O Coronel Que Trocou suas 2 Filhas Por 5 Escravas: A Troca Que Condenou Uma Linhagem na Bahia, 1879

Na manhã de 15 de março de 1879, as duas filhas do coronel Joaquim Ferreira de Albuquerque foram retiradas da casa grande da fazenda Santa Rita, no Recôncavo Baiano, e enviadas para viver numa propriedade a três dias de viagem. No mesmo dia, cinco escravas entraram pela porta principal da fazenda, ocupando os quartos que antes pertenciam às meninas.
O que poucos sabiam é que aquilo não foi um arranjo temporário, mas uma troca permanente documentada e registrada em cartório. O coronel havia literalmente trocado suas filhas legítimas por escravas de outra fazenda. Esta é a história mais perturbadora de como a mentalidade escravocrata destruiu não apenas os escravizados, mas também aqueles que se achavam protegidos por sua posição social. O ano era 1879.


A escravidão no Brasil agonizava, mas nas fazendas do Recôncavo baiano o sistema ainda funcionava com brutalidade total. A lei do ventre livre, aprovada 8 anos antes, declarava livres os filhos de escravas nascidos após 1871. Mas os senhores de engenho resistiam ferozmente a qualquer mudança. A fazenda Santa Rita, localizada a 15 km de Cachoeira, era uma das propriedades mais prósperas da região.
Seus canaviais se estendiam até onde a vista alcançava e suas casas de moenda produziam açúcar e aguardente de qualidade reconhecida em toda a província. O coronel Joaquim Ferreira de Albuquerque, aos 56 anos, era respeitado e temido em igual medida. Descendente de uma família tradicional portuguesa, construíra sua fortuna através de três gerações de exploração agrícola e comércio de escravos.
Sua propriedade abrigava mais de 250 cativos, divididos entre o trabalho nos canaviais, nas casas de moenda e na Casa Grande. Era viúvo havia 12 anos, desde que dona Francisca morrera de febre amarela em 1867, deixando-o com duas filhas pequenas. Clara tinha 17 anos em 1879, Isabel 15. Ambas haviam sido criadas na fazenda, educadas por uma preceptora francesa contratada especialmente para ensinar-lhes boas maneiras: francês, piano e bordado.
O problema começou no final de 1878, quando o coronel percebeu que suas filhas estavam se tornando um obstáculo aos seus planos. Joaquim tinha a intenção de casar-se novamente, desta vez com dona Eulália, uma viúva rica de Salvador, que possuía três fazendas próprias e uma fortuna considerável em joias e propriedades urbanas.
O casamento seria vantajoso para ambos, unindo patrimônios e consolidando poder político na região. Mas dona Eulália tinha uma exigência que o coronel não esperava. Durante as negociações do casamento, ela deixou claro que não aceitaria viver na mesma casa que as filhas de outra mulher. Não serei madrasta de ninguém”, disse ela com firmeza durante um jantar em Salvador.
“Se o senhor deseja este casamento, suas filhas precisam encontrar outro lugar para viver. Para muitos homens, aquela exigência seria inaceitável. Mas o coronel Joaquim Ferreira de Albuquerque não era como muitos homens. Durante décadas de escravidão, desenvolveram uma mentalidade onde pessoas eram vistas como propriedade e instrumentos para seus interesses.
Se suas filhas estavam no caminho de um casamento vantajoso, então elas simplesmente precisavam ser removidas. A solução que encontrou foi tão criativa quanto grotesca. Joaquim tinha um conhecido, o coronel Antônio Mendes da Costa, proprietário da fazenda Boa Esperança, localizada no interior da Bahia, há três dias de viagem de cachoeira. Antônio tinha um problema diferente.
Sua esposa, dona Margarida, estava envelhecendo e precisava de companhia feminina educada em sua propriedade isolada. Além disso, ele desejava adquirir escravas jovens e saudáveis para aumentar a produtividade de sua fazenda. Durante uma reunião na Câmara Municipal de Cachoeira, em janeiro de 1879, os dois coronéis conversaram sobre seus respectivos problemas.
Foi então que surgiu a ideia que chocaria toda a região. “E se fizéssemos uma troca?”, sugeriu Joaquim, como se estivesse discutindo o gado. Você fica com minhas filhas para fazer companhia à sua esposa e eu fico com cinco de suas escravas mais jovens. Documentamos tudo em cartório para evitar problemas futuros. Antônio Mendes da Costa ficou surpreso com a proposta, mas não por razões morais. Estava calculando as vantagens.
Duas moças educadas de família tradicional poderiam ser úteis. Talvez pudesse casá-las com seus filhos ou com fazendeiros aliados, criando alianças políticas valiosas. “Cinco escravas é muito”, respondeu ele finalmente. “Mas se forem das mais jovens e saudáveis podemos conversar. Os detalhes foram acertados durante fevereiro de 1879.
O contrato foi redigido por um tabelião de confiança, Dr. Manuel Rodrigues, que ficou visivelmente perturbado ao escrever os termos do acordo, mas não ousou questionar dois dos homens mais poderosos da região. O documento datado de 28 de fevereiro de 1879 registrava que o coronel Joaquim Ferreira de Albuquerque transferia a guarda e tutela de suas filhas Clara Ferreira de Albuquerque, 17 anos, e Isabel Ferreira de Albuquerque, 15 anos, ao coronel Antônio Mendes da Costa, que em troca transferia a propriedade de
cinco escravas. Maria, 20 anos, Rosa, 19 anos, Benedita, 22 anos, Joana 18 anos e Francisca, 21 anos. O documento foi testemunhado por dois comerciantes locais e registrado oficialmente no cartório de cachoeira. Clara e Isabel não foram consultadas sobre a transação. Na manhã de 15 de março de 1879, foram informadas de que fariam uma viagem para visitar uma fazenda no interior.
“Vão fazer companhia à esposa de um amigo meu por alguns meses”, disse o pai durante o café da manhã, sem olhar diretamente para elas. “Preparem suas malas com roupas e objetos pessoais”. Clara, a mais velha, percebeu algo estranho no tom do pai. “Por quanto tempo, pai?”, perguntou ela. “O tempo necessário”, respondeu ele friamente.
“E não discutam, está decidido.” As duas irmãs passaram o dia arrumando seus pertences, sem imaginar que nunca mais voltariam àquela casa. Despediram-se das mucamas que as haviam criado, das cozinheiras que preparavam suas comidas favoritas, dos jardins onde brincaram durante a infância.


Tudo parecia uma despedida temporária, mas havia lágrimas nos olhos das escravas mais antigas, que sabiam mais do que diziam. No mesmo dia, as cinco escravas escolhidas foram preparadas para a viagem em direção oposta. Maria, Rosa, Benedita, Joana e Francisca eram todas jovens, saudáveis e experientes em trabalhos domésticos e nos canaviais.
Foram informadas de que haviam sido vendidas para outra fazenda, algo comum e temido entre os escravizados, pois significava separação de famílias e amigos. Vocês vão trabalhar na fazenda Santa Rita do Coronel Joaquim”, disse o feitor. “Comportem-se bem e não darão trabalho.” As mulheres não tinham escolha.
Foram colocadas numa carroça coberta, seus poucos pertences amarrados em trouxas de pano e iniciaram a viagem que mudaria suas vidas para sempre. As duas carroças partiram em direções opostas na manhã de 15 de março. Clara e Isabel viajaram para o interior, acompanhadas por dois capatazes e uma escrava mais velha que serviria como acompanhante. As cinco escravas viajaram para a cachoeira, escoltadas por um feitor armado.
Nenhum dos grupos sabia completamente o que estava acontecendo. Durante três dias, Clara e Isabel atravessaram estradas de terra, passaram por vilas pequenas e entraram cada vez mais fundo no sertão baiano. A paisagem mudava, os canaviais dando lugar a pastos e áreas de criação de gado. A fazenda Boa Esperança era menor que Santa Rita, mas ainda assim uma propriedade considerável, com cerca de 100 escravos e uma casa grande modesta.
Dona Margarida, a esposa do coronel Antônio, as recebeu com uma frieza que as assustou. “Então vocês são as moças que meu marido negociou”, disse ela, examinando-as de cima a baixo, como se avaliasse mercadoria. Espero que sejam úteis e não me deem trabalho. Foi somente naquele momento que Clara começou a entender a verdade. Negociou? Perguntou ela a voz tremendo. Meu pai disse que viríamos fazer-lhe companhia temporariamente.
Dona Margarida soltou uma risada amarga. Temporariamente, menina. Seu pai trocou vocês por escravas. Vocês agora vivem aqui sob a tutela de meu marido. Quanto mais cedo aceitarem isso, melhor para todos. O choque foi devastador. Isabel, a mais nova, começou a chorar desesperadamente.
Clara, tentando manter a compostura, exigiu ver o coronel Antônio. Quando finalmente o encontrou, ele mostrou-lhe o documento registrado em cartório. “Está tudo legal e documentado”, disse ele. “Seu pai transferiu a tutela de vocês para mim. Em troca, recebi cinco escravas. É um acordo comercial simples. Clara leu o documento com mãos trêmulas, as palavras parecendo irreais.
Ali estava registrado oficialmente. Suas vidas haviam sido trocadas por escravas como se fossem simples mercadorias. “Mas somos suas filhas”, gritou Isabel. “Como ele pode fazer isso?” O coronel Antônio deu de ombros. Perguntem a ele quando o virem novamente, se é que o verão.
Enquanto isso, na fazenda Santa Rita, as cinco escravas chegavam ao seu novo lar. Foram recebidas pelo coronel Joaquim pessoalmente, algo incomum. “Vocês agora trabalham para mim”, disse ele. Maria e Rosa trabalharão na casa grande. Benedita, Joana e Francisca nos Canaviais. Obedeçam e serão bem tratadas. Desobedeçam. e conhecerão o tronco.
As mulheres foram levadas para a censala, onde conheceram os outros escravizados da fazenda. A notícia de que o coronel havia trocado suas filhas por elas já havia se espalhado, causando como entre todos. “Que tipo de homem troca as próprias filhas?”, sussurrou uma escrava mais velha. “Um homem sem alma”, respondeu outra. Maria, a mais velha das cinco, tinha 20 anos. e era particularmente inteligente.
Durante seus primeiros dias na fazenda, observou tudo com atenção. Percebeu que os quartos das filhas do coronel haviam sido esvaziados rapidamente, suas roupas e pertences embalados e guardados no sótam. Notou também que o coronel recebia visitas frequentes de uma mulher elegante de Salvador, dona Eulália, que inspecionava a casa como se já fosse sua dona. Ele fez isso tudo por causa dela.
Maria disse às suas companheiras uma noite na cenzala. Trocou as filhas para casar com aquela mulher rica. A crueldade da transação era evidente para todos os escravizados. Se o Senhor podia trocar as próprias filhas de sangue, o que não faria com aqueles que considerava sua propriedade? Na fazenda Boa Esperança, Clara e Isabel lutavam para se adaptar à nova realidade.
Dona Margarida as tratava com desdém, dando-lhes tarefas domésticas como se fossem criadas, não hóspedes. “Já que estão aqui, vão se tornar úteis”, dizia ela. “bordem estes lenços, organizem aquela arca, ajudem na cozinha”. As irmãs, criadas como senhoritas da elite, agora se viam realizando trabalhos que sempre haviam sido feitos por escravas.
A humilhação era constante e intencional. O coronel Antônio raramente falava com elas, tratando-as como um investimento que ainda não decidira como utilizar. Seus dois filhos, rapazes de 20 e 23 anos, as observavam com interesse que as deixava desconfortáveis. Abril de 1879, trouxe notícias que se espalhariam por toda a região.
O casamento do coronel Joaquim com dona Eulália foi celebrado na Igreja Matriz de Cachoeira numa cerimônia luxuosa que reuniu toda a elite do recôncavo. A ausência de suas filhas foi notada por muitos, mas poucos ousaram perguntar diretamente. “Elas estão visitando parentes no interior?” Era a explicação oficial, mas os rumores começaram a circular. Nas rodas de conversas, nos mercados, nas missas dominicais, as pessoas sussurravam sobre a troca. Você ouviu? O coronel Joaquim trocou as filhas por escravas.
Não pode ser verdade. Nenhum pai faria isso. Mas fizeram. tem documento em cartório e tudo. Os detalhes da transação eventualmente vazaram quando um dos comerciantes que testemunha o documento bebeu demais numa taverna e contou a história. Em questão de semanas, todos em cachoeira e nas fazendas vizinhas sabiam o que havia acontecido. A reação foi mista.
Alguns fazendeiros consideravam o ato repugnante, uma vergonha para qualquer pai. Outros, imersos na mentalidade escravocrata, viam apenas como uma transação comercial inteligente, ainda que incomum. “O homem fez o que precisava para garantir um bom casamento”, comentou um coronel. “Filhas são um fardo até serem casadas.
Pelo menos ele conseguiu algo de valor em troca”. Mas havia também aqueles que viam a troca como um sintoma da degeneração moral causada pela escravidão. “Quando você passa décadas tratando pessoas como propriedade”, disse o padre local num sermão velado, eventualmente esquece de tratar até sua própria família com humanidade.
Na fazenda Santa Rita, as cinco escravas testemunhavam a nova vida do coronel. Dona Eulália assumiu o comando da Casa Grande com pulso firme, reorganizando tudo, demitindo escravas antigas e trazendo suas próprias criadas de Salvador. Maria e Rosa, que trabalhavam dentro da casa, ouviam as conversas entre o casal. “Você fez a coisa certa”, dizia dona Eulalia ao marido.
“Aquelas meninas só atrapalhariam nossa vida. Agora temos paz.” O coronel parecia satisfeito com sua decisão. Nunca mencionava as filhas, como se elas nunca tivessem existido. Seus retratos foram retirados das paredes, seus quartos transformados em outras coisas.
Era como se Clara e Isabel tivessem sido apagadas de sua história. Mas na fazenda Boa Esperança, as duas irmãs não aceitavam passivamente seu destino. Clara, a mais determinada, começou a escrever cartas. escreveu para parentes distantes em Salvador, para o bispo da diocese, para autoridades locais, denunciando o que seu pai havia feito.
“Fomos trocadas como escravas”, escrevia ela. “Nosso próprio pai nos vendeu por conveniência. Isto não pode ser legal, não pode ser aceito pela sociedade.” A maioria das cartas nunca recebeu resposta. Os poucos que responderam expressavam simpatia, mas explicavam que legalmente o pai tinha direito à tutela das filhas e podia transferi-la a quem quisesse.
“Enquanto não forem casadas, vocês estão sob autoridade paterna”, explicou um advogado numa carta. e seu pai transferiu essa autoridade ao coronel Antônio. Não há nada que possam fazer legalmente. Isabel, mais jovem e menos combativa, caiu em profunda depressão. Passava dias inteiros trancada no pequeno quarto que dividia com a irmã, recusando-se a comer, chorando constantemente.
“Ele não nos amava”, repetia ela. “nunca nos amou. éramos apenas coisas para ele, como as escravas, como o gado. Clara tentava consolá-la, mas também lutava contra seus próprios demônios. A traição do pai havia destruído algo fundamental em sua visão de mundo. Fora criada acreditando em sua posição privilegiada na sociedade, em seu valor como filha de um coronel importante.
Agora descobria que até ela, uma mulher branca da elite, era descartável quando convinha aos interesses masculinos. Junho de 1879, trouxe a primeira grande consequência da troca. O filho mais velho do coronel Antônio, Paulo Mendes da Costa, desenvolveu interesse por Clara. Ela tinha beleza, educação e vinha de família importante, ainda que seu pai a tivesse rejeitado.
“Pai”, disse Paulo, “quero casar com Clara. Ela seria uma boa esposa. O coronel Antônio viu a oportunidade. Se casasse Clara com seu filho, poderia alegar que a troca havia sido benéfica para todos. A moça ganharia posição respeitável como esposa de seu herdeiro e ele consolidaria seu controle sobre ela.


Quando a proposta foi apresentada a Clara, sua reação foi de horror e revolta. Casar com o filho do homem que comprou minha tutela como se eu fosse gado? Nunca. Ela se recusou veementemente, apesar das pressões de dona Margarida e até das súplicas de Isabel, que via no casamento uma forma de sua irmã escapar da situação degradante em que viviam. A recusa de Clara teve consequências.
O coronel Antônio, irritado com sua rebeldia, começou a tratá-las ainda pior. As tarefas domésticas aumentaram, os quartos foram trocados por um menor e menos confortável. As refeições ficaram mais simples. “Se não querem cooperar, vão aprender a ser gratas pelo que t”, disse ele. A vida das irmãs deteriorou-se rapidamente.
Em poucos meses, haviam passado de senhoritas mimadas a praticamente servas não remuneradas na fazenda. Agosto trouxe um desenvolvimento inesperado. Maria, a escrava que havia sido trocada por Clara e Isabel, conseguiu algo extraordinário. Inteligente e determinada, ela conquistou a confiança de dona Eulália através de seu trabalho impecável e sua descrição.
A nova, impressionada, começou a dar-lhe responsabilidades maiores, eventualmente colocando-a como supervisora das outras escravas domésticas. Uma noite, Maria ouviu dona Eulália e o coronel discutindo sobre as filhas dele. “Você precisa resolver aquela situação”, dizia Eulia. As pessoas ainda falam sobre a troca. está manchando nossa reputação.
O coronel, bêbado, respondeu com amargura: “O que quer que eu faça? Já me livrei delas, não são mais meu problema.” Maria guardou aquela informação. Nos meses seguintes, começou a juntar pequenas quantias de dinheiro, economizando cada moeda que recebia como gorgeta ou presente. Tinha um plano ousado, comprar sua própria alforria e talvez ajudar as filhas do coronel de alguma forma.
Não por bondade, mas porque via nelas um reflexo de sua própria condição. Todas eram propriedade de homens que as viam como objetos. Setembro de 1879 marcou o ponto de virada. Clara, desesperada, tomou uma decisão radical. Durante uma feira, na vila mais próxima, conseguiu falar com um advogado abolicionista de Salvador, que visitava a região. Dr.
Raimundo Silva, conhecido por defender escravos em processos de liberdade, ficou chocado ao ouvir sua história. “Isto é ultrajante”, disse ele. “Vou levar seu caso aos tribunais e à imprensa. O que seu pai fez pode ser legal tecnicamente, mas é moralmente indefensável. A história de Clara e Isabel chegou aos jornais de Salvador em outubro.
Coronel troca filhas por escravas, escândalo no recôncavo, anunciava o Diário da Bahia. O artigo detalhava a transação, citava o documento do cartório e incluía entrevistas com testemunhas. A reação pública foi imediata e furiosa. O coronel Joaquim Ferreira de Albuquerque, que acreditava ter resolvido seu problema discretamente, viu-se no centro de um escândalo nacional.
Jornais de outras províncias reproduziram a história. Abolicionistas usaram o caso como exemplo da degradação moral causada pela escravidão. Quando uma sociedade normaliza a compra e venda de seres humanos escreveu um editorialista no Rio de Janeiro, inevitavelmente corrompe todas as relações humanas, até as mais sagradas entre pais e filhos. A pressão social tornou-se insuportável.
Dona Eulália, furiosa com a publicidade negativa, exigiu que o marido resolvesse a situação. “Você me disse que estava tudo arranjado discretamente”, gritava ela. “Agora somos a vergonha de toda a província”. O coronel Joaquim tentou se defender, alegando que havia agido dentro de seus direitos legais como pai e tutor, mas a opinião pública não estava do seu lado.
Mesmo outros fazendeiros, muitos dos quais eram igualmente brutais com seus escravos, consideravam que ele havia cruzado uma linha inaceitável. “Você pode chicotear um escravo até a morte e ninguém pisca”, comentou um coronel rival. mas trocar suas próprias filhas por escravas. Isso é doentio até para nossos padrões.
Em novembro de 1879, sob pressão da igreja, das autoridades e da própria esposa, o coronel Joaquim foi forçado a negociar a devolução de suas filhas. O coronel Antônio, percebendo que o escândalo também o prejudicava, concordou em devolvê-las, mas exigiu compensação.
Queria de volta suas cinco escravas ou o valor correspondente em dinheiro. O coronel Joaquim recusou-se a devolver as escravas, que haviam se tornado valiosas para sua propriedade, especialmente Maria, que agora gerenciava toda a casa. Em vez disso, pagou uma quantia em ouro ao coronel Antônio. A transação, ironicamente, tornou oficial o que todos já sabiam. Ele havia literalmente comprado suas filhas de volta. Clara e Isabel retornaram à fazenda Santa Rita.
em dezembro de 1879, 9 meses após terem sido enviadas embora. Mas a casa não era mais seu lar. Dona Eulália as tratava com frieza e ressentimento, culpando-as pelo escândalo. O coronel Joaquim mal olhava para elas, comunicando-se apenas através de ordens curtas e duras. A relação entre pai e filhas estava irreparavelmente destruída.
As cinco escravas que haviam sido trocadas por elas testemunharam o retorno das moças com sentimentos complexos. Maria, especialmente via na tragédia delas uma lição sobre o mundo em que viviam. “No final”, disse ela às suas companheiras, “somos todas propriedade. Elas por serem mulheres, nós por sermos escravas”.
A diferença é que elas pensavam estar seguras por serem brancas e ricas. Aprenderam que ninguém está seguro quando vive num mundo onde pessoas são coisas. O escândalo teve repercussões duradouras. O coronel Joaquim perdeu considerável influência política. Muitos de seus aliados se afastaram, não querendo ser associados ao homem que vendeu as filhas.
Seu casamento com dona Eulália deteriorou-se rapidamente, com brigas constantes sobre quem tinha culpa pelo desastre social. em que se encontravam. Clara nunca se recuperou completamente da traição. Desenvolveu uma visão amarga do mundo e dos homens, recusando todas as propostas de casamento que recebeu nos anos seguintes. “Já fui vendida uma vez”, dizia ela.
“Não entregarei meu destino a outro homem novamente.” Isabel, mais jovem eventualmente casou-se com um comerciante de Salvador em 1883, mas o casamento foi infeliz. Ela nunca superou o trauma de ter sido trocada como mercadoria pelo próprio pai. Maria, a escrava que havia sido o centro involuntário de toda a tragédia, conseguiu comprar sua euforria em 1884, usando o dinheiro que economizara meticulosamente durante 5 anos.
Deixou a fazenda Santa Rita e mudou-se para Salvador, onde trabalhou como costureira livre, construindo uma vida modesta, mas digna. O coronel Joaquim Ferreira de Albuquerque morreu em 1886, 2 anos antes da abolição da escravidão. Sua morte foi marcada por um funeral pequeno e discreto, sem o pompa esperada para um homem de sua posição.
Clara e Isabel compareceram por obrigação social, mas não derramaram lágrimas. A fazenda foi dividida entre credores e herdeiros distantes. Dona Eulália retornou a Salvador, nunca mais se casou. As cinco escravas que haviam sido trocadas pelas filhas do coronel tiveram destinos variados. Maria prosperou como mulher livre em Salvador. Rosa e Benedita foram libertadas pela lei Áurea em 1888.
Joana morreu de tuberculose em 1885. Ainda escrava, Francisca comprou sua alforria em 1887 e trabalhou como quitandeira em cachoeira. A história do coronel que trocou suas filhas por escravas tornou-se lendária no recôncavo baiano, contada e recontada como exemplo da corrupção moral causada pelo sistema escravista.
Era um aviso sobre o que acontece quando uma sociedade normaliza a desumanização de pessoas a ponto de os próprios laços familiares serem tratados como transações comerciais. O caso ilustra como a escravidão corrompia não apenas as vidas dos escravizados, mas toda a estrutura social, transformando até os relacionamentos mais sagrados em questões de conveniência e lucro.
Décadas depois da abolição, os descendentes das pessoas envolvidas ainda carregavam o peso daquela história. Os netos de Clara contavam como ela nunca falava sobre o avô, referindo-se a ele apenas como o homem que me vendeu. Os bisnetos de Maria se orgulhavam de sua ancestral, que conseguira comprar a própria liberdade e reconstruir sua vida com dignidade.
O legado do coronel Joaquim era de vergonha e advertência sobre os perigos de um sistema que reduzia seres humanos à propriedade, onde até os laços de sangue podiam ser quebrados por conveniência. A troca de 1879 permanece como um dos episódios mais perturbadores da história da escravidão no Brasil. Um lembrete sombrio de que quando uma sociedade normaliza a compra e venda de pessoas e todas as relações humanas se tornam transacionais.
O coronel Joaquim Ferreira de Albuquerque queria resolver um problema doméstico e garantir um casamento vantajoso. O que conseguiu foi destruir sua própria linhagem, manchar seu nome para sempre e provar que no sistema escravista ninguém estava verdadeiramente seguro, nem mesmo as filhas dos senhores de engenho. Não.

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