menos nos dê até amanhã. Uma hora. Mendonça repetiu. E agradeça por eu estar sendo generoso. Eu poderia simplesmente atear fogo nesta com vocês dentro. Não era uma ameaça vazia. Helena viu nos olhos dele que ele era capaz. Então ela fez o que teve que fazer. Acordou as crianças, pegou o pouco que tinham, um conjunto de roupas, alguns cobertores, a cartilha de José e saiu sob a chuva que começava a cair.

Não tinha dinheiro suficiente para uma estalagem, não tinha família na região para recorrer. Seus pais haviam morrido anos atrás e José era filho único. Ela estava verdadeiramente sozinha. Foi então que ela lembrou das histórias que ouvira sobre a fazenda Santa Cruz. Diziam que o coronel Tavares, antes de ficar viúvo, era um homem generoso. Sua esposa era conhecida por ajudar os pobres.

Talvez, apenas talvez ele ainda tivesse um pouco daquela bondade em algum lugar. Era a única esperança que ela tinha. Então Helena pegou seus filhos e começou a caminhar. Caminhou por horas sob a tempestade que piorava a cada minuto, carregando João, puxando Ana, com Pedro esforçando-se para acompanhar. Seus pés sangravam, seu corpo gritava de dor, mas ela continuou, porque era isso que mães fazem. Continuam sempre.

E agora, deitada naquela cama macia e quente, com seus filhos seguros e dormindo ao seu lado, Helena finalmente permitiu que seu corpo relaxasse. Amanhã ela teria que descobrir o que fazer, para onde ir, como reconstruir suas vidas. Mas naquela noite, apenas naquela noite, ela podia descansar.

Obrigada, Deus”, ela sussurrou na escuridão, “poele portão, por ter colocado pessoas bondosas em nosso caminho, por ternos dado mais uma chance”. E então Helena também dormiu, exausta, mas grata, não sabendo que no andar de baixo, um homem de coração partido estava tendo a primeira noite de insônia diferente em 4 anos. Porque Rodrigo Tavares, sentado sozinho em sua biblioteca, não conseguia parar de pensar na voz daquela mulher, firme e digna mesmo no desespero.

Não conseguia parar de pensar nos três filhos pequenos, molhados e assustados. Não conseguia parar de pensar em como, por um breve momento, ao ouvir o choro daquela criança pequena, ele havia se lembrado de Miguel. E essa lembrança, ao invés de apenas doer, como sempre doía, havia trazido algo mais, algo que ele não sentia há 4 anos, um desejo pequeno e assustador de proteger.

Ele serviu-se mais uma dose de cachaça, tentando afogar aquele sentimento perturbador, mas não funcionou. O sentimento permaneceu crescendo como uma semente teimosa em terra que ele julgava estéril. Lá fora, a tempestade continuava rugindo, mas dentro da casa grande da fazenda Santa Cruz, algo estava mudando, algo tão sutil que ninguém ainda podia nomear, mas que estava definitivamente lá.

A escuridão estava começando a ceder espaço para pequenos raios de luz, e nem Rodrigo, nem Helena estavam prontos para o que aquela luz revelaria. A manhã de Natal amanheceu com um céu limpo e azul, como se a tempestade da noite anterior nunca tivesse existido. O sol brilhava sobre os cafezais ainda molhados, fazendo as gotas de chuva nas folhas reluzir como diamantes.

O ar estava fresco e perfumado, carregando o aroma de terra molhada, misturado com o cheiro das flores do jardim que a chuva havia avivado. Helena acordou desorientada por um momento, sem reconhecer o teto pintado de branco acima dela. Então, a memória da noite anterior voltou e com ela, um misto de gratidão e apreensão. Ela estava segura, seus filhos estavam seguros, mas pela manhã chegaria a hora de enfrentar a realidade.

 

Eles não tinham para onde ir. Com cuidado para não acordar as crianças que ainda dormiam profundamente, Helena saiu da cama. Suas roupas de ontem, que ela havia estendido sobre uma cadeira ainda estavam úmidas. O vestido de Chita precisava de um bom tempo ao sol para secar completamente.

Por enquanto, ela vestiu novamente a camisola de Clara, sentindo-se estranhamente íntima ao usar as roupas de uma mulher que não conhecera, mas que claramente havia sido muito amada. Helena prendeu os cabelos em um coque apertado e saiu do quarto descalça, caminhando silenciosamente pelos corredores ainda quietos da Casagre. Pela posição do sol, ela calculou que eram cerca de 6 horas da manhã.

Na fazenda onde trabalhava, esse era o horário em que ela já estaria no tanque de lavar roupa, com as mãos na água fria e as primeiras peças do dia sendo esfregadas na tábua. Ela encontrou a cozinha seguindo o cheiro de café fresco. Dona Benedita já estava lá, como Helena suspeitava que estaria.

Mulheres que trabalham a vida inteira acordam cedo. É um hábito que o corpo nunca esquece. Bom dia, Helena disse da porta, sua voz suave para não assustar a cozinheira. Dona Benedita se virou, um sorriso largo iluminando seu rosto redondo. Bom dia, filha. dormiu bem e as crianças? Dormimos melhor do que dormimos em meses? Helena admitiu entrando na cozinha. Não sei como agradecer a bondade de vocês.

Não precisa agradecer, dona Benedita disse, gesticulando para que Helena se sentasse à mesa grande. É Natal, dia de ajudar quem precisa. Quer café? Acabei de fazer. Na verdade, Helena disse, hesitando apenas um momento antes de continuar, eu gostaria de ajudar. Não gosto de ficar sem fazer nada enquanto outros trabalham.

O que posso fazer? Dona Benedita parou, a cafeteira ainda na mão, e olhou para Helena com surpresa e depois com respeito. Menina, ela disse lentamente. Você é hóspede, não precisa trabalhar. Preciso sim. Helena respondeu firmemente: “Não sou hóspede. Sou alguém que recebeu abrigo em momento de necessidade e não quero ser fardo. Deixe-me ajudar, por favor.

” Havia algo na dignidade daquela mulher jovem, na forma como ela mantinha as costas retas e o olhar direto que tocou dona Benedita profundamente. Ela havia visto muita gente quebrada pela pobreza, pessoas que aceitavam ajuda com mãos estendidas e cabeças baixas, mas aquela mulher era diferente. Ela aceitava ajuda, mas não abria a mão de sua dignidade.

Está bem, dona Benedita disse finalmente, se insiste, pode me ajudar a preparar o café da manhã, mas primeiro tome um café e coma algo. Não se trabalha de estômago vazio. Elas trabalharam lado a lado na cozinha espaçosa. Dona Benedita dando instruções e Helena executando-as com habilidade.

Ela cortou frutas, preparou a massa para os pães de queijo, bateu ovos para uma omelete. Suas mãos eram ágeis e competentes, mãos que conheciam o trabalho duro. “Você cozinha bem?”, Dona Benedita observou, vendo como Helena temperava os ovos com a medida exata de sal e pimenta. “Minha mãe me ensinou”, Helena, disse, uma sombra de tristeza passando por seu rosto.

Ela dizia que uma mulher que sabe cozinhar nunca vai passar fome, porque sempre pode trocar comida por trabalho. Sua mãe era sábia. Era? Helena, concordou. Ela morreu quando eu tinha 16 anos. febre. Meu pai a seguiu seis meses depois. Acho que foi de coração partido. E você ficou sozinha? Fiquei. Trabalhei em casas, lavando, cozinhando, cuidando de crianças. Foi assim que conheci meu marido. Ele estava construindo um anexo na casa onde eu trabalhava.

Nos apaixonamos. Helena sorriu com a memória, mesmo que doesse. Ele era um homem bom. Os melhores sempre partem cedo demais. Dona Benedita colocou a mão no ombro de Helena em um gesto de conforto silencioso. “O coronel também perdeu pessoas boas”, ela disse suavemente. Dona Clara era um anjo na terra e o menino Miguel? Aquele menino tinha o sorriso mais bonito que você já viu.

A casa morreu com eles e a Rosa me contou ontem à noite, Helena disse. Febre amarela? Sim, foi rápido demais. Num dia ela estava ensinando na escolinha dela, no outro estava acamada com febre. O menino adoeceu logo depois. Os médicos vieram de São Paulo do Rio, os melhores que o dinheiro podia comprar, mas não adiantou nada. A febre levou os dois em questão de três dias. E o coronel estava viajando.

Quando voltou, eles já tinham sido enterrados. Ele nunca se perdoou por não estar aqui. Desde então, bem, você viu, ele se trancou naquela biblioteca e no escritório, tocando a fazenda, mas não vivendo realmente. É como se uma parte dele tivesse morrido também. Helena sentiu uma pontada de empatia. Ela conhecia aquela dor, aquele sentimento de que a vida continuava mais sem cor, sem sabor, sem propósito real.

A diferença era que ela tinha três filhos que dependiam dela. Ela não podia se dar ao luxo de apenas existir. Precisava viver por eles. O som de passos pequenos ecoou no corredor e momentos depois, Ana apareceu na porta da cozinha, ainda usando a camisola grande demais, os cabelos negros em um emaranhado selvagem ao redor do rosto. “Mamãe!”, ela chamou.

A voz ainda sonolenta. Estou aqui, meu amor, Helena disse, abrindo os braços. Ana correu até ela, enterrando o rosto na camisola da mãe. “Pensei que tínhamos sonhado”, Ana, murmurou. “Pensei que ia acordar e ainda estaríamos embaixo daquela árvore na chuva.” “Não, querida. Estamos a salvo. Olhe ao redor.

Estamos em uma casa bonita, com pessoas gentis”. Ana levantou a cabeça e olhou ao redor da cozinha com olhos arregalados de admiração. Tudo era tão grande, tão limpo, tão diferente de qualquer lugar onde ela já havia estado. “É como nos livros”, ela sussurrou, “como os castelos das histórias. Dona Benedita riu encantada com a criança. Não é bem um castelo pequena, mas é uma casa boa.

Está com fome?” Ana assentiu timidamente e dona Benedita já estava preparando um prato com frutas frescas e pão quentinho, quando Pedro e João também apareceram igualmente deslumbrados com o novo dia e o novo ambiente. Bom dia, meus amores! Helena disse, beijando cada um na testa. Durmam bem? Foi a melhor cama do mundo, João declarou com a sinceridade absoluta das crianças pequenas.

Posso dormir nela de novo hoje? Helena e dona Benedita trocaram olhares. Era uma pergunta inocente que trazia uma questão complexa. O que aconteceria agora? Antes que Helena pudesse responder, seu Jacinto entrou pela porta dos fundos, tirando o chapéu respeitosamente. “Bom dia a todos”, ele disse.

“Dona Helena, o coronel pede para vê-la em seu escritório assim que possível. O estômago de Helena deu um nó. Este era o momento que ela temia, o momento em que o coronel, em sua generosidade de véspera de Natal, lhes diria que precisavam partir. “Vou já”, ela disse, mantendo a voz firme. “Calma, mulher, tome seu café primeiro.” Dona Benedita insistiu.

“O coronel pode esperar mais 10 minutos”. Mas Helena sabia que não podia. Quanto mais demorasse, pior seria. Ela precisava enfrentar aquilo agora. As crianças podem ficar aqui com vocês?”, ela perguntou. “Claro, dona Benedita” respondeu imediatamente. Vão comer um café da manhã que nem o imperador come melhor. Helena se inclinou e beijou cada filho. Mamãe vai conversar com o dono da fazenda.

Comportem-se, Pedro, cuide dos seus irmãos. Sim, mãe. Pedro respondeu já com aquela seriedade que a fazia querer chorar e sorrir ao mesmo tempo. Seu Jacinto a conduziu através da casa até o escritório do coronel. Era um cômodo no andar térrio, com janelas amplas que davam para os cafezais.

As paredes eram cobertas por estantes repletas de livros e documentos. Uma mesa grande de jacarandá dominava o centro, coberta de papéis organizados em pilhas perfeitas. Havia mapas nas paredes, alguns mostrando a extensão da fazenda Santa Cruz, outros mostrando rotas comerciais até o porto de Santos.

Rodrigo Tavares estava de pé junto à janela, as mãos cruzadas nas costas, observando os campos. Ele se virou quando Helena entrou e ela teve sua primeira visão clara dele à luz do dia. Ele era exatamente como ela imaginara um coronel do café, alto, de ombros largos, vestindo calças escuras e camisa branca impecável com o colete de seda preta. A barba estava perfeitamente aparada, os cabelos penteados para trás, mas foram os olhos dele que a capturaram, olhos castanhos, profundos, que carregavam tanto peso de tristeza que ela quase podia senti-la fisicamente.

“Bom dia, coronel”, ela disse, mantendo a voz firme. “O senhor queria me ver?” “Bom dia, Rodrigo”, respondeu, sua voz grave e controlada. Por favor, sente-se. Helena hesitou. Sentar-se parecia uma intimidade que ela não tinha direito de tomar, mas ele havia pedido.

Então ela se sentou na cadeira em frente à mesa, mantendo as costas retas. Rodrigo também se sentou, observando-a por um momento antes de falar. Ela era diferente à luz do dia, sem a chuva e o desespero ofuscando seus traços. Era uma mulher bonita, isso era innegável, mas havia algo mais, uma força, uma dignidade que ele não esperava encontrar em alguém em situação tão desesperadora.

Seu Jacinto me contou um pouco sobre sua situação. Ele começou. Você foi expulsa da Fazenda Santo Antônio ontem? Fui. Helena confirmou sem desviar o olhar pelo coronel Augusto Mendonça. Ao ouvir aquele nome, algo se alterou na expressão de Rodrigo. Uma tensão, um desagrado mal disfarçado. Mendonça, ele repetiu, e havia desprezo na forma como pronunciou o nome.

Por que ele a expulsou? Helena hesitou. Contar a verdade podia complicar ainda mais sua situação, mas mentir era algo que ela se recusava a fazer. “Porque descobri que ele estava roubando seus trabalhadores”, ela disse firmemente. Ele cobra salários miseráveis e depois cobra preços absurdos por moradia e comida.

No fim do mês, os trabalhadores acabam devendo mais do que ganharam. É uma forma de continuar a escravidão, mesmo depois da abolição. Rodrigo se inclinou para a frente, o interesse genuíno brilhando em seus olhos. E você o confrontou sobre isso? Confrontei e depois contei aos outros trabalhadores. Ele não gostou.

Um silêncio pesado caiu sobre o escritório. Rodrigo estudou Helena com nova intensidade. Não era apenas uma mulher bonita e digna. Era uma mulher com coragem, com princípios, com senso de justiça. Uma mulher que havia arriscado tudo para fazer o que era certo. “Você sabe quem sou eu?”, Ele perguntou finalmente: “Sei que o senhor é o coronel Rodrigo Tavares, dono da fazenda Santa Cruz.

Sabe mais alguma coisa sobre mim?” Helena franziu o senho, sem entender para onde ele queria chegar. “Sei que o senhor perdeu sua esposa e filho há 4 anos e que sua esposa era uma mulher boa que ajudava os pobres. E sabe que eu tive negócios com Augusto Mendonça? O coração de Helena gelou. Ela não sabia disso.

Negócios? Ela repetiu, a voz mais fraca do que gostaria. Há 5 anos, comprei uma parte da fazenda Santo Antônio. Terras que faziam divisa com as minhas. Foi uma transação comercial, nada mais. Mas na época havia famílias vivendo naquelas terras, pequenos sitiantes que Mendonça dizia que seriam realocados para outras áreas.

Helena sentiu o sangue drenar de seu rosto. Seu pai havia sido um daqueles sitiantes. Eles tinham um pequeno pedaço de terra onde plantavam mandioca e feijão, onde criavam algumas galinhas. Não era muito, mas era deles. Até que um dia, homens vieram e disseram que a terra agora pertencia a outro fazendeiro, que eles precisavam sair. “Eu me lembro”, ela sussurrou.

Minha família, nós perdemos nosso sítio naquela transação. Rodrigo fechou os olhos, uma expressão de dor cruzando seu rosto. Eu não sabia, ele disse a voz rouca. Mendonça me garantiu que as famílias seriam compensadas, que receberiam outras terras. Eu não investiguei. Estava ocupado demais com meus próprios negócios, com minha vida fácil e confortável.

Não me importei em verificar se aquelas pessoas estavam realmente sendo cuidadas. Não foram, Helena disse. E havia acusação em sua voz agora, mesmo que ela tentasse controlá-la. Meu pai perdeu tudo. Tivemos que nos mudar para a vila. Ele tentou encontrar trabalho, mas já estava velho e doente. Morreu pouco tempo depois e eu sempre achei que foi de coração partido por ter perdido a terra que trabalhou a vida toda.

O silêncio que se seguiu era denso de culpa e dor. Rodrigo colocou as mãos sobre o rosto, os ombros curvados, sob o peso de mais uma transgressão, mais uma falha moral que ele havia cometido por negligência. “Eu sinto muito”, ele disse finalmente e soava como se as palavras fossem arrancadas de sua alma. Não tenho desculpa.

Eu deveria ter verificado, deveria ter me importado, mas estava tão envolvido com minha própria prosperidade, tão confiante em meu direito de expandir meu império, que não pensei nas pessoas que seriam afetadas. Helena não disse nada. O que poderia dizer? Que estava tudo bem? Não estava. Seu pai havia morrido. Sua família havia sido destruída.

Mas olhando para aquele homem, vendo a sinceridade em seus olhos, a forma como a culpa o consumia, ela não conseguiu nutrir ódio. “O Senhor não expulsou meu Pai”, ela disse finalmente: “Mendonça fez isso. O Senhor só comprou a terra, mas eu criei as condições para que Mendonça pudesse fazer aquilo.” Rodrigo argumentou: “Não posso me esconder atrás de minha ignorância. A ignorância quando é uma escolha é tão condenável quanto a ação.

Ele se levantou, caminhando até a janela novamente, as mãos apertadas nas costas. Quando minha esposa morreu, ele continuou a voz baixa. Pensei que Deus estava me punindo. Por que outro motivo ele tiraria de mim as duas pessoas que eu mais amava? Mas talvez não tenha sido punição. Talvez tenha sido um chamado.

Um chamado para acordar, para ver o que eu havia me tornado. Um homem rico e poderoso, que não usava sua riqueza e poder para nada além de acumular mais riqueza e poder. Ele se virou para Helena. Não posso trazer seu pai de volta, ele disse. Não posso desfazer o que foi feito, mas posso começar a fazer as coisas certas agora.

E posso começar com você? Não quero caridade”, Helena disse imediatamente, levantando-se também. “Não vim aqui em busca de compensação.” “Não é caridade”, Rodrigo respondeu. “É justiça, é o mínimo que posso fazer. Você e seus filhos podem ficar aqui pelo tempo que precisarem, sem condições, sem expectativas, apenas um teto seguro e comida na mesa.

E em troca? Helena perguntou, sempre desconfiada, porque a vida lhe ensinara a ser. Em troca de nada, Rodrigo disse. Mas se sua consciência não permitir que aceite sem retribuir, então pode ajudar na casa. Minha Rosa está ficando velha. Dona Benedita precisa de auxílio, não como criada, mas como como parte da casa. Helena o estudou, procurando engano, procurando segundas intenções, mas tudo que ela via era sinceridade e culpa, e um desejo genuíno de fazer algo certo.

“Meus filhos,” ela disse, Pedro tem 10 anos, Ana tem sete, João tem quatro. Eles são bons meninos, mas são crianças. Fazem barulho, fazem bagunça. Se ficarem aqui, vão mudar a paz e o silêncio que o Senhor parece valorizar. Pela primeira vez, algo que quase se parecia com um sorriso tocou os lábios de Rodrigo.

“Talvez seja exatamente disso que esta casa precisa”, ele disse. “Barulho, vida, lembretes de que o mundo continua girando.” Helena sentiu lágrimas ameaçando cair, mas piscou firmemente para mandá-las embora. Ela não choraria na frente daquele homem. já havia mostrado fraqueza suficiente na noite anterior. “Está bem”, ela disse.

“Finalmente, vamos ficar, mas apenas até conseguirmos nos restabelecer. Não vou me tornar dependente da bondade de ninguém.” “Como quiser,” Rodrigo concordou. Ele estendeu a mão formalmente. Helena hesitou apenas um momento antes de pegá-la. Sua mão era pequena e calejada em comparação com a dele, grande e forte. Mas o aperto foi igualmente firme de ambos os lados.

“Obrigada, coronel”, ela disse. “Rodrigo”, ele corrigiu. “Se vai ficar em minha casa, pode me chamar de Rodrigo. Então me chame de Helena”. Eles permaneceram assim por um momento, mãos unidas, olhos se encontrando, algo intangível, mas real passando entre eles. Um reconhecimento, talvez, ou uma promessa silenciosa de que ambos estavam começando algo novo, mesmo sem saber exatamente o quê.

Foi Rodrigo quem soltou primeiro, parecendo de repente desconfortável com a intimidade daquele momento. “Vá”, ele disse, voltando-se para sua mesa. “Seus filhos devem estar esperando e é Natal. Diga a Rosa para preparar o quarto permanentemente. Vocês ficam?” Sim, coronel Rodrigo. Helena corrigiu-se e saiu do escritório com o coração batendo de uma forma estranha que ela não conseguia explicar completamente.

Ela encontrou seus filhos ainda na cozinha, agora com os rostos limpos e barrigas cheias, ouvindo fascinados enquanto dona Benedita contava histórias de Natal de anos passados. “Mamãe!” João gritou ao vê-la correndo para abraçar suas pernas. Dona Benedita disse que podemos ajudar a fazer rabanada.

É verdade? Helena perguntou, olhando para a cozinheira. Se você permitir, dona Benedita respondeu com um sorriso. Crianças na cozinha alegram o trabalho. Nós vamos ficar aqui? Pedro perguntou sempre o mais perceptivo, sempre o que lia nas entrelinhas. Helena se ajoelhou na frente dele, colocando as mãos em seus ombros magros. Vamos, ela disse por enquanto.

O coronel foi muito generoso. Vamos ficar até conseguirmos nos restabelecer. Ele é um homem bom. Pedro perguntou, sempre desconfiado, sempre protegendo. Helena pensou na conversa que acabara de ter, na culpa que viu nos olhos de Rodrigo, na forma como ele assumiu responsabilidade por ações que tecnicamente não foram dele. Sim.

Ela disse finalmente, acho que sim. É um homem bom que esqueceu disso por um tempo, mas está lembrando. E enquanto ela ajudava dona Benedita e seus filhos a preparar doces de Natal, enquanto a cozinha se enchia de risadas e cheiro de canela e açúcar, Helena não podia deixar de pensar no homem solitário no escritório, cercado de papéis e arrependimentos. Dois corações partidos sob o mesmo teto.

Ela não sabia ainda que às vezes corações partidos tinham uma forma estranha de encontrar as peças que faltavam um no outro. Mas o tempo revelaria. O tempo revela. Os dias que se seguiram ao Natal trouxeram uma transformação gradual, mas innegável, à fazenda Santa Cruz.

Era como se a casa grande, há tanto tempo presa em um sono melancólico, estivesse finalmente começando a despertar. Os corredores, que antes ecoavam apenas com passos solitários, agora ressoavam com vozes infantis, risadas e aquele caos organizado que só crianças conseguem criar. Helena estabeleceu rapidamente uma rotina.

acordava antes do amanhecer, ajudava a dona Benedita na cozinha, supervisionava as crianças durante o dia e a noite, após colocar os filhos para dormir, sentava-se com Nh Rosa para aprender mais sobre a administração da casa grande. Ela absorvia tudo como uma esponja determinada a se tornar útil, a provar que sua presença ali tinha valor. Mas eram as crianças que realmente estavam mudando a atmosfera da fazenda, cada uma à sua maneira única.

Pedro, o mais velho, havia descoberto os estábulos. Na manhã do segundo dia, após sua chegada, ele acordou antes mesmo de Helena e saiu pela porta dos fundos, atraído pelo relinchar dos cavalos que ouvira da janela de seu quarto. O sol estava apenas começando a pintar o céu de tons rosados, quando ele chegou ao grande estáblo que ficava atrás da casa grande.

Eram construções impressionantes, muito maiores do que qualquer coisa que Pedro já havia visto. Havia baias espaçosas para cada animal, todas com portões de madeira entalhada e comedouros de bronze polido. O cheiro de feno fresco e couro misturava-se com o aroma característico dos cavalos.

Uma combinação que Pedro achou estranhamente reconfortante. Posso ajudá-lo, menino? Pedro se virou bruscamente e encontrou seu Jacinto, observando-o com aqueles olhos perspicazes que pareciam ver através das pessoas. Eu, Desculpe, Senhor. Pedro gaguejou, sempre educado, apesar do medo. Só queria ver os cavalos. Gosta de cavalos? Nunca tive a chance de ficar perto de um de verdade.

Pedro admitiu, olhando para as magníficas criaturas nas baias. Mas sempre achei que eram os animais mais bonitos do mundo. Seu Jacinto estudou o menino por um longo momento. Ele via além da roupa remendada e dos pés descalços. Via um menino sério demais para sua idade, com ombros já curvados pelo peso de responsabilidades que não deveria carregar.

via também inteligência nos olhos castanhos e uma curiosidade genuína que não havia sido morta pela dureza da vida. Venha. Jacinto disse finalmente, acenando para que Pedro o seguisse. Vou te apresentar aos cavalos, mas tem que prometer que vai tratá-los com respeito. Cavalo sente quando alguém tem medo ou má intenção. Prometo.

Pedro disse solenemente, seguindo o velho capataz, com o coração batendo de expectativa. Jacinto o levou até a baia maior, onde um garanhão castanho escuro, de altura impressionante, observava sua aproximação com olhos inteligentes. “Este é trovão”, Jacinto disse, estendendo a mão para acariciar o pescoço do animal. é o cavalo favorito do coronel, ou pelo menos era antes de Bem, antes.

Faz tempo que ninguém monta ele. Está ficando impaciente. Posso tocá-lo? Pedro perguntou à voz reverente. Pode, mas devagar. Deixe ele te cheirar primeiro. Cavalo precisa conhecer você antes de confiar em você. Pedro estendeu a mão lentamente, permitindo que Trovão baixasse a cabeça e o cheirasse. O cavalo bufou suavemente, sua respiração quente contra a palma da mão de Pedro.

Então, para a surpresa de Jacinto, Trovão empurrou o focinho gentilmente contra o peito do menino, um sinal claro de aceitação. “Olha só”, Jacinto, murmurou impressionado. “Ele gostou de você. Trovão não gosta de muita gente. É temperamental, teimoso, mas tem bom instinto para julgar caráter”.

Pedro acariciou o pescoço sedoso do cavalo, sentindo os músculos poderosos sob a pele, o calor do animal, a vida pulsante, era mágico. “Seu Jacinto”, ele disse hesitante. “O senhor acha que o senhor poderia me ensinar sobre cavalos? Não precisa me pagar nem nada, só queria aprender. O velho capataz sorriu e era um sorriso genuíno que transformava seu rosto marcado pelo tempo. “Acho que posso fazer isso”, ele disse.

“Mas vai ter que acordar cedo todos os dias. Cavalo não espera e vai ter que trabalhar duro. Cuidar de cavalo não é só montar, é limpar baia, escovar, alimentar, cuidar dos cascos. Faço tudo”, Pedro disse com entusiasmo, seus olhos brilhando de uma forma que Jacinto não havia visto antes. “Não me importo com o trabalho duro, estou acostumado.

” Então está combinado. Todo dia ao amanhecer você vem aqui. Vou te ensinar tudo que sei. Daquele dia em diante, Pedro tinha um propósito. Ele acordava antes do sol, corria para os estábulos e trabalhava ao lado de seu Jacinto. Aprendeu a escovar os cavalos com movimentos longos e firmes que os animais adoravam.

Aprendeu a limpar os cascos com cuidado, procurando por pedras ou ferimentos. Aprendeu a reconhecer os sinais de que um cavalo estava doente ou desconfortável. e trovão. O temperamental trovão que quase ninguém conseguia se aproximar desde que Rodrigo parara de montá-lo, tornou-se particularmente apegado a Pedro.

O cavalo relincava quando via o menino se aproximar, empurrava sua cabeça contra o ombro de Pedro, procurando carinho, e até permitia que Pedro o escovasse sem as habituais demonstrações de impaciência. Rodrigo observava de longe da janela de seu escritório que dava para os estábulos. Via o menino magro trabalhando com dedicação. Via a forma como o trovão respondia a ele e sentia algo apertar em seu peito.

Era dor, porque Pedro tinha quase a mesma idade que Miguel teria agora. Mas era também algo mais, algo que ele não se permitia nomear ainda. Ternura, talvez, esperança. Enquanto Pedro encontrava seu lugar nos estábulos, Ana descobria um santuário diferente, a biblioteca.

Na tarde do terceiro dia, enquanto Helena estava ocupada ajudando com a lavanderia, Ana se aventurou pelos corredores da Casagrande, sua curiosidade natural vencendo a timidez. Foi assim que ela encontrou a porta entreaberta da biblioteca e através dela vislumbrou mais livros do que imaginara que pudessem existir no mundo inteiro. Ela empurrou a porta devagar, quase com medo de que alguém aparecesse e a mandasse embora.

 

Mas não havia ninguém ali, apenas fileiras e fileiras de estantes de mog no escuro, repletas de volumes encadernados em couro. O cheiro era celestial. aquela mistura de papel envelhecido, couro e tinta que caracteriza bibliotecas antigas. Ana caminhou reverentemente entre as estantes, os dedos tocando suavemente as lombadas dos livros. Ela sabia ler.

Sua mãe havia lhe ensinado usando a velha cartilha de seu pai, mas nunca havia tido acesso a livros de verdade. As poucas histórias que conhecia eram aquelas que sua mãe contava de memória, histórias que sua avó havia contado antes dela. Mas ali, ali havia livros de histórias, livros de poesias, livros sobre lugares distantes e épocas antigas. Era um tesouro, além de sua imaginação mais selvagem.

Gosta de livros? Ana deu um pulo, virando-se bruscamente. Rodrigo estava parado na porta, observando-a. Ela não o havia ouvido chegar. “Desculpe, senhor”, ela disse rapidamente, as palavras saindo atropeladas. “Eu não estava roubando nada, só estava olhando. Vou embora agora.” Espere”, Rodrigo disse, levantando a mão.

Sua voz era suave, sem nenhum traço de raiva. “Não precisa ir embora, pode ficar.” Ana parou inserta, seus olhos verdes enormes fixos nele. “Pode mesmo?” “Pode. Os livros estão aqui para serem lidos, não para juntarem poeira.” Ele caminhou até uma das estantes e puxou um volume de capa azul. “Conhece este?”, Ana balançou a cabeça.

É uma coleção de contos de fadas dos irmãos Grim. Tem histórias sobre princesas, dragões, feiticeiras. Os olhos de Ana se iluminaram. Eu adoro histórias de princesas. Minha mãe conta a da Cinderela às vezes. Então vai gostar deste livro. Rodrigo estendeu o volume para ela. Pode levá-lo para o quarto se quiser.

Ana pegou o livro como se fosse feito de ouro, segurando-o contra o peito. Obrigada, senhor. Vou ter muito cuidado. Prometo não sujar nem amassar. Livros são feitos para serem lidos, não para ficarem perfeitos Rodrigo disse. E havia um fantasma de sorriso em seus lábios. pode vir aqui sempre que quiser e se precisar de ajuda com alguma palavra difícil, pode me perguntar.

O senhor me ajudaria? Ana perguntou surpresa. Ajudaria. Daquele dia em diante, Ana passou horas na biblioteca. Ela se sentava em uma poltrona grande demais para ela, os pés pendurados sem tocar o chão, e lia com a concentração absoluta das crianças quando encontram algo que amam. Quando encontrava uma palavra que não conhecia, ela a anotava cuidadosamente em um pedaço de papel que a Rosa havia lhe dado.

E toda tarde, por volta das 5 horas, Rodrigo aparecia na biblioteca com uma xícara de café e se sentava em sua poltrona favorita. Ana então se aproximava timidamente com sua lista de palavras e ele explicava cada uma, às vezes complementando com histórias. sobre onde aquela palavra vinha ou como era usada em diferentes contextos.

Eram as únicas conversas reais que Rodrigo tinha em dias. Conversas sobre príncipes e dragões, sobre mundos mágicos e aventuras impossíveis. Ele descobria, para sua surpresa, que não o incomodava. Na verdade, havia algo reconfortante naquelas tardes com a menina de olhos verdes, algo que fazia a biblioteca parecer menos um mausoléu e mais um lugar vivo.

Novamente, João, o caçula, encontrou seu lugar com Nhá Rosa. A velha governanta havia se apegado ao menino de cachos louros desde a primeira noite. Havia algo nele que lembrava o pequeno Miguel. Talvez a idade, talvez os cachos, ou talvez apenas a necessidade óbvia que ele tinha de carinho maternal.

João seguia n rosa por toda a casa, seus passinhos curtos tentando acompanhar as passadas mais lentas, mas ainda firmes, da senhora idosa. Ele a ajudava a dobrar lençóis, embora geralmente atrapalhasse mais do que ajudava. Ele sentava-se no colo dela enquanto ela costurava, escutando as histórias que ela contava sobre os velhos tempos, sobre quando o coronel era apenas um menino travesso que vivia arrumando confusão.

O senhor Rodrigo era terrível quando pequeno e a Rosa contava e João ouvia fascinado. Uma vez ele soltou todas as galinhas do galinheiro porque achou que elas estavam tristes presas. Levou dois dias para juntar todas de novo e ele apanhou. João perguntava, os olhos arregalados. Apanhou sim, mas no dia seguinte já estava aprontando outra.

João ria, imaginando o coronel sério e quieto, como uma criança travessa. Era difícil conciliar as duas imagens. À noite era Nha Rosa quem dava banho em João, que contava histórias para fazê-lo dormir, que verificava se ele estava bem coberto. Helena sabia que deveria sentir ciúmes, que deveria insistir em cuidar de seu próprio filho.

Mas havia tanta ternura na forma como Nhá Rosa cuidava de João, tanto amor genuíno que ela não conseguiu se opor. Ela precisa disso. Dona Benedita disse à Helena uma noite, vendo a hesitação no rosto da mãe. A Rosa criou o coronel, depois cuidou do pequeno Miguel. Quando o menino morreu, ela perdeu seu propósito.

Seu João está dando isso de volta a ela. E se João ficar confuso, se começar a vê-la como mãe? Criança tem coração grande, pode amar muita gente ao mesmo tempo. Ele não vai te amar menos por amar a Rosa também. E dona Benedita estava certa. João continuava procurando Helena sempre que precisava de consolo real, sempre que caía e ralava o joelho, sempre que tinha medo na noite.

Mas Nh Rosa havia se tornado sua companheira constante durante o dia, sua contadora de histórias, sua protetora secundária, mas não menos amada. Enquanto as crianças encontravam seus lugares, Helena e Rodrigo desenvolviam uma dinâmica estranha e delicada. Eles se viam durante as refeições, que agora eram servidas na sala de jantar formal, porque Helena havia insistido que não ia comer na cozinha enquanto o coronel comia sozinho.

“Se vamos morar sob o mesmo teto”, ela havia dito firmemente. “Vamos compartilhar a mesa. Não vou criar meus filhos pensando que são menos que outros”. Rodrigo havia concordado mais por cansaço de discutir do que por convicção, mas descobriu que as refeições, antes eventos solitários que ele suportava apenas porque precisava se alimentar haviam se tornado interessantes.

Pedro contava sobre o que aprendia nos estábulos com entusiasmo contido, seus olhos sérios iluminando-se ao descrever como havia conseguido escovar trovão sem que o cavalo ficasse impaciente. Ana lia trechos de suas histórias favoritas, dramatizando as vozes dos personagens de uma forma que arrancava sorrisos até de Rodrigo. João fazia comentários aleatórios de criança pequena que eram frequentemente hilários por sua completa falta de filtro. E Helena, Helena simplesmente estava ali.

Uma presença que Rodrigo estava descobrindo ser estranhamente confortável. Ela não tentava preencher os silêncios com conversa vazia, não tratava-o com a piedade sufocante que os outros faziam. Ela era direta, honesta e não tinha medo de discordar dele quando achava necessário.

Como na noite em que Rodrigo mencionou casualmente que estava pensando em vender parte de suas terras a um investidor inglês, “Por que venderia?”, Helena perguntou, colocando o garfo na mesa e olhando diretamente para ele. Porque preciso de capital para modernizar as operações. Rodrigo respondeu um pouco surpreso com a pergunta. Ninguém questionava suas decisões de negócios.

E o que acontecerá com as pessoas que trabalham nessas terras? Presumo que o novo proprietário vai mantê-las. Você presume? Havia uma ponta de acusação na voz dela agora. Como presumiu quando vendeu as terras para Mendonça? O silêncio que caiu sobre a mesa foi pesado. Até as crianças pararam de comer sentindo atenção.

Rodrigo colocou seu copo de vinho na mesa com cuidado deliberado. Isso foi diferente, ele disse, a voz controlada, mas fria. Foi? Helena desafiou. Ou você está apenas repetindo os mesmos erros porque é mais fácil do que fazer o certo? Você não entende de negócios. Entendo de pessoas e sei que quando você toma decisões de negócios sem pensar nas pessoas, elas sofrem.

Eles se encararam através da mesa, atenção praticamente crepitando no ar. Os empregados que serviam a comida trocaram olhares nervosos, sem saber se deviam intervir. Então, surpreendentemente, Rodrigo recuou. Você está certa”, ele disse finalmente, passando a mão pelos cabelos em um gesto de frustração. Eu não investiguei adequadamente, não pensei nas consequências para os trabalhadores.

“Então, não venda”, Helena disse, “sua voz mais suave agora, ou pelo menos garanta que o comprador vai tratá-los com justiça”. É mais complicado do que isso. Muitas coisas são. Isso não significa que devemos escolher o caminho mais fácil. Rodrigo a estudou através da mesa e havia algo em seus olhos que Helena não conseguia decifrar.

Admiração, talvez, ou irritação, ou ambos. Você é uma mulher muito inconveniente, ele disse. Finalmente. Eu sei. Helena respondeu com o mais leve dos sorrisos. Meu marido costumava dizer a mesma coisa. Ele era um homem sábio. Era. O jantar continuou, a tensão dissipando-se lentamente, mas algo havia mudado.

Rodrigo estava começando a ver Helena não apenas como uma mulher que ele estava ajudando por culpa, mas como uma pessoa com opiniões válidas, com uma perspectiva que ele precisava ouvir. E Helena estava começando a ver Rodrigo não apenas como o homem cujas ações indiretamente prejudicaram sua família, mas como alguém genuinamente tentando ser melhor, genuinamente lutando contra seus próprios demônios.

Uma noite, cerca de duas semanas após sua chegada, Helena encontrou Rodrigo na biblioteca depois de colocar as crianças para dormir. Ele estava sentado em sua poltrona favorita, um livro aberto no colo, mas seus olhos olhavam fixamente para o fogo na lareira. “Posso entrar?”, ela perguntou da porta.

Rodrigo levantou os olhos, parecendo surpreso de vê-la ali. “É sua casa também?”, Ele disse, “Claro que pode.” Helena entrou e sentou-se na poltrona em frente à dele, do outro lado da lareira. Por um momento, nenhum deles falou, apenas observaram as chamas dançantes. “Seus filhos são notáveis,” Rodrigo disse. “Finalmente”. “São.” Helena concordou com orgulho maternal evidente.

Eles passaram por muito, mas continuam sendo boas crianças. Pedro tem talento natural com cavalos. Jacinto diz que não viu nada igual em 50 anos trabalhando com animais. Ele adora aquelas horas nos estábulos. É a primeira vez que o vejo verdadeiramente feliz desde que o pai morreu. E Ana é brilhante.

A forma como ela absorve informações, como faz conexões entre o que lê e o mundo ao redor, com educação adequada, ela poderia fazer qualquer coisa. Ela sempre foi assim, desde bebê, sempre curiosa, sempre fazendo perguntas. Clara era assim também. Rodrigo disse suavemente, sempre lendo, sempre aprendendo. Ela teria adorado Ana. Era a primeira vez que ele mencionava Clara voluntariamente em uma conversa. Helena sentiu o peso daquele momento.

Escolheu suas palavras cuidadosamente. Ana me fala de você, ela disse das tardes na biblioteca. Ela adora quando você explica as palavras difíceis. Eu gosto dessas tardes, Rodrigo admitiu. E havia surpresa em sua voz, como se ele mesmo estivesse descobrindo isso. Faz tempo que não me sinto útil para alguém. Você é útil para seus trabalhadores, para as pessoas que dependem desta fazenda. Não é a mesma coisa.

Isso é apenas dinheiro, transações. As tardes com Ana são pessoais. Helena entendeu o que ele estava tentando dizer. Era a diferença entre existir e viver, entre funcionar e sentir. E João, Rodrigo continuou, um sorriso triste tocando seus lábios. Aquele menino tem a rosa completamente enfeitiçada. Ela está mais animada do que via em anos. João tem esse efeito nas pessoas.

Helena disse. Ele é pura alegria. Miguel era assim. pura luz. Eles ficaram em silêncio novamente, mas era um silêncio confortável agora compartilhado. “Obrigada, Helena” disse finalmente. Por quê? por permitir que meus filhos sejam crianças aqui, por não tratá-los como fardo ou caridade, por ver eles, realmente ver eles é fácil vê-los, Rodrigo disse.

Eles brilham como você também brilhava, imagino. Antes Rodrigo olhou para ela, surpreso com a observação direta. Eu esqueci como ele admitiu. Talvez Helena disse suavemente. Você só precise de lembretes, pessoas ao redor que reflitam a luz de volta para você. É isso que você está fazendo? Refletindo luz. Estou tentando viver.

É tudo que qualquer um de nós pode fazer realmente. Continuar vivendo, continuar tentando, continuar encontrando razões para acordar de manhã. E você encontra razões? Helena olhou para o fogo, pensando em seus três filhos dormindo lá em cima, seguros e alimentados e felizes de uma forma que não eram há muito tempo. “Todo dia,” ela disse, “tês razões para ser exata”.

Rodrigo assentiu lentamente, entendendo. “Eu tinha duas razões”, ele disse. “E quando as perdi, você esqueceu que pode encontrar outras”, Helena completou. Não razões que substituam as que você perdeu. Nada nunca vai substituir Clara e Miguel. Mas razões novas, diferentes, que podem coexistir com a memória deles.

Você faz parecer simples, não é? É a coisa mais difícil do mundo, mas é possível. Eles se olharam através do espaço que o separava, através das chamas que dançavam entre eles. E algo passou naquele olhar. Um entendimento, um reconhecimento de dor compartilhada e esperança hesitante. Helena, Rodrigo disse, e seu nome soou diferente vindo dele, mais suave, mais pessoal.

Eu agradeço por estar aqui, por trazer vida de volta a esta casa. por me lembrar que ainda existem coisas além da dor. “Você já sabia disso,” Helena disse gentilmente. “Você só precisava de permissão para lembrar”. E naquela noite, quando ambos finalmente foram dormir, cada um em seu quarto separado, cada um sozinho em suas camas, ambos descobriram que, pela primeira vez em muito tempo, o sono veio mais fácil.

Porque às vezes apenas saber que não se está completamente sozinho na escuridão já é suficiente para torná-la um pouco menos assustadora. As crianças estão conquistando não só a fazenda, mas nossos corações. E você já está apaixonado por esta história? Então se inscreva no Contos de Época e deixe seu like.

Comente qual personagem você mais gosta. Pedro, Ana ou João? Ative o sininho para não perder nenhuma próxima história. Continuemos. A paz que havia se estabelecido na fazenda Santa Cruz nas últimas três semanas foi brutalmente estilhaçada numa manhã de janeiro, quando o coronel Augusto Mendonça apareceu cavalgando pelo caminho principal, como se fosse o dono do lugar.

Helena estava no jardim ajudando a Rosa a colher ervas para a cozinha quando ouviu o som dos cascos na terra batida. Ela levantou os olhos e sentiu seu sangue gelar ao reconhecer a figura corpulenta montada no cavalo preto. Mendonça era impossível de não reconhecer. Com sua barriga protuberante, rosto vermelho e bigodes encerados que ele mantinha sempre perfeitamente aparados.

em um estilo que considerava elegante, mas que apenas o fazia parecer ridículo. “Nhá Rosa”, Helena disse rapidamente a voz tensa. “Vá buscar as crianças, leve-as para dentro da casa e mantenha-as lá”. A velha governanta, que havia vivido tempo suficiente para reconhecer perigo quando via, não questionou. Ela simplesmente pegou a cesta de ervas e caminhou rapidamente em direção aos fundos da casa, onde João brincava na terra com soldadinhos de madeira que seu Jacinto havia esculpido para ele.

Helena ficou parada, observando Mendonça desmontar com a falta de graça característica de homens gordos em cavalos. Ele jogou as rédeas para um dos trabalhadores de Rodrigo, que havia corrido para atendê-lo, e caminhou em direção à casa grande, com passos pesados, que pareciam querer deixar marcas permanentes na terra. Foi então que Rodrigo saiu pela porta principal.

Ele também havia ouvido a chegada e, pela expressão fechada em seu rosto, não estava nada satisfeito com a visita inesperada. Mendonça, ele disse, e seu tom era mais frio que gelo. Não me lembro de tê-lo convidado. Ora, Tavares! Mendonça disse com uma risada falsa que fez seu estômago balançar. Vizinhos não precisam de convite formal.

Precisam? Vim apenas fazer uma visita de cortesia. Nada que você faz é cortesia.” Rodrigo respondeu sem rodeios. O que quer? Os olhos pequenos de Mendonça, quase perdidos nas dobras de gordura de seu rosto, deslizaram para o jardim onde Helena ainda estava parada. Um sorriso desagradável curvou seus lábios.

“Ah, então era verdade”, ele disse, praticamente babando. “Os rumores sobre você estar abrigando minha lavadeira fugitiva são verdadeiros. Ela não é sua, Rodrigo disse, cada palavra articulada com precisão perigosa. E não fugiu, foi expulsa. Há uma diferença. Expulsa por justa causa.

A mulher é uma agitadora, está sempre colocando ideias na cabeça dos trabalhadores. Além disso, ele deu de ombros com falsa indiferença. Ela ainda me deve dinheiro. Aluguel atrasado. Mentiroso. A voz de Helena cortou o ar como uma chicotada. Ela caminhou até ficar ao lado de Rodrigo, ignorando os gestos dele para que ficasse para trás. Eu paguei cada centavo de aluguel e o senhor sabe disso.

Mendonça a olhou de cima a baixo de uma forma que fez a pele de Helena se arrepiar de nojo. Cuidado com as acusações, querida. Calúnia pode ter consequências. Não é calúnia se é verdade, Helena respondeu, mantendo a cabeça erguida. E nós dois sabemos que é verdade. Assim como é verdade que o Senhor rouba seus trabalhadores cobrando dívidas que eles nunca fizeram, inflacionando preços, mantendo-os presos em um ciclo de pobreza do qual nunca podem escapar.

O rosto de Mendonça ficou ainda mais vermelho, se isso era possível. Ele deu um passo ameaçador em direção a Helena, mas Rodrigo se moveu para bloquear seu caminho, colocando-se firmemente entre eles. “Um passo a mais e você vai se arrepender”, Rodrigo disse. E sua voz estava baixa, mas carregada de ameaça genuína. Mendonça riu, mas era uma risada nervosa agora.

Está mesmo defendendo essa mulher, Tavares? Uma simples lavadeira? Que tipo de homem você se tornou? O tipo que não tolera homens que abusam de seu poder para explorar os vulneráveis. Rodrigo respondeu: “O tipo que não vai ficar de braços cruzados enquanto você ameaça uma mulher sob minha proteção. Suas sobranc a insinua.

Helena sentias. Mas foi Rodrigo e quando o fez, sua voz estava tão gelada. Retire essa ou garanto que vai ou o quê? vai me desafiar para um duelo. Isso não é mais 1800, Tavares. O mundo mudou. Mudou mesmo. Rodrigo concordou. E neste mundo novo existem leis.

Leis contra a exploração trabalhista, contra a fraude, contra a escravidão que você tenta manter disfarçada. E eu tenho amigos em São Paulo, amigos na capital, pessoas que ficariam muito interessadas em saber sobre suas práticas comerciais. Pela primeira vez, algo que poderia ser medo piscou nos olhos de Mendonça. Você não tem provas de nada, não? Rodrigo sorriu, mas não havia calor naquele sorriso. Helena me contou tudo.

Os livros de contas falsificados, as cobranças infladas, as famílias que você mantém endividadas propositalmente e você sabe que ela tem boa memória. Ela pode testemunhar. A palavra de uma lavadeira contra a minha, nenhum juiz vai acreditar nela. Talvez não, Rodrigo admitiu, mas a minha palavra, combinada com a dela, a palavra de Rodrigo Tavares, coronel da fazenda Santa Cruz, uma das famílias mais antigas e respeitadas do Vale do Paraíba. Isso tem peso, Mendonça, muito peso.

Mendonça abriu e fechou a boca como um peixe fora d’água. Seu rosto estava tão vermelho agora que Helena meio que esperava que ele tivesse um ataque. “Você vai se arrepender disso, Tavares?”, ele disse finalmente, cuspindo as palavras. Ninguém me ameaça e sai impune. Não estou ameaçando, Rodrigo disse calmamente. Estou fazendo uma promessa.

Se você voltar aqui, se tentar qualquer coisa contra Helena ou seus filhos, se eu souber que você está continuando suas práticas criminosas, vou usar cada grama de influência que tenho para garantir que você responda por seus crimes. E acredite, Mendonça, eu tenho muita influência. Os dois homens se encararam por um longo momento.

Finalmente, Mendonça recuou, mas o ódio em seus olhos era palpável. “Isto não acabou?”, ele disse. “Ó, mas acabou sim”, Rodrigo respondeu. “Você perdeu, Mendonça. Aceite isso com dignidade, se é que sabe o que significa essa palavra”. Mendonça virou-se bruscamente e caminhou de volta para seu cavalo.

Com alguma dificuldade, ele montou e esporeou o animal com mais força do que necessário. O cavalo saiu em disparada, levantando poeira no caminho. Quando ele finalmente desapareceu de vista, Helena sentiu suas pernas fraquejarem. Rodrigo assegurou pelo cotovelo, apoiando-a. Está bem? Estou, ela disse, mas sua voz tremia. Obrigada por me defender, por por acreditar em mim. Não precisa agradecer, Rodrigo disse.

E quando seus olhos se encontraram, havia algo neles que fez o coração de Helena bater mais rápido. Eu sempre vou protegê-la, você e seus filhos. Isso é uma promessa. E naquele momento, sob o sol quente de janeiro, com o cheiro de terra e café no ar, Helena soube com certeza absoluta que estava perdendo seu coração para aquele homem.

O confronto com Mendonça teve um efeito inesperado na fazenda. Era como se a ameaça externa tivesse unido todos em um propósito comum. Os trabalhadores que haviam ouvido a conversa através das videiras sempre eficientes da fofoca olhavam para Rodrigo com novo respeito. O patrão havia defendido uma lavadeira contra outro coronel. Isso significava algo.

Rodrigo, por sua vez, começou a investigar mais profundamente as operações de Mendonça. Ele enviou cartas para conhecidos em São Paulo, para advogados, para jornalistas. A história de exploração trabalhista pós abolição estava se tornando um escândalo que a imprensa adorava cobrir.

Se ele conseguisse reunir evidências suficientes, Mendonça poderia não apenas perder sua reputação, mas também enfrentar consequências legais reais. Mas além de tudo isso, o confronto havia mudado algo entre Rodrigo e Helena. Era como se alguma barreira invisível finalmente tivesse caído. Eles não eram mais apenas proprietário e hóspede ou mesmo conhecidos cordiais. Eram algo mais, algo que nenhum dos dois estava pronto para nomear ainda, mas que ambos sentiam crescendo entre eles, como uma planta teimosa buscando luz.

Uma semana após a visita de Mendonça, Rodrigo tomou uma decisão surpreendente. “Vamos retomar a festa de Ano Novo”, ele anunciou durante o jantar. Todos na mesa pararam de comer e o olharam com surpresa. Festa, senhor. Seu Jacinto, que havia sido convidado para jantar naquela noite, perguntou cautelosamente: “Sim, meu pai sempre fazia uma grande festa no início de janeiro, celebrando o ano novo e agradecendo aos trabalhadores pela colheita. Era tradição.

Clara manteve a tradição e eu eu a abandonei quando ela se foi. E agora quer retomá-la? Helena perguntou gentilmente. Quero. Esta fazenda esteve em luto por tempo demais. É hora de lembrarmos que ainda estamos vivos, que ainda há razões para celebrar. O coronel está certo, Nha Rosa disse.

E havia lágrimas em seus olhos velhos. Dona Clara ficaria feliz. Ela sempre dizia que uma fazenda sem festa era apenas terra e trabalho, sem alma. Então está decidido, Rodrigo disse. E pela primeira vez em 4 anos havia algo que poderia ser entusiasmo em sua voz. Vamos fazer uma festa digna da fazenda Santa Cruz. Os preparativos começaram imediatamente.

Dona Benedita mergulhou no planejamento do banquete com alegria que não sentia há anos. Haveria leitão assado, frangos ao molho pardo, arroz com açafrão, feijão tropeiro, mandioca frita, saladas frescas das hortas e doces, muitos doces. Pudim de leite, manjar branco, doce de abóbora, cocadas, pé de moleque, nhá.

Rosa coordenou a limpeza e decoração da casa grande. Os salões que haviam sido fechados há anos foram abertos, arejados, limpos até brilharem. Flores frescas foram colocadas em vasos de porcelana em cada cômodo. As pratas da família foram polidas até reluzir. Helena, com suas habilidades de lavadeira, assumiu a responsabilidade de garantir que todas as toalhas de mesa, guardanapos e cortinas estivessem impecáveis.

Ela lavou e passou peça após peça, cada uma tratada com o cuidado de quem entende que estas coisas carregam memórias. E as crianças, as crianças estavam em êxtase, nunca haviam experimentado algo como uma festa de fazenda. “Vai ter música?”, Ana perguntou, seus olhos verdes brilhando.

“Vai ter música, dança, fogos de artifício?”, Rodrigo respondeu e havia um sorriso genuíno em seu rosto ao ver o entusiasmo dela. “Eu nunca vi fogos de artifício”, João exclamou pulando. “Então você vai adorar”, Rodrigo disse. E sem pensar, ele pegou o menino e o ergueu nos ombros, exatamente como costumava fazer com Miguel. Por um momento, todos ficaram paralisados, observando. Era a primeira vez em 4 anos que Rodrigo pegava uma criança no colo.

Helena viu a dor atravessar o rosto dele, mas então viu também algo mais. aceitação, tristeza que não tentava mais se esconder da alegria. Mais alto, João pediu e Rodrigo obedeceu, girando em um círculo enquanto o menino ria. Helena teve que virar o rosto para esconder suas próprias lágrimas.

A noite da festa chegou com um céu estrelado e uma lua cheia que parecia ter sido encomendada especialmente para a ocasião. Lanternas de papel foram penduradas nas árvores do jardim, criando um caminho iluminado da porteira até a Casagre. Uma pequena orquestra da vila foi contratada e instalou-se no canto do salão principal. Os trabalhadores da fazenda chegaram com suas famílias, vestindo suas melhores roupas.

Havia nervosismo inicial, incerteza sobre como se comportar neste novo mundo, onde o patrão os convidava para dentro da casa grande como convidados, não como servos. Mas Rodrigo e Helena circularam entre eles, cumprimentando cada um pelo nome, perguntando sobre suas famílias, fazendo-os sentir bem-vindos.

Pedro estava nos estábulos com seu Jacinto, garantindo que todos os cavalos estivessem confortáveis com o barulho da festa. Ana havia se tornado a guia não oficial da biblioteca, mostrando orgulhosamente os livros para as outras crianças, que nunca haviam visto tantos volumes em um só lugar. João estava sendo alternadamente mimado por todas as mulheres presentes, deliciando-se com atenção.

A comida foi servida em grandes mesas montadas no jardim. Não havia distinção de onde cada um deveria sentar. Famílias de trabalhadores sentavam-se ao lado de Rodrigo, de Helena, dos empregados da Casagre. Era uma mistura revolucionária para a época e algumas das famílias mais conservadoras da região teriam ficado horrorizadas. Mas ali naquela noite era perfeito.

Quando a música começou, os mais jovens foram os primeiros a dançar. Um dos trabalhadores puxou uma viola e começou a tocar modinhas, canções populares que todos conheciam. As pessoas cantaram junto, suas vozes se unindo em harmonia imperfeita, mas linda.

Helena estava ajudando dona Benedita a trazer mais bandejas de doces quando sentiu uma mão em seu ombro. Ela se virou e encontrou Rodrigo ali, vestindo um terno escuro impecável, à luz das lanternas fazendo seus olhos castanhos brilharem. “Dança comigo?”, ele perguntou. Helena olhou para suas próprias mãos, ainda calejadas do trabalho, para seu vestido simples de algodão que a Rosa havia ajudado a reformar, de um vestido antigo de clara. Eu não sei se é apropriado.

Não me importo com o apropriado, Rodrigo disse. Quero dançar com você, por favor. Helena colocou sua mão na dele e ele a conduziu até o espaço que havia sido reservado para a dança. A música mudou. tornando-se uma valsa suave. Rodrigo colocou a mão na cintura dela, ela colocou a mão no ombro dele e eles começaram a se mover.

Helena não era uma dançarina experiente, mas Rodrigo a guiava com tanta segurança que ela se viu relaxando, confiando, seguindo. Eles giravam pelo salão e gradualmente Helena percebeu que as outras pessoas haviam parado de dançar para observá-los. Eles estão olhando? Ela sussurrou. Deixe-os olhar. Rodrigo respondeu, seus olhos fixos no rosto dela.

Não me importo. Que de repente eles também não estavam mais no salão cheio de gente. Estavam em seu próprio mundo, apenas os dois, movendo-se como se tivessem dançado juntos mil vezes antes. Helena, Rodrigo disse sua voz baixa e intensa. Eu preciso te dizer algo. O quê? Quando você chegou aqui naquela noite de tempestade, eu estava morto.

Não fisicamente, mas em todas as formas que importam. Eu apenas existia, respirava, funcionava, mas não vivia. Rodrigo, por favor, deixe-me terminar. Você trouxe vida de volta, você e seus filhos. Vocês me lembraram que o mundo ainda tem beleza, que ainda há razões para acordar de manhã além da mera obrigação.

O coração de Helena batia tão forte que ela tinha certeza de que ele podia ouvi-lo. “Você me lembrou como é sentir”, Rodrigo continuou. “Como é se importar com algo além da própria dor? Como é como é querer algo para o futuro, além de apenas chegar ao fim de mais um dia?” A música parou.

Mas eles continuaram parados ali, mãos ainda entrelaçadas, olhos fixos um no outro. E o que você quer? Helena sussurrou. Do futuro? Você, Rodrigo disse simplesmente, quero você. Quero seus filhos. Quero acordar de manhã e ouvir João rindo com Nh Rosa. Quero ver Pedro nos estábulos aprendendo algo novo todo dia. Quero sentar na biblioteca à tarde e ouvir Ana ler suas histórias.

Quero quero viver novamente e quero fazer isso com você. As lágrimas escorriam livremente pelo rosto de Helena. Agora eu também estava morta, ela admitiu. Quando José morreu, eu me transformei apenas em mãe. Esqueci como ser mulher, como ser pessoa. Apenas cuidava, trabalhava, sobrevivia. Mas você, você me lembrou que posso ser mais, que posso querer mais. Então, quer mais? Quero Helena sussurrou.

Deus me ajude, mas quero. Rodrigo levantou a mão e tocou suavemente seu rosto, secando as lágrimas com o polegar. “Não chore, estou feliz”, ela disse com uma risada molhada. “Estas são lágrimas felizes. Posso, posso te beijar?” Em resposta, Helena se inclinou para a frente, fechando o espaço entre eles.

O beijo foi suave no início, exitante, como se ambos estivessem com medo de que se movessem muito rápido, a magia se quebraria. Mas então aprofundou-se, tornando-se algo mais urgente, mais necessário. Era um beijo que carregava 4 anos de solidão de Rodrigo e 3 anos de viuvez de Helena. Era um beijo que prometia novos começos e aceitava velhos finais.

Era um beijo que dizia, mais claramente do que qualquer palavra poderia, que dois corações partidos haviam encontrado uma forma de se curar juntos. Quando finalmente se separaram, ambos estavam sem fôlego. Ao redor deles, a festa havia parado completamente. Todos observavam em silêncio respeitoso. Foi seu Jacinto quem quebrou o silêncio. Sua voz rouca de emoção.

Viva o coronel e dona Helena. O grito foi retomado por todos os presentes, um couro de aprovação e alegria, porque todos eles haviam visto Rodrigo definhar nos últimos anos e todos amavam sua patroa o suficiente para querer vê-lo feliz novamente. E todos haviam se apaixonado por Helena e seus filhos, por sua dignidade, sua força, sua bondade. Esta era uma união que todos podiam celebrar.

Pedro apareceu ao lado de sua mãe, Ana e João, logo atrás dele. Os três olhavam entre Rodrigo e Helena com expressões esperançosas. Isso significa Pedro perguntou cautelosamente. Que vamos ficar aqui de verdade? Helena olhou para Rodrigo, uma pergunta em seus olhos.

Ele a sentiu, então se ajoelhou para ficar no nível das crianças. Se vocês quiserem, ele disse, gostaria muito que ficassem, não como hóspedes, não temporariamente, como família. Família, Ana repetiu, a palavra saindo reverente. Família, Rodrigo confirmou, se me aceitarem. João não disse nada. Ele simplesmente se jogou nos braços de Rodrigo, abraçando-o com a força total de uma criança de 4 anos.

Rodrigo o segurou apertado, seus olhos fechados, sentindo a cura que aquele pequeno abraço trazia. Ana foi a próxima, depois mais hesitante, mas ainda assim sincera em seu abraço. Finalmente, Pedro, sempre o mais cauteloso, sempre o mais protetor, deu um passo à frente. “Você vai cuidar dela?”, ele perguntou, seus olhos sérios fixos em Rodrigo.

“Da minha mãe? Vai fazê-la feliz?” Vou passar o resto da minha vida tentando. Rodrigo prometeu solenemente. Pedro estudou-o por mais um momento, então assentiu. Está bem, então você pode ficar. A risada que explodiu de todos os presentes foi calorosa e cheia de alegria, porque apenas uma criança poderia dar permissão para um coronel ficar em sua própria casa e apenas Pedro teria a confiança para fazê-lo.

A festa continuou noite adentro, mas agora havia uma nova energia, uma nova razão para celebrar. Não era apenas o ano novo que estava começando, era uma vida inteira nova para todos eles. Mais tarde, muito mais tarde, quando as crianças finalmente haviam caído no sono e os últimos convidados haviam ido embora, Rodrigo e Helena ficaram sozinhos na varanda observando as estrelas. Tenho medo! Helena admitiu suavemente.

Eu também”, Rodrigo confessou. Medo de não ser suficiente, medo de estragar tudo, medo de perder de novo. Mas vamos tentar. Apesar do medo, Rodrigo pegou a mão dela, entrelaçando seus dedos. Vamos tentar juntos. E sob o céu estrelado de janeiro, dois corações partidos, três crianças corajosas e uma casa grande que havia esquecido como ser feliz, todos começaram a escrever uma nova história.

Uma história de segundas chances, de amor inesperado, de família escolhida e de esperança redescoberta. E era apenas o começo. As semanas que se seguiram à festa foram como viver em um sonho do qual ninguém queria acordar. A fazenda Santa Cruz havia se transformado completamente, não apenas em sua atmosfera, mas em sua própria essência.

Onde antes havia silêncio sepulcral, agora havia vida. Onde antes havia apenas rotina mecânica, agora havia propósito e alegria. Rodrigo cumpriu sua promessa sobre Mendonça com determinação implacável. Ele contratou os melhores advogados de São Paulo, reuniu testemunhos de trabalhadores que haviam sido explorados, documentou cada fraude, cada conta falsificada, cada família prejudicada.

Helena forneceu todos os detalhes que havia memorizado daqueles livros de contas que vira e sua memória provou ser notavelmente precisa. A investigação foi rápida e devastadora. Quando as autoridades finalmente chegaram à fazenda Santo Antônio com mandados de busca, encontraram exatamente o que Rodrigo havia prometido que encontrariam: evidências inquestionáveis de exploração sistemática, fraude comercial e violação das novas leis trabalhistas pós abolição.

Coronel Augusto Mendonça foi preso numa manhã nublada de fevereiro. Helena não estava presente para ver, mas seu Jacinto, que havia ido à vila naquele dia, trouxe a notícia. O homem corpulento havia sido levado algemado, gritando sobre injustiças e conspirações, enquanto sua esposa chorava na varanda e seus filhos adultos tentavam esconder os rostos da multidão que se reunira para assistir.

“Justiça foi feita.” Jacinto disse a Helena quando lhe contou a notícia. Não pela primeira vez, nem pela última, mas pelo menos desta vez. Helena sentiu um peso sair de seus ombros. Não havia alegria na queda de Mendonça, porque não há alegria real na desgraça de ninguém, mesmo quando merecida. Mas havia alívio.

Alívio de saber que ele não poderia mais machucar ninguém. Alívio de saber que suas ameaças eram vazias. Agora Rodrigo foi ainda além. Usando sua influência e fortuna, ele comprou a fazenda Santo Antônio quando foi leiloada para pagar as dívidas e multas de Mendonça, mas não a manteve.

Em vez disso, ele dividiu as terras entre as famílias que haviam sido desalojadas anos antes, incluindo devolvendo o pequeno sítio que havia pertencido ao pai de Helena. Não posso desfazer o passado”, ele disse a Helena quando lhe mostrou a escritura com o nome de sua família. “Mas posso tentar corrigir alguns dos erros.” Helena pegou a escritura com mãos trêmulas, lágrimas escorrendo pelo rosto.

“Meu pai, ele teria ficado tão feliz”, ela sussurrou. Ele amava aquela terra. “E agora ela é sua novamente, de sua família para sempre. Helena olhou para o documento, para aquele pedaço de papel que representava tanto mais do que apenas terra, representava justiça, representava memória honrada, representava um círculo que finalmente se fechava. “Obrigada”, ela disse.

E então fez algo que Rodrigo não esperava. Ela estendeu a escritura de volta para ele. Mas não quero. O quê, Helena? Eu não entendo. Aquela terra representa o passado. Ela explicou sua voz firme, apesar das lágrimas. Um passado que eu amo e honro, mas que não posso viver nele. Meu futuro está aqui, nesta fazenda, com você. Dê o sítio para uma família que precise dele, que possa trabalhar à terra e construir algo novo, que faça com que a memória do meu pai signifique algo para outras pessoas também. Rodrigo a puxou para seus braços, maravilhado com a força e

generosidade daquela mulher. “Como você consegue ser tão sábia?”, ele murmurou contra seus cabelos. “Não sou sábia”, Helena respondeu, sua voz abafada contra o peito dele. “Apenas aprendi que seguir em frente não significa esquecer, significa honrar o passado construindo um futuro melhor.

” E foi exatamente isso que eles fizeram. Dois meses após a festa de Ano Novo, numa manhã clara e luminosa de março, Padre Anselmo realizou a cerimônia de casamento na capela da fazenda. Era uma construção pequena e simples, pintada de branco, com um campanário que tocava sinos que haviam sido fundidos em Portugal há mais de 100 anos.

Clara havia se casado ali e Miguel havia sido batizado naquele mesmo altar. Helena entrou na capela ao som de um couro formado pelos trabalhadores da fazenda e suas famílias. Ela usava um vestido de casamento que Nh Rosa, dona Benedita e as outras mulheres da fazenda haviam feito juntas, trabalhando nas últimas semanas.

Era de seda branca, simples, mas elegante, com mangas longas de renda e uma saia que fluía como água quando ela caminhava. Seus cabelos negros estavam soltos, caindo em ondas sobre seus ombros, com pequenas flores brancas entrelaçadas. Pedro, Ana e João caminhavam à frente dela.

Pedro usava um terno novo que Rodrigo havia mandado fazer especialmente, suas costas retas e orgulhosas. Ana estava deslumbrante em um vestido cor-de-rosa claro, carregando uma cesta de pétalas de rosas que ela espalhava pelo caminho. João, vestido como um pequeno cavalheiro, carregava as alianças em uma almofada de veludo vermelho, tão sério em sua tarefa que várias pessoas tiveram que segurar o riso.

Rodrigo esperava no altar e quando viu Helena caminhar em direção a ele, sentiu seu coração apertar de uma forma que não tinha nada a ver com dor. Ela era linda, mais linda do que qualquer mulher que ele já havia visto, não apenas por sua aparência física, mas pela luz que emanava dela, pela força que carregava em cada passo.

Quando ela finalmente chegou ao seu lado, ele pegou sua mão e juntos eles se viraram para padre Anselmo. Amados, o padre começou, sua voz ecoando suavemente pela capela lotada. Estamos aqui reunidos para testemunhar a união de Rodrigo e Helena. Esta não é apenas uma união de duas pessoas, mas de duas famílias, de duas histórias que se entrelaçam para criar algo novo e belo. Ele olhou para Rodrigo.

Rodrigo Tavares, você aceita Helena Mendes como sua esposa? Promete amá-la, honrá-la, respeitá-la nos dias bons e nos dias difíceis, na alegria e na tristeza, até que a morte o separe. Rodrigo olhou nos olhos verdes de Helena. vendo neles o futuro que ele pensou que nunca teria novamente. “Aceito”, ele disse e sua voz era firme, sem hesitação.

“Helena Mendes, você aceita Rodrigo Tavares como seu esposo? Promete amá-lo, honrá-lo, respeitá-lo nos dias bons e nos dias difíceis, na alegria e na tristeza, até que a morte o separe?” Helena sentiu lágrimas ameaçando cair, mas sorriu através delas. Aceito as alianças, por favor. João deu um passo à frente, segurando a almofada com cuidado reverente.

Rodrigo pegou uma aliança e, segurando a mão de Helena, deslizou-a suavemente em seu dedo. Com este anel, ele disse, e havia emoção em sua voz. Agora eu te prometo, meu amor eterno. Prometo ser seu parceiro, seu confidente, seu porto seguro. Prometo amar não apenas você, mas também seus filhos, como se fossem meus.

Prometo construir com você uma vida cheia de alegria, respeito e dignidade. Helena pegou a outra aliança, suas mãos tremendo ligeiramente enquanto a colocava no dedo de Rodrigo. “Com este anel,” ela disse sua voz quebrando um pouco. “Eu te prometo, meu amor eterno. Prometo estar ao seu lado nos momentos de luz e de escuridão.

Prometo honrar a memória daqueles que você perdeu enquanto construo um futuro com você. Prometo que esta casa nunca mais será um lugar de silêncio e solidão, mas sim de vida e amor. Padre Anselmo sorriu, lágrimas em seus próprios olhos. Então, pelo poder que me é concedido, eu os declaro marido e mulher. Rodrigo pode beijar sua esposa.

E Rodrigo a beijou ali no altar onde havia se casado com Clara tantos anos atrás, onde havia prometido amar e honrar até que a morte o separasse. E de alguma forma não parecia uma traição àela primeira promessa, mas sim uma continuação dela. Clara havia lhe ensinado a amar. E aquele amor não morria apenas porque ela não estava mais ali.

Ele se transformava, encontrava novos recipientes, novas formas de se expressar. Quando eles se separaram, a capela explodiu em aplausos e alegria. Pedro, Ana e João correram para abraçá-los e de repente eles não eram mais apenas duas pessoas, mas uma família de cinco, unidos não apenas por circunstâncias, mas por escolha, por amor, por compromisso.

A celebração que se seguiu foi ainda mais grandiosa que a festa de Ano Novo. foram montadas sob as árvores do jardim, carregadas com comida suficiente para alimentar todo o vale do Paraíba. Música encheu o ar, risadas ecoaram e, pela primeira vez em anos, a fazenda Santa Cruz parecia realmente viva. Mas no meio de toda a celebração, Rodrigo fez algo que surpreendeu a todos.

Ele se levantou, pediu silêncio e caminhou até onde a Rosa estava sentada, lágrimas de alegria escorrendo por seu rosto enrugado. “Minha Rosa”, ele disse, sua voz carregada de emoção. Você me criou. Quando minha mãe morreu no parto, você se tornou minha mãe. Você me alimentou, me ensinou, me amou. E quando eu me perdi na escuridão, quando achei que nunca mais encontraria a luz, você não desistiu de mim.

Ele se ajoelhou na frente dela, pegando suas mãos velhas e calejadas nas suas. Eu não seria o homem que sou sem você e não estaria aqui casado com esta mulher maravilhosa, prestes a começar uma nova vida se você não tivesse insistido em abrir aquele portão na noite da tempestade.

Você salvou mais do que apenas Helena e seus filhos naquela noite. Você salvou a mim também. A Rosa estava chorando abertamente agora, seu corpo pequeno sacudindo com soluços de alegria e amor. “Meu menino”, ela disse, tocando seu rosto como costumava fazer quando ele era criança. “Meu menino finalmente voltou. Não havia um olho seco na festa depois daquilo.

A vida na fazenda Santa Cruz estabeleceu-se em uma nova rotina, mas era uma rotina cheia de vida e propósito. Pedro continuava suas lições matinais com seu Jacinto, e seu talento com cavalos apenas crescia. Rodrigo começou a ensiná-lo sobre a administração da fazenda, levando-o em suas inspeções, explicando sobre plantio, colheita, negócios.

O menino absorvia tudo como uma esponja e Rodrigo descobriu que havia alegria em passar conhecimento, em preparar a próxima geração. Ana havia se tornado praticamente a bibliotecária não oficial da fazenda. Ela organizou os livros por tópico, criou um sistema de empréstimo para que os outros trabalhadores também pudessem ter acesso às histórias e até começou a dar pequenas aulas de leitura para as crianças mais jovens.

Rodrigo a observava com orgulho, vendo nela a mesma paixão pela educação que Clara tinha. João crescia feliz e amado, dividindo seu tempo entre Rosa, sua mãe, Rodrigo e, basicamente qualquer pessoa na fazenda que estivesse disposta a brincar com ele. Ele era a luz da casa, o pequeno sol que fazia todos sorrirem apenas por estar presente. E Helena. Helena floresceu de formas que ela nem sabia que eram possíveis.

Ela não era mais apenas uma lavadeira lutando para sobreviver. Ela era a senhora da fazenda Santa Cruz, respeitada pelos trabalhadores, amada por sua família e profundamente feliz de maneiras que ela pensou que nunca mais sentiria. Após a morte de José. Rodrigo provou ser um marido atencioso e amoroso. Ele ouvia suas opiniões sobre a gestão da fazenda e frequentemente implementava suas sugestões.

Ele a tratava como uma igual, como uma parceira, não como uma posse ou subordinada. E à noite, quando as crianças estavam dormindo e eles finalmente ficavam sozinhos, ele a amava com uma ternura e paixão que a deixavam sem fôlego. “Você me salvou”, ele disse a ela uma noite, enquanto estavam deitados juntos em sua cama, o luar entrando pela janela.

“Nos salvamos um ao outro”, Helena corrigiu, traçando o contorno de seu rosto com os dedos. “Você me deu um lar. Eu te dei uma razão para cuidar desse lar. Me deu muito mais do que isso. Me deu um futuro. Os meses passaram, transformando-se em um ano. E então, numa tarde quente de dezembro, exatamente um ano após a noite tempestuosa que mudou tudo, Helena deu a Rodrigo a notícia que ele mal ousava esperar.

“Estou esperando um bebê”, ela disse, colocando a mão dele sobre sua barriga ainda plana. Rodrigo ficou paralisado, seus olhos arregalados de choque e alegria. “Um bebê? Tem certeza?” “Tenho.” Dona Benedita suspeitou primeiro. Depois a parteira confirmou: “Vai nascer em junho.” Rodrigo a puxou para seus braços, segurando-a como se ela fosse feita de cristal, e chorou.

Chorou por Miguel, que ele nunca veria crescer. chorou por Clara que teria ficado tão feliz com esta notícia, mas chorou também de alegria porque a vida continuava, porque o amor não morre, apenas se transforma, porque ele estava sendo abençoado com uma segunda chance que ele nem tinha certeza de merecer.

“Obrigado”, ele sussurrou contra seus cabelos. Obrigado por me dar isto, por nos dar isto. Quando contaram as crianças, a reação foi exatamente o que esperavam. João ficou confuso sobre de onde exatamente os bebês vinham. Ana ficou emocionada com a ideia de ser irmã mais velha e Pedro, seu sério e maravilhoso Pedro, simplesmente sorriu e disse: “Finalmente vamos ser uma família de verdade.

” “Já somos uma família de verdade”, Helena corrigiu gentilmente. “Eu sei”, Pedro disse, “mas agora vamos ter alguém que é parte de todos nós, algo que começou aqui neste novo começo.” E ele estava certo. A véspera de Natal de 1889 encontrou a fazenda Santa Cruz, transformada de todas as formas imagináveis.

A casa grande brilhava com decorações, não porque alguém sentiu obrigação de manter tradições, mas porque todos genuinamente queriam celebrar. Na sala principal, um pinheiro enorme havia sido decorado por Ana com a ajuda de todas as crianças da fazenda. Gulandas de flores frescas enfeitavam cada porta e janela. O cheiro de canela, cravo e açúcar perfumava cada cômodo, emanando da cozinha onde dona Benedita comandava a preparação do banquete de Natal.

Rodrigo estava na varanda, segurando sua filha de 6 meses, Clara Isabel, batizada em homenagem às duas mulheres que haviam moldado sua vida. A bebê tinha os olhos verdes de Helena e os cabelos escuros de ambos os pais, e ela olhava para o pai com aquela adoração total que apenas bebês têm.

“Olhe para as estrelas, minha pequena”, ele murmurou, apontando para o céu noturno. “Cada uma delas representa uma alma que nos ama. Vê aquelas duas ali, as mais brilhantes? Aquelas são sua mãe Clara e seu irmão Miguel. Eles estão cuidando de nós. Falando com as estrelas, a voz de Helena veio de trás dele.

Rodrigo se virou, sorrindo ao vê-la. Ela estava radiante na maternidade, mais bonita do que nunca. Contando a Clara Isabel sobre sua família, ele disse, sobre todas as pessoas que a amam, mesmo aquelas que ela nunca vai conhecer. Helena se aproximou, envolvendo seus braços ao redor de Rodrigo por trás. apoiando a cabeça em suas costas.

“É um ano hoje”, ela disse suavemente. “Um ano desde que bati naquele portão. O melhor ano da minha vida”, Rodrigo respondeu. Bem, um dos melhores. Não posso negar que os anos com Clara e Miguel também foram maravilhosos. Não deveria negar. Eles foram parte de quem você é. E eu amo quem você é. Eles ficaram ali por um momento apenas os três observando as estrelas.

Então ouviram vozes dentro da casa. Pedro chamando que o jantar estava pronto. Ana cantando um vilancico que ela havia aprendido. João rindo com nhá rosa sobre algo. “Vamos entrar?” Helena perguntou. “Nossa família está esperando?” Nossa família? Rodrigo repetiu maravilhado com aquelas duas palavras podiam conter tanto significado. Sim, vamos.

E que eles entraram juntos, a família reunida ao redor da mesa, que não muito tempo atrás tinha apenas uma pessoa sentada sozinha. Agora havia Rodrigo, Helena, Pedro, Ana, João, a pequena Clara Isabel em seu berço, ao lado da mesa, Nh Rosa, seu Jacinto, dona Benedita e vários outros trabalhadores da fazenda que haviam se tornado família também. A ceia foi farta, cheia de risos, histórias, amor.

Pedro contou sobre um novo potro que havia nascido naquela semana e que ele estava ajudando a treinar. Ana leu um poema que havia escrito especialmente para a ocasião sobre famílias que se encontram em tempestades. João fez todos rirem com suas observações infantis sobre o mundo. Clara Isabel dormiu pacificamente, acordando apenas para mamar e sorrir gem gem gentadas para quem quisesse segurá-la. Depois do jantar, Rodrigo se levantou, seu copo de vinho na mão.

“Um brinde”, ele disse. E todos ficaram quietos. Há um ano, eu estava sozinho nesta casa, esperando que mais um Natal passasse para que eu pudesse voltar à minha rotina vazia de sempre. Eu havia desistido da vida, desistido do amor, desistido da esperança. Ele olhou para Helena, seus olhos brilhando com emoção.

E então uma mulher corajosa bateu no meu portão durante uma tempestade. Ela estava desesperada, encharcada, com três filhos pequenos e nenhum lugar para ir. E eu, na minha arrogância e autocomiseração, quase a mandei embora. Mas você não mandou, Helena disse suavemente.

Não, graças a Nhá Rosa e seu Jacinto, que me lembraram do que significa ser humano. E desde aquela noite tudo mudou. Vocês mudaram. Ele olhou para Pedro, Ana e João. Vocês me ensinaram que eu ainda podia ser pai, que ainda havia alegria em ver crianças crescerem e aprenderem. Você, ele olhou para Helena. Você me ensinou que meu coração não havia morrido, apenas adormecido, que eu podia amar novamente sem trair a memória daqueles que perdi. Ele levantou seu copo mais alto.

Então, este brinde é para famílias, não apenas aquelas que nascemos, mas aquelas que escolhemos, para segundas chances e novos começos, para o amor que cura, para as crianças que nos lembram de viver e para as tempestades que nos trazem exatamente aquilo que precisávamos, mesmo quando não sabíamos que precisávamos. Saúde, todos responderam, seus copos se erguendo. An.

Rodrigo acrescentou um sorriso brincando em seus lábios, um brinde especial para portões que se abrem na hora certa. Ram, choraram, abraçaram-se e quando a noite finalmente chegou ao fim e todos foram para suas camas, Rodrigo e Helena ficaram mais uma vez na varanda, olhando para as estrelas. “Obrigado”, Rodrigo sussurrou. Não para Helena, mas para o universo, para Deus, para o destino, para o que quer que tivesse conspirado para trazer aquela mulher até sua porta.

E em algum lugar nas estrelas, ele imaginou que Clara e Miguel também estavam agradecendo, agradecendo porque o homem que eles amavam havia finalmente encontrado seu caminho de volta à luz, agradecendo porque a casa que eles amavam estava cheia de amor novamente, agradecendo porque a morte não era o fim de nada, apenas uma transformação.

E o amor continuava sempre, continuava em novas formas e novos corações. A fazenda Santa Cruz não era mais um mausoléu, era um lar. E todos que viviam nela sabiam que haviam sido abençoados com algo raro e precioso, uma segunda chance de ser feliz, e eles não desperdiçariam nenhum único momento dela.

Esta história chegou ao fim, mas a jornada de Rodrigo, Helena e seus filhos continua em nossos corações. Se você se emocionou com esta história de amor, perda, redenção e segundas chances, não se esqueça de deixar seu like e se inscrever no canal Contos de Época. Compartilhe esta história com alguém que precisa acreditar que nunca é tarde demais para recomeçar, que o amor pode curar até as feridas mais profundas e que às vezes as melhores famílias são aquelas que escolhemos, não aquelas em que nascemos.

nos comentários queremos saber qual foi seu momento favorito desta história. Você acredita em segundas chances no amor? Que personagem tocou mais seu coração? Você conhece alguém que passou por uma transformação semelhante? Ative o sininho para não perder nossas próximas histórias de época, porque aqui no Contos de Época acreditamos no poder transformador do amor, na força da esperança e na beleza de recomeçar.

Muito obrigado por nos acompanhar nesta jornada emocionante. Até a próxima história, porque às vezes, em meio às tempestades mais escuras, o amor bate à nossa porta e se tivermos coragem de abrir, descobrimos que a luz nunca realmente se apagou. Apenas estava esperando o momento certo para brilhar novamente.

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