O sol do entardecer tingia o horizonte de laranja e ouro quando Jackson Blackwood desmontou do cavalo com a calma de quem conhece cada palmo da sua terra. Aos trinta e cinco anos, transformara uma herança modesta num império: cinco mil acres de pastos férteis em Montana, três touros campeões e uma reputação de “cowboy milionário” que fazia suspirar meio condado de Sweetwater.
A casa principal, de pedra e madeira, destacava-se ao longe. Mas, ao dirigir o cavalo até ao celeiro, Jackson ouviu algo que o fez parar.
— Shhh, Benjamin, por favor — murmurou uma voz feminina, trémula.
O instinto fê-lo pousar a mão no coldre, junto ao revólver. Nenhum dos seus empregados estaria ali àquela hora. Puxou a pesada porta do celeiro, que gemeu nos gonzos enferrujados. No canto, sobre fardos de palha, uma mulher abraçava uma criança.
O nome surgiu-lhe à mente antes mesmo de ela levantar a cabeça. Cabelos castanhos-dourados em desalinho, rosto pálido, olhos de âmbar. A mesma mulher que chorara junto à campa do seu irmão Matthew, morto num acidente de serração um ano antes.
— Jackson — sussurrou ela, entre o alívio e o medo. — Eu… não tinha para onde ir.
O rapaz ao colo dela, magro, de olhar azul intenso, devia ter seis anos. O sobrinho dele, Benjamin.
Jackson viu a nódoa escura no maxilar de Rebecca, meio escondida pelo cabelo. O sangue gelou-lhe.
— Quem te fez isso?
— Não importa. Só precisamos de um abrigo por esta noite — respondeu, sem o encarar.
O pequeno murmurou:
— Mamã, tenho fome.
Jackson suspirou. O instinto protetor venceu qualquer prudência.
— Não vão dormir num celeiro. Venham para casa.
Rebecca hesitou, mas Benjamin puxou-lhe a manga.
— Por favor, mamã. Ele disse que tem tarte de maçã.
Jackson sorriu.
— E tenho mesmo.

A velha Mrs. Daniels, governanta do rancho, abriu a porta da cozinha com um sobressalto ao ver Rebecca. Recuperou depressa.
— Ora, se não é a senhora Williams e o pequeno Benjamin! Entrem, o jantar ainda está quente.
Enquanto o aroma de carne assada enchia o ar, Jackson observava Rebecca. Ela comia pouco, olhos sempre a varrerem as janelas. Benjamin, pelo contrário, devorava tudo com entusiasmo inocente.
— Estás segura aqui — disse Jackson, em voz baixa.
— Ninguém está seguro quando ele quer encontrar alguém — murmurou ela.
No silêncio que se seguiu, o vento uivou lá fora. A solidão que Jackson escolhera há anos parecia, pela primeira vez, ter propósito.
Na manhã seguinte, Rebecca acordou na cama macia sem saber se ainda sonhava. Acordara tantas vezes em sobressalto, ao menor ruído, que o corpo já não sabia descansar. Desceu à cozinha. Jackson estava junto à janela, café na mão.
— Bom dia. Dormiste alguma coisa? — perguntou ele.
Ela assentiu, olhando para o filho ainda a dormir no sofá.
— Preciso de te contar o que aconteceu — disse por fim.
Contou tudo. O casamento com Charles Hartley, um homem de negócios de Portland. O charme inicial, as promessas, depois os controlos: o tom de voz, as roupas, até as visitas aos pais. O primeiro empurrão. Depois, as pancadas. Por fim, o golpe no filho por um copo de leite entornado.
— Fugimos nessa noite — concluiu Rebecca. — Usei as joias da minha avó para comprar bilhetes de autocarro. Caminhámos os últimos quilómetros até aqui.
Jackson fechou os punhos.
— Ele vai procurarte.
— Já o está a fazer. Tem amigos na polícia, no tribunal. Disse que, se eu fugisse, me chamariam louca e me tirariam o Benjamin.
— Deixa-o tentar — respondeu Jackson, a voz firme. — Enquanto estiverem aqui, estão sob minha proteção.
Rebecca ergueu o olhar. Pela primeira vez em meses, acreditou.
Duas manhãs depois, um dos peões apareceu a correr.
— Senhor Blackwood! Um jipe preto vem pela estrada. Vidros fumados. Não é daqui.
Rebecca empalideceu.
— É ele.
Jackson endireitou-se, o corpo a mudar — o homem calmo deu lugar ao dono de território.
— Roy, leva a senhora e o rapaz para a casa dos fundos. Ninguém se aproxima sem minha ordem.
Quando o SUV parou no pátio, Charles Hartley saiu de dentro com um sorriso estudado e um fato demasiado caro para aquele pó.
— Bela propriedade. O senhor deve ser Jackson Blackwood.
— E o senhor deve ser o homem que bate em mulheres e crianças — devolveu Jackson, frio.
Hartley nem piscou.
— A minha esposa fugiu. Trouxe o meu enteado. Tenho documentos de tutela. Só quero levá-los para casa.
— Então traga também os papéis que explicam as nódoas negras — respondeu Jackson.
Por segundos, os dois mediram-se em silêncio. Hartley acabou por recuar.
— Tem 24 horas antes de eu chamar o xerife.
— Faça o que quiser. Está em propriedade privada. Agora saia.
O jipe arrancou, lançando gravilha. Rebecca, observando de longe, chorava em silêncio — de medo e gratidão.
Jackson levou-a à cidade para falar com Alan Griffith, advogado local e velho amigo.
— Precisamos de provas — disse Alan. — Fotografias, testemunhos, relatórios médicos. Depois pedimos custódia de emergência.
Rebecca tirou de uma mala pequena um envelope com fotos. Rostos magoados, olhos vazios.
— Guardei tudo.
Alan assentiu. — Vai ser difícil, mas há juízes que ainda acreditam na verdade.
No dia seguinte, receberam a notificação: audiência no tribunal de Sweetwater. O juiz exigia a presença de Benjamin.
Na noite anterior, Jackson levou o menino a ver as estrelas.
— Aquela é a Estrela do Norte — explicou. — Mostra sempre o caminho de casa.
— Mesmo quando está escuro? — perguntou o pequeno.
— Especialmente quando está escuro.
Rebecca ouviu, o coração apertado. Por instantes, pareciam uma família.
O tribunal cheirava a madeira velha e café barato. Hartley chegou impecável, advogado a tiracolo e um olhar de aço.
Alan apresentou as provas. Fotografias. Mensagens. Testemunhos.
Rebecca contou a história, sem lágrimas — só cansaço.
— Senhora Williams — perguntou a juíza — porque não denunciou antes?
— Denunciei. A polícia tomou café com o meu marido e disse que eu devia “dialogar mais”.
Quando Benjamin entrou, a sala silenciou-se.
— Charles bateu na mamã — disse o menino, simples. — E em mim, quando parti um copo.
Hartley tentou sorrir. A máscara começou a rachar.
A pediatra do menino confirmou os ferimentos. O advogado de Hartley gaguejou.
A juíza escreveu algo, ergueu o olhar e declarou:
— A custódia provisória do menor fica com a mãe. O senhor Hartley terá visitas supervisionadas e ordem de afastamento de 150 metros. Sessão encerrada.
Rebecca soltou o ar que não sabia estar a prender. Benjamin correu para ela. Jackson colocou-lhe a mão no ombro.
— Conseguiste.
Mas Hartley não desistiu. Naquela noite, apareceu embriagado, o jipe aos solavancos pela estrada do rancho.
— Acha que ganhou, cowboy? — gritou, tropeçando, arma na mão.
Jackson manteve-se firme no alpendre.
— Baixe a pistola, Charles. Já perdeu tudo.
Roy e os homens do rancho surgiram atrás dele, espingardas visíveis.
Por um instante, só o vento se ouviu.
Hartley baixou o braço e caiu de joelhos, derrotado.
O xerife levou-o ainda nessa madrugada.
No dia seguinte, Rebecca chorou ao ler a ata: acusado de violação de ordem judicial e ameaças agravadas.
Sem o peso do medo, o rancho voltou a respirar. Benjamin aprendia a montar, rindo alto.
Rebecca ajudava Mrs. Daniels na cozinha, redescobrindo o prazer do pão quente e das manhãs em paz.
Numa tarde dourada, sentaram-se os três no alpendre.
— Não quero ser um incómodo para sempre — começou ela.
— Então não sejas um incómodo — disse Jackson, sorrindo. — Sê só parte da casa.
Rebecca pousou a cabeça no ombro dele. Lá ao fundo, Benjamin corria atrás de um cão vadio que decidira ficar.
O vento cheirava a erva e promessas.
A vida no Rancho Blackwood tinha, enfim, voltado a começar.