«Papá não está morto, está debaixo da terra», sussurrou a menina entre soluços. O quarto ficou em silêncio. Os oficiais trocaram olhares de espanto. Então, sem dizer uma palavra, começaram a cavar.
A chamada chegou às 20h42.
Distúrbios domésticos. Choro de uma criança. Possível abandono.
A agente Dana Reeve ajustou o cinto ao descer da patrulha e se aproximar da pequena casa suburbana na Maple Lane. A luz da varanda piscava. Uma boneca estava de barriga para baixo sobre o capacho. A porta da frente estava entreaberta.
Despacho, aqui a Unidade 4A. Chegamos ao local. Entrando.
O seu colega, o oficial Kowalski, entrou atrás dela.
— Olá? — gritou Reeve —. Fala a polícia. Há alguém aqui?
Da sala veio uma voz suave e trêmula. A voz de uma criança.
«O papá foi embora.»
Viraram a esquina e a viram: encolhida no chão de madeira, com o cabelo loiro desgrenhado e o rosto sulcado de lágrimas. Não teria mais do que quatro anos. O seu vestido branco estava manchado com algo que parecia lama, ou seria outra coisa?
Reeve ajoelhou-se. «Olá, querida. Chamo-me Dana. Consegues dizer-me o teu nome?»
A menina piscou lentamente, com os olhos bem abertos. «Lila».
Olá, Lila. Estás ferida?
Ela negou com a cabeça.
«O teu papá ou a tua mamã estão aqui?»
Lila hesitou e depois apontou para o chão.
— Papá não está morto — sussurrou —. Está debaixo da terra.
Reeve piscou. «O que disseste?»
Kowalski aproximou-se mais e franziu o sobrolho.
— Papá está debaixo da terra — disse Lila mais alto —. Às vezes ele fala comigo.
O ar tornou-se pesado. Reeve sentiu o estômago revirar-se.
Mais agentes chegaram em poucos minutos. A casa foi revistada de cima a baixo. Não havia sinais de luta. Não havia adultos presentes. Havia brinquedos espalhados pelo corredor, pratos por lavar na pia.
Na sala, perto do local onde Lila estava sentada, encontraram uma mancha escura no chão de madeira. Seca, com crosta, parcialmente limpa, mas ainda visível.
«Pode ser antiga», murmurou um oficial.
Mas então Lila apontou novamente.
— Ali — disse, tocando a borda da mancha —. Foi ali que ele me disse para não ter medo.
Reeve respirou fundo. «Chamem a cena do crime.»
Duas horas depois, a fita da cena do crime bloqueou toda a rua.
Uma equipa forense chegou com um radar terrestre. O chão da sala estava vazio de móveis. Os agentes avançaram lentamente, levantando com cuidado uma tábua de cada vez.
Então, exatamente à 1h13, encontraram-no.
Secção oca. Madeira rústica pregada sobre vigas novas.
Um oficial abriu e deixou cair a lanterna.
Dentro estava um corpo.
Homem. Trinta e poucos anos. Mãos atadas. Fita adesiva sobre a boca.
E muito, muito morto.
Kowalski recuou, pálido. «Meu Deus.»
Reeve virou-se para Lila, que agora segurava um ursinho de peluche que um técnico de emergência lhe tinha dado.
— Lila — disse suavemente —. Podes contar-me… o que aconteceu ao teu papá?
A menina piscou lentamente.
— Mamã disse que ele se foi — sussurrou —. Mas eu ouvi-o. Ele chamou-me. Lá de baixo.
A sua voz tremeu.
Ele disse para não ouvir. Mas ele chorou. E depois parou.
O quarto ficou em silêncio.
Um dos oficiais comunicou por rádio com a chefia. «Temos um corpo confirmado. Parece homicídio. Precisamos localizar a mãe imediatamente.»
Verificaram o nome dela no sistema. Samantha Price. Trinta e dois anos. Sem antecedentes. Trabalhava a tempo parcial como auxiliar de enfermagem. De acordo com os registos, vivia lá com o seu marido, Thomas Price, e a sua filha, Lila.
Thomas era o homem debaixo do chão.
Mas Samantha?
Ela tinha desaparecido.
O seu telemóvel estava desligado. O seu carro tinha desaparecido.
Os vizinhos não ajudaram; um disse que acreditava que a família tinha mudado há semanas. Outro afirmou ter visto Samantha «com cara de nervosa» numa estação de serviço a dois vilarejos de distância.
Nenhum deles tinha visto Thomas há semanas.
E agora, a sua filha estava sentada num carro de patrulha, olhando para o seu reflexo na janela.
«Foi ela quem resolveu isto», disse Reeve em voz baixa.
— Não — respondeu Kowalski —. Ela é quem sobreviveu.
Lila foi colocada sob custódia protectora.
Nessa noite, Reeve não conseguiu dormir.
Continuava a ouvir a voz da menina:
«Papá não está morto. Está debaixo da terra.»
Como é que ela sabia? Será que realmente o ouviu? Ou seria algo mais profundo, algo gravado na sua mente, algo traumático que o seu cérebro tinha guardado até agora?
E quanto tempo tinha ela vivido sobre a sua tumba?
Na manhã seguinte, Reeve recebeu uma chamada do laboratório criminalístico.
«Vão querer ouvir isto», disse o técnico. «A hora da morte… não coincide com a cronologia que esperávamos.»
Reeve inclinou-se. «O que queres dizer?»
— Lila disse que o ouviu depois de ele desaparecer, certo?
«Sim.»
Bem, pode ser que não tenha imaginado. A julgar pela decomposição, parece que Thomas Price esteve vivo debaixo desse chão durante quase três dias.
A Reeve congelou o sangue.
«Três dias?» sussurrou.
— Sim. Ou seja… ele estava realmente a falar com ela. Chamava-lhe pelo nome.
A detective Dana Reeve olhou fixamente para as fotografias da cena do crime colocadas sobre a mesa.
Thomas Price. Homem, 36 anos. Causa de morte: asfixia. Fita adesiva sobre a boca e o nariz. Hematomas nos pulsos por luta com as amarras. Hora de falecimento: aproximadamente 72 horas depois de estar confinado sob as tábuas do chão.
Ou seja, ele esteve vivo três dias.
Vivo. E a morrer lentamente a poucos centímetros dos pés da sua filha.
Reeve fechou o processo. «Precisamos de encontrar a Samantha. Já.»
Revistaram motéis em três condados. Encontraram o carro abandonado no estacionamento de um Walmart, sem vestígios de impressões digitais. Sem recibos. Sem Samantha.
Mas o que encontraram foi arrepiante.
Num contentor de lixo próximo, escondido debaixo de embalagens de fast food, havia um pequeno diário.
Era de Lila.
Principalmente rabiscos e desenhos com pauzinhos: a sua mamã, o seu papá, a sua casa.
Mas numa página, havia algo mais.
Rabiscado com letra irregular, dizia:
«Ouvi o papá chamar. Mamã disse para não falar. Mamã fechou a porta com chave. Chorei.»
Em baixo, um desenho: uma figura de pauzinhos debaixo de um chão quadrado, com lágrimas. Outra figura em cima, segurando algo vermelho.
Um martelo?
De volta à esquadra, Lila estava sentada com um psicólogo infantil e a agente Reeve. Um elefante de peluche no seu colo. Um sumo na mesa.
«Consegues contar-nos mais sobre essa noite, querida?» perguntou o psicólogo suavemente.
Lila hesitou.
«Mamã estava zangada», disse.
«Zangada com quem?»
Com o papá. Ele gritou. Ela gritou de volta. Eu fui para o meu quarto.
Ela fez uma pausa e olhou fixamente para as suas mãos.
«Então ouvi o golpe.» Golpeou a mesa com a sua pequena palma.
«Golpe, golpe, golpe.»
Reeve inclinou-se. «E depois?»
Então mamã disse-me que o papá tinha ido embora. Mas… mas eu ouvi-o chorar. Debaixo do chão.
A sua voz quebrou. «Ele disse o meu nome. ‘Lila. Socorro’. Mas mamã fechou a porta com chave.»
As lágrimas corriam pelas suas bochechas. «Tentei abri-la, mas estava bloqueada.»
As mãos de Reeve apertaram-se em punhos debaixo da mesa.
O próximo avanço chegou inesperadamente.
Um gerente de uma estação de serviço a dois vilarejos de distância deu uma pista. Uma mulher tinha chegado há dias, com um aspeto chocado, pouco dinheiro e sem identificação. Comprou petiscos, um telemóvel pré-pago e pensos rápidos. O empregado lembrava-se dela porque tinha um penso ensanguentado na mão esquerda.
As imagens de vigilância confirmaram-no: Samantha Price.
Ela ainda estava na zona.
O telefone descartável foi rastreado até uma única chamada de saída: para um homem chamado Caleb Durant.
Um nome que não tinha surgido antes.
Verificaram os seus antecedentes: 39 anos, sem residência fixa, ex-trabalhador da construção civil com antecedentes de disputas domésticas e posse ilegal de armas de fogo.
Também, convém destacar, um ex-namorado de Samantha Price, antes de ela conhecer Thomas.
Tinha sido libertado recentemente da prisão.
Reeve olhou fixamente para a tela. «Ela correu para a única pessoa com quem não deveria estar perto.»
Foi emitido um mandado de prisão.
Duas horas depois, os agentes invadiram um quarto de motel nos arredores da cidade.
Samantha estava lá dentro, pálida, trêmula, vestida com um casaco com capô. Sozinha.
Ela não resistiu. Ela não chorou.
Quando lhe perguntaram se entendia as acusações (homicídio, pôr uma criança em perigo, obstrução), ela apenas sussurrou: «Não tive escolha.»
Durante o interrogatório, a verdade começou a filtrar-se.
Samantha afirmou que Thomas a tinha maltratado. Que ele a batia sem ninguém ver. Que tentou ir embora uma vez e ele ameaçou levar Lila.
«Eu tinha medo», disse com a voz abafada. «Então Caleb voltou. Disse que podia ajudar-me a desaparecer. Disse que ele tratava de tudo.»
Ela fez uma pausa.
«Não sabia o que ele queria dizer até ver o sangue.»
Caleb, segundo ela, atacou Thomas uma noite durante uma visita secreta. Um martelo. Uma luta. Thomas inconsciente.
Entrei em pânico. Caleb disse que já era tarde para ir à polícia. Que Thomas acordaria e mataria os dois. Então… fez o espaço. Debaixo do chão.
Reeve olhou fixamente para ela. «Sabias que ele estava vivo.»
Samantha olhou para o lado.
«Sim.»
«Ajudaste a tua filha… a jantar… enquanto o teu papá mendigava aos teus pés?»
Samantha não respondeu.
Reeve levantou-se, disgustada. «Vamos encontrar o Caleb.»
Mas Caleb já tinha fugido.
Testemunhas colocaram-no num autocarro para outro estado. O rasto foi perdido.
Mas a investigação não tinha terminado.
A autópsia de Thomas revelou algo mais: ele tinha marcas de arranhões nos pulsos… e sob as unhas: lascas de madeira.
Ele tentou sair a arranhar.
Passaram-se semanas. A Samantha foi negada a liberdade sob fiança. Lila, agora em acolhimento, começou a sorrir pouco a pouco. Começou a desenhar novamente.
A oficial Reeve visitava-a com frequência. Levava-lhe sumos, autocolantes e paciência.
Um dia, Lila puxou pela manga de Reeve.
«Posso contar-te um segredo?»
«Claro.»
Lila olhou para cima com os olhos muito abertos.
A voz do papá agora está baixa. Mas às vezes, quando fecho os olhos…
Ela tocou no peito.
Ainda o sinto aqui. Como… como se me abraçasse sob as estrelas.
Reeve sorriu com tristeza. «É porque ele faz parte de ti, Lila. Para sempre.»
Seis meses depois, uma busca a nível nacional levou à prisão de Caleb Durant. Ele estava escondido sob um nome falso e trabalhava num cais de carga.
Foi extraditado, julgado e condenado a prisão perpétua sem possibilidade de liberdade condicional.
Samantha Price declarou-se culpada. A sua sentença: 35 anos.
Lila foi adotada oficialmente por um amável casal mais velho que não tinha filhos próprios.
Ela nunca mais teve que dormir com segredos.
E às vezes, nas noites de chuva, tirava o seu velho caderno de desenhos e colava a sua orelha no chão da sua nova casa…
E sussurrava: «Já estou segura, papá. Prometo.»