A política brasileira caminha em um ritmo frenético, produzindo fatos que, se não fossem tão graves, pareceriam roteiros cinematográficos. Nos últimos dias, a cena política foi dominada por uma série de eventos interligados que expuseram a fragilidade das instituições e a maneira como as negociações de bastidores moldam o destino jurídico e social do país. Desde a situação pessoal de um ex-presidente até a controvérsia sobre a redução de penas, passando por um inédito caos na Câmara dos Deputados, o momento exige uma análise detalhada e crítica.
O Enigma da Cirurgia e a Perda de Privilégios
Um dos fatos mais notáveis envolve a saúde e a situação legal do ex-presidente Jair Bolsonaro. Seus advogados protocolaram um pedido junto ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, para autorizar um período de internação de, no mínimo, sete dias. A necessidade seria a realização de duas cirurgias: uma para tratar uma hérnia inguinal e outra intervenção na área do abdômen, como uma tentativa de solucionar o persistente problema de soluços.
Junto ao pedido de autorização para o procedimento médico e o tempo de recuperação fora da custódia, veio a manobra política esperada: a solicitação de prisão domiciliar. A defesa argumenta que, devido à condição de saúde e à necessidade de recuperação cirúrgica, o ex-presidente deveria ser mandado para casa, uma tática vista por muitos como uma tentativa de se livrar do confinamento. Tais movimentos, em face da gravidade da situação política e judicial do ex-presidente, são frequentemente analisados com ceticismo, levantando a dúvida se a questão da saúde não estaria sendo instrumentalizada para fins de alívio da pena.

Paralelamente, a Justiça Federal tomou uma decisão significativa que impacta diretamente os custos da vida pública do ex-presidente. Em um movimento iniciado por um vereador do Partido dos Trabalhadores de Belo Horizonte, o juiz federal determinou o fim dos benefícios vitalícios de Bolsonaro. Ex-presidentes têm direito a uma série de benesses custeadas pela Presidência, incluindo quatro assessores, motoristas e dois veículos oficiais. No entanto, o entendimento legal foi claro: não há previsão na lei para que um indivíduo que está preso continue usufruindo de tais privilégios, cujo custo já somava quase 1 milhão de reais apenas neste ano. A suspensão desses benefícios, embora passível de recurso, reforça o princípio de que a custódia judicial impõe limites à manutenção do status quo político.
A Dosimetria e a Confissão Explosiva
O epicentro do debate político, contudo, tem sido o projeto de lei da “dosimetria”, um termo técnico que, na prática, se tornou sinônimo de anistia disfarçada. Este projeto, que visa a redução de penas, foi aprovado na Câmara dos Deputados sob intensa polêmica. A redução é substancial: para o ex-presidente Bolsonaro, a previsão de reclusão em regime fechado de seis ou sete anos cairia para algo em torno de dois anos e meio a três anos, permitindo uma progressão de regime mais célere.
A gravidade da situação se elevou a um novo patamar com a confissão do relator do projeto na Câmara, o deputado Paulinho da Força. Em um momento capturado por jornalistas, o relator admitiu publicamente a intenção real por trás da proposta. Ele declarou, de forma explícita e direta: “Eu só não chamo de anistia, mas libera todo mundo.”
Essa declaração é a prova cabal de que o projeto, aprovado como uma forma de reavaliar penas e garantir a progressão de regime, tem um objetivo político muito maior: abrir as portas da prisão para uma ampla gama de condenados, incluindo indivíduos envolvidos nos ataques à democracia, e, de maneira central, o próprio Jair Bolsonaro. É a primeira vez em décadas que o Congresso Nacional pauta e aprova uma lei com o intuito de reduzir penas, invertendo a tendência histórica de apenas endurecer a legislação penal. O receio é que, ao modificar a lei para contemplar seus pares políticos, o Congresso acabe beneficiando criminosos comuns, enfraquecendo o combate a crimes como corrupção, que também foram incluídos, de forma disfarçada, nas brechas da nova legislação.
O Mercado das Emendas e o Caos Ético
A votação da dosimetria não foi um ato isolado de benevolência legislativa; foi, na verdade, uma manobra de retaliação política. O cenário na Câmara dos Deputados foi de completo caos, com a liderança do presidente Hugo Mota sendo severamente criticada.
Um flagrante jornalístico expôs a vergonhosa dinâmica por trás do voto. Em uma conversa capturada por áudio, deputados federais revelaram que a aprovação da dosimetria foi uma resposta direta ao atraso no pagamento de emendas parlamentares impositivas pelo Governo Federal.
A lógica é chocante: como o governo não cumpriu a agenda de liberação das emendas (o que implica na liberação de recursos para as bases eleitorais dos deputados), a maioria da Casa resolveu retaliar. E a forma de punir o Executivo foi aprovar o projeto que beneficia o principal adversário do governo. “Não pagou as emendas, então a gente vai sacanear o governo pautando o projeto que tira o Bolsonaro da cadeia,” esta foi a essência da negociação. Esse comportamento escancara o fisiologismo e o “toma lá, dá cá” na política, onde o interesse público e a integridade da justiça são trocados por interesses financeiros e eleitorais. A pauta negativa, que prejudica o governo e a nação, virou moeda de troca.

O Muro do Senado e a Dança STF-Senado
O projeto da dosimetria agora enfrenta um novo e significativo obstáculo no Senado Federal. A pressa inicial em votá-lo foi contida. O projeto foi enviado para a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), onde será analisado quanto à sua constitucionalidade. A relatoria na CCJ foi entregue a um senador da oposição, Spiridião Amin, um bolsonarista de Santa Catarina. Sua nomeação levanta o temor de que ele não apenas endosse o texto da Câmara, mas que possa introduzir uma emenda propondo uma anistia ampla, geral e irrestrita — o que realmente limparia os crimes dos envolvidos.
Contudo, a CCJ serve como um filtro. Se for considerado inconstitucional, o projeto nem sequer chega ao plenário. Adicionalmente, o senador Veneziano Vital do Rêgo, membro da CCJ, já avisou que pedirá vista (adiamento) do projeto, uma manobra que visa empurrar a votação para 2026, permitindo que a “poeira baixe” e o tema seja debatido com menos temperatura política.
Outro ponto crucial é o poder de veto do Presidente da República. É dado como certo que o presidente Lula vetará a redução de penas, especialmente considerando que ele próprio foi alvo de planos de ações criminosas por parte do grupo que a lei visa beneficiar. O desafio reside na derrubada desse veto, que exige maioria absoluta: 257 votos na Câmara e 41 no Senado. A Câmara demonstrou ter votos suficientes, mas o Senado se mostra mais dividido, o que é a esperança da base governista.
Em uma esfera diferente, mas igualmente relevante, desenrola-se o que alguns analistas chamaram de “dança do acasalamento” entre o Supremo Tribunal Federal e o Senado. O ministro Gilmar Mendes, ao dar decisões que alteravam a lei do impeachment de ministros, estaria, na verdade, forçando o Senado a pautar um novo projeto para modernizar a legislação de 1950. O objetivo era criar regras mais rígidas, impedindo pedidos de impeachment baseados apenas em discordâncias de decisões. A articulação, que envolveu outros ministros como Alexandre de Moraes, foi vista como uma jogada calculada para, após a simulação de um conflito público, chegar a um acordo para uma legislação que satisfaça ambas as partes, demonstrando que as grandes reformas institucionais são, muitas vezes, produtos de complexas negociações de bastidores. O projeto de reforma da lei do impeachment também deve ser adiado para 2026.
Padrões Duplos e Articulações Subterrâneas
O estilo de liderança do presidente da Câmara, Hugo Mota, foi criticado por aplicar “dois pesos e duas medidas” no tratamento das pautas e dos parlamentares. O contraste é evidente na forma como ele lidou com a ocupação da presidência da Câmara por grupos de direita em agosto, em comparação com a maneira violenta como a Polícia Legislativa agiu para retirar o deputado Glauber Braga do plenário, sob a alegação de violação do decoro.
Em agosto, os indivíduos que ocuparam a mesa por dois dias e paralisaram os trabalhos não sofreram punição imediata, com Mota aparecendo em imagens sorrindo e negociando. No caso de Glauber, contudo, a reação foi de extrema força. Essa disparidade de tratamento levou líderes partidários a culparem Mota diretamente pelo agravamento da crise no plenário, expondo uma alegada preferência pelo agrado à extrema-direita em detrimento da isonomia.
Notícias Positivas e a Luta por Direitos
Em meio a tanta turbulência política, algumas notícias positivas sobre a agenda social e econômica merecem destaque, apesar de frequentemente serem ofuscadas pelo drama do Congresso. A Comissão de Constituição e Justiça do Senado aprovou uma proposta que reduz o limite máximo da jornada de trabalho semanal para 36 horas e, crucialmente, estabelece o fim da escala 6×1. Isso significa que trabalhadores contratados terão que gozar de dois dias de descanso semanal, uma conquista histórica para os direitos laborais.
No campo econômico, o governo confirmou o reajuste do salário mínimo para 2026, que subirá para R$ 1.621,00. O reajuste segue uma fórmula que garante o aumento acima da inflação, uma política que, historicamente, demonstrou ser um motor para o crescimento e a melhoria do poder de compra do trabalhador, contrastando com períodos anteriores onde o aumento se limitava apenas à correção inflacionária. Além disso, a inflação medida pelo IPCA de novembro foi a menor para o mês desde 2018, fechando em 0,18%, um índice abaixo da expectativa do mercado e que ajuda a manter a inflação dentro da meta, conferindo credibilidade à economia nacional. A queda no preço dos alimentos da cesta básica é particularmente benéfica para a população de baixa renda.
Por fim, a preocupação com a regulamentação das redes sociais ganhou corpo após o súbito e inexplicável desaparecimento de perfis de figuras públicas, em sua maioria progressistas, como o próprio Lula e outros influenciadores de esquerda, na plataforma Instagram. A empresa Meta alegou estar investigando o sumiço. Este evento sublinha o perigo da ausência de regulamentação: na falta de regras claras, grandes empresas de tecnologia podem, a seu bel-prazer, tirar o alcance de vozes e manipular o debate público, afetando o tecido social e democrático.
Conclusão: O Apelo à Consciência Cidadã
O mosaico político brasileiro se revela complexo e, em muitos aspectos, desalentador. Desde a manobra legal para reduzir penas para indivíduos que atentaram contra a democracia, motivada por retaliação financeira, até o uso de dois pesos e duas medidas na condução da Câmara, o Congresso Nacional parece cada vez mais distante dos interesses do povo. A tentativa de tornar as ações antidemocráticas um crime com punição “barata” é um alerta máximo para a fragilidade da democracia. É fundamental que a sociedade civil permaneça mobilizada e vigilante. O momento exige mais do que apenas assistir: é preciso ir às ruas e usar as redes para expressar a vontade popular, garantindo que os funcionários públicos, que são os políticos, trabalhem para o benefício do povo brasileiro, e jamais para se protegerem da justiça.