Zeke Hanley nunca havia anunciado seu rancho como um refúgio. Nunca colocou placas ou espalhou a palavra pelas cidades vizinhas. E, no entanto, as crianças continuavam a aparecer à sua porta. Elas chegavam sozinhas ou em pares, às vezes em trio, carregando nada além das roupas no corpo e histórias que faziam qualquer homem de coração duro chorar. Ele sabia que, em algum lugar nas sombras da vastidão do território, havia um acordo não dito que as guiava até ele. Aquelas crianças esquecidas, que ninguém mais queria.
Zeke estava em pé na janela de sua cozinha, observando a mais nova chegada se aproximar através da neblina matinal. Uma menina, talvez com uns 8 anos, arrastando uma bolsa rasgada que era duas vezes o tamanho dela. O vestido que usava era pouco mais do que retalhos costurados, e seu cabelo pendia em nós emaranhados ao redor de um rosto que parecia já ter vivido demais para alguém tão jovem. Ela se movia com os passos cautelosos de quem aprendeu, da maneira mais difícil, que gestos repentinos atraíam a atenção errada.
Esse momento sempre o apertava por dentro, o instante antes de elas chegarem ao seu alpendre. Ele podia ver a esperança e o medo em seus olhos, a esperança de que aquele estranho fosse diferente, e o medo de que ele fosse igual a todos os outros que falharam com elas. A menina parou na porta, olhando a casa como se ela fosse desaparecer ao piscar de olhos. Zeke havia construído aquela casa com suas próprias mãos, há 15 anos, quando ainda acreditava que sua esposa preencheria aquele espaço com o riso de seus próprios filhos.
Ele abriu a porta antes que ela pudesse bater. A menina congelou a mão no ar, hesitando, antes de dar um passo atrás. Seus olhos procuravam algo em seu rosto, algo em que pudesse confiar.
“Tá com fome?”, perguntou Zeke, suavizando sua voz. Ele aprendera que uma voz alta fazia as crianças fugirem. Ela acenou com a cabeça, um movimento brusco e tímido. Eles raramente falavam de imediato. As palavras haviam sido usadas como armas contra elas muitas vezes.
“Qual é o seu nome?”
“Lentine”, ela sussurrou, tão baixo que ele quase não conseguiu ouvir.
“Bem, Lentine, sou o Zeke. Estava indo preparar o café da manhã para outras pessoas que moram aqui. Quer conhecer elas?”
Os olhos dela se arregalaram. Outras pessoas, crianças como ela, que precisavam de um lugar para ficar. Algo em sua expressão mudou. Uma fissura na máscara cuidadosamente construída. Quantas? Sete até agora. Você será a oitava. Zeke se afastou, deixando a porta aberta. “Eles estão lá fora, fazendo os trabalhos, mas logo estarão de volta. Não precisa decidir nada hoje. Só entre e coma algo quente.”
Lentine apertou a bolsa contra o peito, o corpo todo tenso, pronta para correr. Mas algo no rosto enrugado de Zeke fez com que ela tomasse a chance. Ela entrou, cautelosa, como se estivesse entrando numa igreja. Reverente e temerosa.
O que ela não sabia, e o que nenhuma delas sabia quando chegavam, era que Sterling Maddox havia observado o rancho por meses. E Sterling Maddox tinha planos para crianças como ela. Planos que testariam tudo o que Zeke havia construído e o forçariam a escolher entre a segurança que ele criara e a família que ele não estava disposto a perder.
Os outros meninos voltaram dos trabalhos matinais, falando alto enquanto cruzavam o pátio antes de Zeke conseguir vê-los. Clementine se encostou na parede da cozinha, apertando sua bolsa com força enquanto a porta da frente se abria. Um menino de cerca de 12 anos liderava o grupo, com as mangas arregaçadas e sujeira sob as unhas de tanto mexer nas baias.
“Bom dia, Zeke!”, o menino chamou, antes de parar abruptamente ao ver Clementine. Os outros entraram atrás dele, uma menina de cabelos vermelhos e sardas, gêmeos de seis anos, uma garota mais velha com uma cesta de ovos, e dois outros meninos cujas idades estavam entre elas.
Eles ficaram parados, observando Clementine com curiosidade, formando um semicírculo de olhares.
“Pessoal, essa é a Clementine”, Zeke disse, indo até o fogão onde o bacon já estava chiando. “Ela vai ficar com a gente por um tempo.”
A menina de cabelos vermelhos foi a primeira a dar um passo à frente, estendendo uma mão manchada de terra. “Sou a Annie. Estou aqui há uns 4 meses.”
A apresentação foi lenta, cada criança compartilhando seu nome como se oferecesse um pedaço de si mesma. Tommy, o líder de 12 anos. Os gêmeos, Sam e Simon, que falavam em frases incompletas, que apenas eles conseguiam terminar para o outro. Margaret, 15 anos, a mãe substituta do grupo. David, 10 anos, com olhos afiados que não deixavam passar nada.
Finalmente, a pequena Belle, com menos de 5 anos, que se escondeu atrás das saias de Margaret, mas espiou com curiosidade.
“De onde você veio?”, Belle perguntou, sua voz quase um sussurro.
Clementine olhou para seu vestido rasgado. Então, olhou para os rostos reunidos. Essas crianças tinham as mesmas marcas que ela. O cansaço, a forma como se seguravam prontas para fugir, a distância cuidadosa que mantinham, mesmo enquanto demonstravam gentileza. Mas havia algo mais ali. Algo que ela não esperava ver. Elas estavam bem alimentadas, suas roupas eram consertadas, não apenas remendadas com pedaços.
“A estrada”, ela disse finalmente. “Passei 3 dias caminhando.”
“Bom, você não precisa mais caminhar”, Tommy disse com a autoridade de quem se nomeara protetor. “O Zeke cuida da gente bem. Melhor do que qualquer outro lugar por aí.”
Margaret, quebrando ovos numa frigideira, confirmou com um aceno. “Todos aqui têm uma função. Todo mundo trabalha, mas o Zeke faz questão de que a gente coma todo dia e tenha um teto que não vaze.”
Antes que Zeke pudesse responder, o som das batidas de cascos se aproximou da casa. Mas não eram os batimentos casuais do trabalho na fazenda. Eram urgentes, significando algo mais.
“Crianças”, Zeke disse com uma calma que carregava um aviso que todas conheciam. “Vão para os seus quartos agora.”
Mas já era tarde demais. O homem da frente desceu do cavalo com a confiança de quem sempre obtinha o que queria. Seu olhar varreu o rancho como se fosse dele. Ele se aproximou da porta com um sorriso que não atingia os olhos. Era Sterling Maddox, e fosse o que fosse que ele quisesse, Clementine podia ver no rosto de Zeke que não seria bom para ninguém ali.