Uma mulher com o seu neto pediu-me que lhe cedesse o lugar no comboio e, quando recusei, derramou chá e migalhas na minha cama: tive de lhe dar uma lição.
Viajava de comboio com uma senhora idosa e o seu neto, de cerca de seis anos. O compartimento era pequeno, como sempre: duas beliches inferiores e duas superiores. Eu ocupava a de baixo, o miúdo também, e a avó, a de cima.
Desde o início da viagem, começou a insistir para que lhe cedesse o meu lugar. Disse que precisava de cuidar do neto, que lhe custava subir. Falava alto, irritada, e tentou sentar-se ao lado dele três vezes.
Recusei, de forma educada mas firme; não era culpa minha que os bilhetes tivessem sido comprados assim. Até chamei o revisor, mas ele encolheu os ombros: estava tudo conforme as regras.
De manhã fui lavar-me. Ao voltar, vi uma poça de chá entornado, migalhas de pão, cascas de ovo e uma manta manchada na minha cama. Não percebi logo o que se tinha passado. Perguntei.
— Não foi de propósito — disse a senhora com ar inocente. — O menino só comeu e entornou sem querer. É pequeno, afinal de contas.
Tirei uma caixa da minha mochila: um presente para o meu sobrinho. Uma cobra eletrónica com sensor de movimento. Ativa-se quando alguém se aproxima, começa a sibilar e corre rapidamente.
Coisas bastante realistas, se não souberes que é um brinquedo. Especialmente no escuro.
Esperei até à noite. Enquanto a avó e o neto saíam para o vagão-restaurante, coloquei a cobra debaixo da beliche inferior, junto ao saco. Programei o temporizador para que se mexesse.
À noite, quando a luz se apagou e tudo ficou em silêncio, a cobra “ganhou vida”.
Primeiro ouviu-se um assobio agudo, depois um arrastar no chão. No escuro, aparentemente a senhora viu algo a contorcer-se e gritou tão alto que acordou todo o vagão.
— COBRA! COBRA! — gritava, agarrando o neto nos braços e a correr pelo compartimento.
O revisor e os passageiros dos compartimentos vizinhos acorreram. Em pânico, chamaram o responsável de serviço da estação.
Levantei-me calmamente, acendi a luz, agachei-me e apanhei o brinquedo.
— É só um brinquedo. Desculpem, parece que uma das crianças estava a brincar…
O revisor bufou, os passageiros começaram a rir, a senhora corou. O neto já se ria, agarrado à cobra.
Desde então, nem uma palavra, nenhuma queixa, nenhum “cede o teu lugar”. De manhã, desceu da beliche em silêncio, ajudou o neto a arrumar as coisas e não me voltou a olhar.