(1950, Recife) As Práticas Macabras da Família Souza – A Fazenda em que Ninguém Desejava Trabalhar

Bem-vindo a este percurso por um dos casos mais inquietantes registrados na história de Pernambuco. Antes de iniciar, convido você a deixar nos comentários de onde está nos assistindo e o horário exato em que ouve esta narração. Interessa-nos saber até quais lugares e em quais momentos do dia ou da noite chegam estes relatos documentados.


Na região oeste do Recife, próximo à divisa com o município de Camaragibe, existiu uma propriedade que, por quase três décadas foi palco de eventos que os moradores locais preferiam não comentar. A fazenda dos Souza, como era conhecida, ocupava uma área de aproximadamente 200 haares, distribuídos entre plantações de cana de açúcar, rárias de mata preservada e um imponente casarão colonial construído no século XIX.
Os registros históricos dão conta de que a propriedade foi adquirida em 1922 por Abelardo Souza, um comerciante bem-sucedido que, após acumular considerável fortuna com o comércio de tecidos importados, decidiu investir em terras na zona rural da capital pernambucana. Embora hoje seja considerada parte da região metropolitana do Recife, naquela época a área onde ficava a fazenda era consideravelmente isolada.
ligada à cidade apenas por uma estrada de terra que se tornava praticamente intransitável durante a estação chuvosa. A localização geográfica da propriedade parece ter sido cuidadosamente escolhida por Abelardo, distante o suficiente para garantir privacidade, mas não tão remota, a ponto de dificultar o escoamento da produção agrícola. Os mapas da época mostram que a fazenda era limitada ao norte pelo rio Capibaribe, cujas margens sinuosas e densamente arborizadas criavam uma barreira natural a leste por terras pertencentes ao governo estadual, a sul por propriedades menores dedicadas à agricultura familiar
e a oeste por uma extensa área de mata atlântica ainda preservada, que a época era considerada impenetrável. Documentos da época indicam que Abelardo era visto como um homem discreto, metódico e extremamente reservado. Raramente participava de eventos sociais e quando o fazia limitava-se a breves aparições, sempre acompanhado de sua esposa Eulália, uma mulher 15 anos mais jovem, descrita em relatos como possuidora de beleza singular, porém de olhar ausente. O casal não tinha filhos e, segundo consta em registros
eclesiásticos da igreja local, Eulália havia sofrido três abortos espontâneos nos primeiros anos de casamento. Esta informação, entretanto, era tratada com extrema descrição, sendo mencionada apenas em anotações marginais feitas pelo pároco responsável pelos registros matrimoniais da família.
A trajetória profissional de Abelardo antes da compra da fazenda é documentada com certa precisão em registros comerciais da capital pernambucana. filho de um pequeno comerciante do interior do estado. Ele chegou ao Recife, ainda adolescente no início do século XX e começou sua carreira como simples atendente em uma loja de tecidos no centro da cidade.
Em menos de uma década, contudo, já havia estabelecido seu próprio negócio de importação, beneficiando-se da crescente demanda por produtos estrangeiros entre a elite local. Sua ascensão econômica foi notavelmente rápida. e segundo comentários registrados em colunas sociais da época, gerou certa desconfiança nos círculos comerciais mais tradicionais da cidade.
Um artigo publicado em 1918 em um jornal local mencionava sutilmente que o senor ASS, cujo patrimônio parece multiplicar-se com velocidade que desafia as leis naturais do comércio, tem se mostrado particularmente interessado em propriedades rurais afastadas. Esta seria talvez a primeira indicação pública da intenção de Abelardo de afastar-se gradualmente da vida urbana.
Seu casamento com Eulalia ocorreu em 1916, em uma cerimônia descrita pelos jornais da época como discreta, porém elegante. Sobre Eulália, as informações são consideravelmente mais escassas. Sabe-se que era filha de um médico de Olinda que morreu quando ela tinha apenas 17 anos, deixando a família em situação financeira precária.
Como era comum naquela época, o casamento representou para ela uma forma de segurança econômica, mas relatos de pessoas que conviveram com o casal sugerem que a relação era marcada por uma formalidade incomum, mesmo para os padrões da época. Em 1927, algo em comum aconteceu.
Abelardo, então, com 45 anos, realizou uma viagem repentina para o interior da Bahia, retornando três meses depois com um sobrinho, Juvenal Souza, jovem de aproximadamente 20 anos, que, segundo explicações fornecidas à comunidade local, havia perdido os pais em um surto de febre amarela e agora ficaria sob a tutela do tio. A chegada de Juvenal coincidiu com o início da contratação de um número maior de trabalhadores para a fazenda e com o fechamento de diversas áreas da propriedade que passaram a ter acesso restrito, inclusive para os funcionários mais antigos. Esta mudança
abrupta na configuração da propriedade e na dinâmica familiar intrigou a comunidade local. Conversas registradas em depoimentos posteriores revelam que naquele momento muitos questionaram o súbito aparecimento de um sobrinho nunca antes mencionado por Abelardo, que sempre se declarara filho único.
Particularmente interessante é um registro encontrado nos arquivos do cartório local. Três semanas após o retorno da Bahia, Abelardo formalizou um documento designando Juvenal como seu herdeiro universal, caso falecesse sem deixar filhos. Este documento, assinado por duas testemunhas que eram funcionários da fazenda, ambos e letrados que assinaram com impressões digitais, estabelecia também uma generosa mesada para o jovem e o nomeava administrador auxiliar da propriedade, com amplos poderes. Quanto ao próprio Juvenal, os relatos da época o descrevem
como um jovem de aparência comum, ligeiramente franzino, com uma característica marcante. raramente estabelecia contato visual durante conversas, mantendo o olhar fixo em um ponto indefinido. Sua educação formal parecia limitada, mas demonstrava conhecimentos surpreendentes em áreas específicas, particularmente medicina e química, o que gerou especulações sobre possível formação acadêmica incompleta.
Nos primeiros meses após sua chegada, Juvenal raramente deixava a propriedade e, quando o fazia, limitava-se a breves visitas à cidade para compras de suprimentos específicos, sempre retornando antes do anoitecer. De acordo com depoimentos recolhidos décadas depois, foi a partir deste período que começaram a surgir os primeiros relatos sobre a dificuldade em manter trabalhadores na fazenda Souza.
Pessoas que aceitavam emprego lá raramente permaneciam por mais de seis meses e quando questionadas sobre os motivos da saída, limitavam-se a respostas evasivas ou simplesmente mudavam-se para outras cidades, cortando qualquer vínculo com a região. Um registro interessante encontrado no arquivo do antigo jornal local, datado de fevereiro de 1929, menciona brevemente o desaparecimento de dois funcionários da fazenda, caso que, segundo a mesma fonte, foi arquivado pela autoridade policial por falta de elementos que caracterizassem crime. Os desaparecidos em questão eram Joaquim
Ferreira e Antônio Gomes, ambos trabalhadores contratados para a colheita sazonal da cana. Segundo o breve relatório policial, eles teriam abandonado seus postos após receber o pagamento semanal, levando consigo seus poucos pertences.
O curioso é que, conforme registros trabalhistas posteriormente encontrados, ambos haviam recebido na semana anterior ao desaparecimento, uma promoção para trabalhar na área especial de pesquisa agrícola da fazenda, com salário significativamente maior. Nenhum outro documento explica o que seria esta área especial e nenhum outro trabalhador jamais mencionou sua existência em depoimentos posteriores.
Uma carta encontrada entre os pertences deixados por Joaquim, endereçada a sua irmã em Caruaru, continha um trecho perturbador. Fui designado para novo setor, trabalho mais leve e melhor pago. O patrão jovem diz que precisa de homens fortes para experimentos com nova variedade de cana. Algo me incomoda. Talvez seja aquele barracão sempre fechado ou os sons que vêm dele à noite.
Estou pensando em deixar este lugar. A carta nunca foi enviada e a irmã de Joaquim só tomou conhecimento de seu conteúdo anos depois, quando a polícia finalmente reabriu o caso após os eventos de 1950. A década de 1930 marcou o apogeu econômico da fazenda Souza. As exportações de cana de açúcar atingiram níveis recordes e Abelardo expandiu seus negócios, adquirindo terras vizinhas e ampliando significativamente a área da propriedade.


Junto com a prosperidade material, cresceu também o isolamento da família. O casarão principal, originalmente próximo à estrada que ligava Recife a Camaragibe, foi abandonado e uma nova residência foi construída a quase 2 km de distância da entrada da fazenda, em uma área mais elevada, cercada por densa vegetação e protegida por um muro de pedra com mais de 2 m de altura.
Segundo consta em registros da prefeitura local, o projeto da nova construção não foi submetido à aprovação municipal. o que era uma prática comum para propriedades rurais naquela época, mas chamava a atenção pelo tamanho e sofisticação descritos por testemunhas que participaram da obra. O engenheiro contratado para a construção Elias Pontes, deixou um relato detalhado sobre o projeto em suas memórias, publicadas postumamente em 1965.
Jamais trabalhei em uma edificação tão peculiar. As especificações do Sr. Souza eram extremamente detalhadas quanto a certos aspectos. A espessura das paredes, que deveria ser o dobro do convencional, o isolamento acústico completo entre os andares, conseguido através de uma camada de cortiça comprimida entre os pisos, e, principalmente, o sistema de portas e corredores do segundo andar, que criava um verdadeiro labirinto de acessos restritos. Mais estranho ainda era o porão.
Ao invés do espaço aberto típico das construções coloniais, ele foi dividido em 12 compartimentos separados, cada um com sua própria entrada independente, todas convergindo para uma sala central desprovida de janelas. Quando questionei a funcionalidade daquele arranjo, o senhor Juvenal, que supervisionava pessoalmente esta parte da obra, explicou-me vagamente que se tratava de áreas de armazenamento especializado para diferentes tipos de produtos agrícolas sensíveis à contaminação cruzada.
Na época aceitei a explicação, mas hoje me pergunto que tipo de produto agrícola necessitaria de paredes com 1 m de espessura e portas reforçadas com três fechaduras independentes. Nos arquivos históricos do Instituto Estadual de Pesquisa, existe uma única fotografia da nova residência, feita clandestinamente por um entregador de correspondências em 1935.
A imagem, de baixa qualidade e parcialmente deteriorada, mostra uma construção imponente de dois andares, estilo colonial, com amplas varandas e o que parece ser uma torre quadrada em uma das extremidades. O mais intrigante na fotografia não é a arquitetura em si, mas as diversas janelas do segundo andar, todas cobertas por venezianas ou tábuas pregadas, dando ao observador a impressão de que a parte superior da casa estava permanentemente fechada. O entregador que registrou a imagem, identificado apenas como FM, nas
anotações que acompanham a fotografia, escreveu no verso: “A casa que engole a luz do sol”. Francisco Mendonça, o entregador em questão, foi posteriormente identificado e entrevistado por pesquisadores em 1972. Na ocasião, já idoso, ele recordava claramente o episódio. Havia algo naquela casa que parecia sugar a energia de quem se aproximava.
Fiz aquela foto escondido porque algo me dizia que precisava registrar aquilo como uma prova de que existia mesmo. Naquele dia, enquanto esperava que alguém viesse buscar as encomendas, ouvi um som que nunca mais esqueci. como se alguém estivesse arranhando a madeira de dentro para fora, bem atrás de uma daquelas janelas pregadas.
Quando entreguei os pacotes ao capatá, mencionei ter ouvido algo e ele me olhou com tanto pavor que recuou alguns passos. Deve ser o vento”, disse ele. “Mas não havia vento naquele dia. O vento nas casas antigas às vezes faz sons estranhos”, insistiu. Eu sabia que não era o vento, mas também sabia que não deveria insistir.
Aquela foi a última vez que aceitei fazer entregas naquela propriedade. Em 1938, um fato curioso foi registrado nos livros paroquiais da região. Abelardo e Eulália, que até então nunca haviam demonstrado particular interesse religioso, doaram uma quantia significativa para a reforma da igreja local, com a condição específica de que fossem realizadas missas semanais em intenção de almas aprisionadas.
O pedido em comum chamou a atenção do vigário, que fez menção ao evento em suas anotações pessoais recuperadas décadas depois durante o inventário de seus pertences. Em um caderno de capa preta, escreveu: “Recebi hoje a visita do senor Abelardo Souza, que parecia mais abatido e envelhecido do que seria natural para sua idade.
Fez questão de enfatizar a importância das missas pelas almas aprisionadas, repetindo a expressão várias vezes. Quando indaguei se havia alguém específico em sua intenção, limitou-se a fixar o olhar no chão e murmurar algo sobre erros que não podem ser desfeitos. Sua esposa, que o acompanhava, permaneceu em silêncio absoluto durante toda a conversa, com os olhos vidrados e distantes, como se seu espírito estivesse em outro lugar.
O vigário padre Anselmo Coelho continuou observando o casal durante as missas dominicais que se seguiram. Em suas anotações datadas de dois meses após a doação, ele registrou: “O comportamento da senora Reulália durante os serviços religiosos é profundamente perturbador. Permanece completamente imóvel durante toda a cerimônia, exceto nos momentos em que mencionamos as orações pelos falecidos.
Nestes instantes, começa a balançar-se sutilmente para a frente e para trás, com os lábios se movendo em alguma prece silenciosa que não acompanha a liturgia. Hoje, após a missa, aproximei-me para oferecer uma bênção pessoal e notei que suas mãos apresentavam escoriações recentes nos pulsos, como se tivesse sido amarrada ou se debatido contra algum tipo de contenção. Quando perguntei sobre os ferimentos, o Sr.
Abelardo rapidamente interveio, explicando que a esposa havia caído no jardim. A explicação poderia ser plausível, não fosse pelo padrão circular e simétrico das marcas. Entre 1940 e 1945, período coincidente com a Segunda Guerra Mundial, as informações sobre a fazenda Souza tornam-se escassas. Sabe-se por registros comerciais que a produção de cana de açúcar continuou crescendo.
Porém, a administração passou a ser feita quase exclusivamente por Juvenal, que raramente era visto na cidade. O sobrinho de Abelardo, agora um homem na casa dos 30 anos, havia se tornado conhecido por sua personalidade introvertida e temperamento instável. Segundo depoimentos de comerciantes da época, Juvenal frequentemente demonstrava súbitos acessos de irritação quando contrariado, seguidos por períodos de calma inquietante.
Um destes comerciantes, cujo depoimento foi registrado em uma entrevista concedida a um pesquisador da Universidade Federal em 1970, descreveu um encontro perturbador com o Juvenal. Era fim de tarde e eu estava fechando meu armazém quando ele chegou.
Disse que precisava de seis sacos de cal virgem, mas eu não tinha aquela quantidade em estoque. Quando informei que só poderia fornecer dois sacos, seu rosto transformou-se completamente. As pupilas dilataram, as mãos começaram a tremer e ele sibilou algo como: “Vocês nunca entendem a urgência”. Depois, tão repentinamente quanto havia se alterado, recuperou a compostura, pagou pelos dois sacos disponíveis e saiu calmamente, como se nada tivesse acontecido.
O comerciante em questão, José Alves da Silva, acrescentou em seu depoimento um detalhe que não consta nos registros oficiais. O mais estranho não foi sua mudança repentina de humor, mas o que percebia em suas roupas. Embora estivesse impecavelmente vestido como sempre, notei que a manga de seu palitó tinha uma mancha escura que ele tentava esconder.
Quando se inclinou para pegar o dinheiro, a manga levantou ligeiramente e pude ver que a mancha continuava em seu punho e antebraço. Tinha a aparência de sangue seco e não era pouco. Mais perturbador ainda foi o cheiro que emanava dele, uma mistura de formolver. como carne em decomposição, mas diferente, mais doce de alguma forma.
Depois que saiu, tive que abrir todas as janelas, pois o odor permaneceu no ambiente por horas. Durante os anos de guerra, a fazenda Souza tornou-se ainda mais isolada. Com o racionamento de combustível e as restrições de movimento impostas pelo governo, as visitas à propriedade tornaram-se raras, mesmo por parte de autoridades locais.
Um fato curioso registrado em documentos militares da época é que a fazenda foi listada como ponto de interesse estratégico pelo exército brasileiro, devido à sua proximidade com o litoral e ao fato de possuir uma estação de rádio própria, instalação incomum para propriedades rurais da época. Um relatório de inspeção datado de março de 1943 menciona que o equipamento de comunicação encontrado na propriedade é significativamente mais avançado do que seria necessário para fins agrícolas ou comerciais comuns, mas a investigação foi descontinuada após a intervenção de
um político local que garantiu a lealdade da família Souza ao esforço de guerra, um aspecto que intrigava a população local era a constante rotatividade de trabalhadores na fazenda, fenômeno que se intensificou durante a década de 40. Em uma região onde o desemprego era comum e as oportunidades de trabalho escassas, seria natural que uma propriedade que pagava salários acima da média local, como era o caso da fazenda Souza, não tivesse dificuldades para manter sua força de trabalho. No entanto, conforme documentado em registros trabalhistas da
época, raramente um funcionário completava seis meses de serviço. Mais desconcertante ainda era o fato de que muitos ex-empregados da fazenda mudavam-se para outras cidades sem deixar endereço ou qualquer meio de contato. Os registros de pagamento da fazenda, recuperados durante a investigação de 1950 revelam um padrão curioso.
Além dos salários normais, existia uma categoria de pagamento denominada apenas como serviço especial, com valores significativamente maiores, frequentemente distribuídos a trabalhadores que pouco depois deixavam o emprego ou desapareciam. Uma entrada particularmente intrigante datada de agosto de 1944 lista um pagamento excepcionalmente alto a quatro trabalhadores identificados apenas por números sem nomes, com a observação último pagamento, serviço concluído.


Nenhum destes trabalhadores voltou a aparecer em registros posteriores, seja na fazenda ou em qualquer outro estabelecimento da região. Em uma pasta encontrada no arquivo municipal, durante uma reorganização do acervo em 1972, foram descobertos depoimentos fragmentados de alguns desses trabalhadores. A maioria limitava-se a descrições vagas sobre condições insalubres ou ambiente opressivo, mas um documento em particular destacava-se pela riqueza de detalhes. Era uma carta escrita por um ex-capataz da fazenda, identificado apenas pelas iniciais MRS, datada de
dezembro de 1942 e endereçada ao delegado regional. O texto, que aparentemente nunca foi considerado pelas autoridades da época, dizia: “Esmo, senhor delegado, tomo a liberdade de escrever-lhe esta carta para relatar eventos perturbadores, dos quais fui testemunha durante meus 4 meses como capataz na propriedade do senhor Abelardo Souza.
Esclareço de imediato que não possuo provas concretas de qualquer crime, apenas observações que, somadas levantam suspeitas que não posso ignorar. Primeiro, chama a atenção o acesso extremamente restrito a certas áreas da fazenda, especialmente o porão da casa principal e um galpão isolado próximo à área de mata.
Durante todo o meu período de trabalho, jamais presenciei a abertura dessas áreas, mesmo para limpeza ou manutenção. Segundo, são perturbadores os sons noturnos que emanam dessas áreas restritas. Não me refiro a ruídos comuns como o de animais ou o vento, mas há um tipo específico de som rítmico, semelhante a batidas cadenciadas, sempre nas noites de Lua Nova.
Terceiro, e talvez mais inquietante, são as manchas escuras que periodicamente aparecem no solo próximo ao galpão mencionado, sempre cobertas rapidamente com cal virgem, sob ordens expressas do senhor Juvenal, sobrinho do proprietário. Por fim, não posso deixar de mencionar o comportamento da senora Eulália, esposa do senor Abelardo, que vive em completo isolamento no segundo andar da residência.
Em uma única ocasião, ao levar documentos urgentes para a assinatura do patrão, vislumbrei-a brevemente através de uma porta entreaberta. estava sentada em uma cadeira de balanço com o olhar fixo na parede, murmurando repetidamente algo que soava como: “Eles ainda respiram lá embaixo”.
Deixei o emprego no dia seguinte e pretendo deixar esta região o quanto antes. Não busco providências oficiais, pois reconheço a falta de evidências concretas. Apenas registro estes fatos para que, se algo de mais grave vier à luz futuramente, saiba-se que houve alertas prévios. Respeitosamente, MRS. O autor da carta foi posteriormente identificado como Manuel Rodrigue Silva, que se mudou para o Rio Grande do Sul logo após enviar o documento, quando finalmente localizado por investigadores, em 1952, recusou-se terminantemente a discutir sua experiência na fazenda, alegando temer por sua segurança. Seu único
comentário adicional registrado no relatório policial foi. Há coisas que o ser humano não deveria presenciar. O que quer que esteja enterrado naquela propriedade, deve permanecer enterrado. Mexer nisso só trará mais sofrimento. Silva faleceu dois meses após essa entrevista, vítima de um acidente automobilístico nunca completamente esclarecido.
Um detalhe perturbador da carta de Silva, que não recebeu a devida atenção na época, foi a menção às batidas cadenciadas ouvidas nas noites de Lua Nova. Esta observação seria corroborada por diversos outros relatos posteriores, sugerindo um padrão consistente de atividade na propriedade. Um estudo das fases lunares entre 1942 e 1949 revelou uma correlação inquietante.
Dos 23 desaparecimentos registrados na região durante esse período, 17 ocorreram exatamente em noites de Lua Nova e os seis restantes aconteceram no dia imediatamente anterior ou posterior. Essa correlação, identificada apenas durante a revisão do caso em 1970 nunca foi explicada satisfatoriamente. O período entre 1946 e 1948 registrou uma mudança significativa no padrão de comportamento da família Souza.
Após anos de isolamento quase completo, Abelardo, agora um homem de 66 anos, começou a fazer aparições mais frequentes na cidade. Testemunhas da época descrevem-no como envelhecido, muito além de sua idade cronológica, com um semblante perpetuamente abatido e expressão atormentada. Curiosamente, estas aparições coincidiam sempre com visitas ao escritório de um advogado localizado em direito sucessório.
Documentos encontrados posteriormente no cartório da comarca revelam que neste período Abelardo alterou seu testamento pelo menos três vezes, cada nova versão, modificando substancialmente as disposições sobre sua propriedade. O advogado em questão, Dr. Augusto Meirelles manteve registros meticulosos de seus encontros com Abelardo.
Em suas anotações pessoais confiscadas durante a investigação, ele escreveu: “Meu cliente parece cada vez mais perturbado. Hoje solicitou uma nova alteração no testamento, desta vez incluindo uma cláusula específica, determinando que qualquer área selada ou trancada da propriedade deve permanecer intocada após minha morte. sob pena de anulação completa da herança.
Quando perguntei a razão desta estipulação tão peculiar, ele fixou o olhar em um ponto distante e murmurou: “Algumas portas, uma vez abertas, não podem mais ser fechadas. Mais preocupante ainda foi sua insistência em incluir uma quantia significativa para a manutenção perpétua do que ele chamava de instalações de contenção.
Questionado sobre a natureza destas instalações, limitou-se a dizer que servem para manter separados os mundos que não devem se encontrar. Confesso que comecei a duvidar da sanidade do Sr. Souza, mas sua lucidez em todos os outros aspectos legais e financeiros contradiz qualquer suspeita de senilidade.
As versões sucessivas do testamento revelam uma progressiva transferência de responsabilidade para a Juvenal, com a peculiaridade de que cada nova versão impunha condições mais rígidas e específicas sobre a manutenção de certas áreas da propriedade. A versão final, assinada apenas duas semanas antes da morte de Abelardo, incluía um codicilo selado que, segundo as instruções, só deveria ser aberto quando os sons cessarem completamente.
Este documento selado nunca foi localizado durante as investigações posteriores. Em 1949, um evento extraordinário abalou a rotina da região. Em uma madrugada de março, trabalhadores que passavam pela estrada próxima à fazenda avistaram um clarão intenso vindo da direção da propriedade. No dia seguinte, soube-se que o galpão isolado, frequentemente mencionado em relatos como uma área de acesso restrito, havia sido completamente destruído por um incêndio.
As autoridades locais, acionadas apenas pela manhã, encontraram no local um juvenal visivelmente transtornado, que insistia na tese de um acidente causado por um lampião derrubado. O laudo pericial, elaborado de forma superficial, prática comum na época para propriedades de famílias influentes, acatou a versão apresentada, apesar da ausência de vestígios que a corroborassem.
O que o documento oficial não registrou, mas foi relatado informalmente por um dos policiais presentes, era o forte odor de carne queimada que emanava dos escombros, intenso demais para ser explicado pela simples presença de ratos ou outros pequenos animais. O policial em questão, sargento Cloves Bezerra, mencionou anos mais tarde em seu depoimento, que o cheiro não era apenas de carne queimada comum, mas algo profundamente errado, como se fosse uma mistura de odores que não deveriam existir juntos.
Ele também relatou ter notado algo peculiar nos escombros. Entre as cinzas e restos carbonizados, encontrei diversos objetos metálicos que pareciam instrumentos cirúrgicos: Bisturis, forceps, serras pequenas, todos deformados pelo calor, mas ainda reconhecíveis. Quando os apontei para o delegado, ele olhou brevemente e ordenou que deixássemos tudo como estava.
Não há nada de estranho em equipamentos agrícolas especializados”, disse ele, embora qualquer pessoa com o mínimo de discernimento pudesse ver que aquilo não tinha nada a ver com a agricultura. Mais tarde, naquele dia, quando voltamos para fazer um levantamento mais detalhado, todos os instrumentos haviam desaparecido dos escombros. Bezerra acrescentou um detalhe perturbador.
O que mais me impressionou foi o porão do galpão. Sim, havia um porão, algo incomum para esse tipo de construção. A entrada estava parcialmente exposta devido ao colapso do piso superior durante o incêndio. Era um espaço de aproximadamente 5 m/5, com paredes de pedra e sem janelas.
O fogo praticamente não atingiu aquela área, o que me permitiu observar detalhes inquietantes, argolas de metal fixadas nas paredes em alturas variadas, muitas delas com restos do que pareciam ser correntes ou correias de couro, um sistema de drenagem no centro do piso, semelhante aos encontrados em matadouros, e mais perturbador marcas de arranhões nas paredes, especialmente intensas próximas às argolas, como se alguém ou algo tivesse tentado desesperadamente se libertar. Quando mencionei essas observações no relatório preliminar, o delegado rasgou a página na minha frente
e disse que eu estava imaginando coisas. No relatório final, o porão nem sequer foi mencionado. Nas semanas seguintes ao incêndio, observou-se uma mudança radical no comportamento de Abelardo. O homem, antes reservado e metódico, tornou-se visivelmente agitado, fazendo aparições frequentes na igreja local, onde passava horas em aparente estado de oração profunda.
O pároco da época registrou em seu diário pessoal que o antigo fazendeiro repetidamente solicitava bênçãos especiais. e orações para aqueles que partem sem preparação. Em abril daquele mesmo ano, Abelardo foi encontrado morto em seu escritório na fazenda, vítima do que o médico local classificou como parada cardíaca, diagnóstico comum na época, para mortes súbitas, sem sinais evidentes de violência.
O médico que examinou o corpo, Dr. Fernando Gomes, posteriormente admitiu em depoimento confidencial que havia encontrado elementos perturbadores que não incluiu no relatório oficial. O Senr. Souza apresentava sinais consistentes com extremo terror no momento da morte. O rosto estava congelado em uma expressão de horror absoluto, os olhos tão abertos que as pálpebras estavam retraídas de forma não natural e as mãos crispadas como garras.
Mais significativo ainda, ele aparentemente havia tentado bloquear a porta do escritório com uma pesada estante de livros que encontrei parcialmente deslocada. A porta tinha marcas recentes de arranhões pelo lado de dentro, sugerindo que ele tentou desesperadamente impedir a entrada de alguém. ou algo. No entanto, não havia sinais de entrada forçada e todos os funcionários da casa afirmaram que ele estava sozinho no escritório durante toda a noite.
A única outra pessoa presente na casa era o senhor Juvenal, que afirmou estar dormindo no momento da morte, e a senora Eulália, que estava como sempre em seus aposentos no segundo andar. Gomes acrescentou uma observação final perturbadora.
O que mais me intrigou foi um detalhe que notei no pescoço do falecido, uma marca circular perfeita, como se um objeto cilíndrico de aproximadamente 2 cm de diâmetro tivesse sido pressionado contra a pele com força considerável. A marca não apresentava ruptura de vasos ou hematoma, sugerindo que foi feita após a morte. Quando perguntei a Juvenal sobre isso, ele pareceu momentaneamente confuso.
Depois sugeriu que poderia ser resultado do colarinho apertado da camisa. A explicação era claramente absurda, mas na atmosfera opressiva daquela casa não me senti inclinado a insistir no assunto. A morte de Abelardo marcou o início de uma nova e sinistra fase na história da propriedade. Com o falecimento do patriarca, a administração da fazenda passou oficialmente para Juvenal, que implementou mudanças radicais na organização da propriedade.
O acesso antes restrito tornou-se praticamente impossível. Muros mais altos foram erguidos, guardas foram contratados para patrulhar os limites da terra e as raras contratações de trabalhadores passaram a priorizar pessoas de outras regiões sem vínculos com a comunidade local. Quanto a Eulia, viúva de Abelardo, praticamente desapareceu da vista pública, com raros registros de sua existência, limitando-se a breves menções em documentos administrativos da fazenda.
Registros comerciais deste período mostram uma mudança significativa no perfil de compras da fazenda. As aquisições de insumos agrícolas diminuíram drasticamente, enquanto aumentaram exponencialmente as compras de produtos químicos, especialmente formol, clorofómio, éter e diversas substâncias preservativas.
Igualmente notável, foi a aquisição de grandes quantidades de equipamentos médicos e cirúrgicos, incluindo uma mesa de operações completa, adquirida de um hospital em liquidação no Recife e um gerador elétrico de alta capacidade, em comum para propriedades rurais da época. Os registros mostram também a contratação de serviços de transporte para a entrega de equipamentos especializados vindos do Rio de Janeiro e São Paulo, sem especificação detalhada da natureza destes equipamentos.
Particularmente intrigante foi a correspondência entre Juvenal e um professor universitário argentino, identificado apenas como Dr. M. encontrada entre os documentos confiscados após os eventos de 1950. As cartas escritas em espanhol técnico e frequentemente usando terminologia médica obscura, discutiam o que chamavam de persistência da consciência em sistemas isolados e metodologia de estímulo para resposta autônoma em tecidos separados.
Uma das cartas datada de fevereiro de 1950 continha um trecho especialmente perturbador. Seus resultados sobre a comunicação entre compartimentos são fascinantes e poderiam representar um avanço significativo em nossa compreensão da natureza da consciência. Se realmente conseguiu documentar padrões coordenados de resposta entre sujeitos que não têm contato físico ou visual entre si, isso sugere um canal de comunicação que a ciência tradicional não reconhece.
Aguardo ansiosamente as amostras preservadas que prometeu enviar para que possa verificar, independentemente suas observações sobre as modificações estruturais no tecido neural após exposição prolongada ao seu procedimento de isolamento. Em 1950, a região foi abalada por uma série de desaparecimentos.
Entre março e outubro daquele ano, seis pessoas foram dadas como desaparecidas na área rural entre Recife e Camaragibe. As vítimas não apresentavam qualquer padrão óbvio. Eram homens e mulheres de diferentes idades e ocupações, tendo como único denominador comum o fato de terem sido vistas pela última vez, transitando pelas estradas próximas à fazenda Souza.
As investigações policiais, conforme documentado em relatórios da época, foram superficiais e inconclusivas. Em todos os casos, após algumas semanas de buscas infrutíferas, os inquéritos foram arquivados por falta de evidências que apontassem para um crime. Um levantamento posterior dos desaparecidos revelou um padrão que passou despercebido na época.
Todos eram pessoas sem laços familiares fortes na região, viajantes, trabalhadores, itinerantes ou indivíduos socialmente isolados, cuja ausência não seria imediatamente sentida ou investigada com vigor. A única exceção foi o caso que acabaria expondo toda a história, o jovem Carlos Mendes, de 19 anos, filho único de Alfredo Mendes, um dos comerciantes mais influentes do Recife.
Ao contrário das outras vítimas, Carlos vinha de uma família de posses. Tinha uma ampla rede social e seu desaparecimento não passaria despercebido, nem seria facilmente arquivado. O ponto de inflexão ocorreu em novembro de 1950, quando Carlos desapareceu enquanto retornava de uma visita a familiares em Camaragibe.
A posição social da família da vítima forçou as autoridades a conduzirem uma investigação mais rigorosa, incluindo buscas sistemáticas na região. Foi durante uma dessas operações que uma descoberta perturbadora ocorreu nos limites da fazenda Souza.
De acordo com o relatório policial preservado nos arquivos estaduais, uma equipe de busca identificou próximo a uma área de mata densa na extremidade sul da propriedade, sinais de solo recentemente perturbado. A escavação inicial revelou fragmentos de tecido que coincidiam com as descrições das roupas usadas pelo jovem desaparecido no dia de seu sumo. Aprofundando as buscas naquela área, os investigadores localizaram uma espécie de fossa clandestina, onde foram encontrados restos humanos em diferentes estágios de decomposição.
O laudo pericial, realizado com os recursos limitados da época, identificou preliminarmente restos de pelo menos cinco pessoas diferentes. O tenente Raul Cardoso, que liderou a equipe de busca, descreveu o momento da descoberta. Notamos inicialmente uma área onde a vegetação estava diferente, mais verde e vigorosa que o entorno, formando um retângulo quase perfeito de aproximadamente 2 m por3.
Ao cavar, encontramos uma camada de cal e abaixo dela o que parecia ser uma vala comum. Os corpos ou o que restava deles estavam dispostos de uma forma que nunca tinha visto antes. Não simplesmente empilhados, mas cuidadosamente arranjados em um padrão radial, com as cabeças ao centro e os membros apontando para fora, como os raios de uma roda.
Mais estranho ainda era o estado dos corpos. Alguns estavam em avançado estado de decomposição, enquanto outros pareciam estranhamente preservados, como se tivessem sido submetidos a algum processo de embalsamamento rudimentar. Mas o detalhe mais perturbador eram as incisões cirúrgicas precisas que todos apresentavam, cortes limpos que abriam o crânio, tórax e abdômen com certos órgãos aparentemente removidos com precisão quase profissional.
A descoberta levou à prisão imediata de Juvenal Souza, encontrado na casa principal da fazenda, em estado de aparente desequilíbrio mental, repetindo incessantemente que era apenas o que precisava ser feito. Durante as buscas na residência, os policiais fizeram outra descoberta macabra. No porão da casa, acessado por uma porta oculta sob um tapete na biblioteca, existia um cômodo de aproximadamente 20 m quadrados, com paredes revestidas de material isolante acústico.
No centro do cômodo havia uma mesa de madeira maciça equipada com correias de couro e diversos instrumentos metálicos, cuja função exata os relatórios policiais preferiram não especificar detalhadamente. O sargento Miguel Pontes, que participou da operação, ofereceu em seu depoimento uma descrição mais explícita do local. Parecia uma combinação bizarra de sala cirúrgica e câmara de tortura medieval.
Além da mesa central, com correias para imobilizar uma pessoa pelos pulsos, tornozelos, pescoço e testa, havia uma série de instrumentos metálicos dispostos ordenadamente sobre uma bancada lateral. Bisturis de diversos tamanhos, serras cirúrgicas, trepanadores, forceps, agulhas curvas para sutura e outros aparelhos cuja função eu não conseguia imaginar.
Todos impecavelmente limpos e organizados. Nas paredes havia prateleiras com dezenas de frascos de vidro, contendo o que pareciam seres péssimes, preservados em líquido, principalmente fragmentos do que identificamos mais tarde como tecido cerebral humano. Cada frasco meticulosamente etiquetado com datas e uma série de códigos que não faziam sentido para nós.
Mais perturbador era um conjunto de seis grandes tanques de vidro dispostos ao longo da parede mais afastada. Cada um contendo o que parecia ser um cérebro humano completo, suspenso em líquido transparente e conectado a um complexo sistema de tubos e fios elétricos ligados a um aparelho que emitia pulsos regulares. Ao lado de cada tanque havia um caderno com anotações detalhadas sobre o que chamava de respostas a estímulos e padrões de comunicação.
Ainda mais perturbador foi o encontro com Eulália, viúva de Abelardo, no segundo andar da casa. A mulher, então, com 63 anos, foi encontrada em um quarto totalmente desprovido de móveis, exceto por uma cadeira de balanço posicionada de frente para a parede. Segundo o depoimento dos policiais, ela não demonstrou qualquer reação à entrada dos agentes, mantendo-se em um estado catatônico, balançando-se ritmicamente enquanto murmurava palavras ininteligíveis.
Quando finalmente foi retirada do local e questionada sobre os eventos na fazenda, sua única resposta coerente, repetida várias vezes foi: “Os sons nunca param. Eles continuam batendo nas paredes, mesmo quando já não deveriam ter forças para isso. A inspetora Rosa Almeida, única mulher na equipe policial e encarregada especificamente de acompanhar Eulália, registrou observações adicionais.
A Sora Souza apresentava sinais claros de negligência prolongada e possível abuso. Estava severamente desnutrida, com unhas e cabelos não cortados há meses e apresentava marcas de contenção nos pulsos e tornozelos. Seu olhar era o de alguém que tinha se desconectado da realidade como mecanismo de defesa. Mais perturbador ainda foi o que encontrei em sua escassa bagagem pessoal quando a preparamos para a transferência.
Um diário escrito em uma caligrafia progressivamente mais errática e incoerente que documentava o que ela chamava de As vozes sob o açoalho. As entradas iniciais datadas de 1928 eram lúcidas e expressavam preocupação com as atividades do sobrinho do marido no galpão isolado.
As entradas posteriores tornavam-se gradualmente mais fragmentadas e paranoicas, com frequentes menções. A eles sabem que posso ouvi-los e batem em código para que eu os liberte. As últimas páginas conham apenas desenhos repetitivos de círculos concêntricos e a mesma frase escrita centenas de vezes: “Quando se separa o recipiente, para onde vai o conteúdo?” O processo judicial que se seguiu foi notavelmente breve para os padrões da época.
Juvenal Souza foi considerado mentalmente incapaz de responder pelos crimes e internado em uma instituição psiquiátrica na capital do estado, onde faleceu menos de três anos depois, sem jamais fornecer explicações coerentes para suas ações. Quanto a Eulália, foi declarada igualmente inapta para julgamento e colocada sob os cuidados de uma instituição religiosa, onde permaneceu em estado de mutismo seletivo até sua morte em 1957. O Dr.
Ricardo Guimarães, psiquiatra que acompanhou o Juvenal durante seu internamento, deixou registros detalhados sobre o caso. O paciente apresenta um quadro fascinante de delírio estruturado, centrado na crença de que a consciência humana pode existir independentemente do corpo físico, se adequadamente isolada e preservada.
fala obsessivamente sobre suas tentativas de separar o recipiente do conteúdo e sobre conexões invisíveis que permitem que consciências libertas se comuniquem entre si. O mais perturbador é a lucidez com que expõe sua teoria pseudocientífica. argumenta que o cérebro humano, quando separado do corpo, mas mantido em um ambiente controlado, com nutrientes e estímulos elétricos específicos, pode não apenas manter a consciência, mas desenvolvê-la em direções anteriormente limitadas pela prisão corpórea.
Afirma ter desenvolvido um método para mapear estas consciências isoladas e estabelecer comunicação entre elas, apesar de estarem fisicamente separadas. menciona repetidamente um avanço recente em que teria documentado comunicação coordenada entre seus sujeitos, descrevendo como começaram a bater em padrões rítmicos idênticos, apesar de não terem qualquer meio físico ou sensorial para coordenar suas ações.
Segundo sua elaboração delirante, isto seria a evidência de que libertou algo que agora existe em um plano diferente, mas ainda pode interagir com o nosso mundo. Guimarães acrescentou uma nota pessoal ao final de seu relatório. Devo confessar que, apesar de meu treinamento científico e ceticismo profissional, há algo profundamente perturbador na consistência e convicção com que Souza descreve seus experimentos.
Mais inquietante ainda é o fato de que em três ocasiões diferentes observei o paralisar-se completamente durante nossas sessões, inclinar a cabeça como se estivesse ouvindo algo e então murmurar: “Sim, eu sei que você está aí.” “Não, não posso ajudá-lo a voltar.” Quando questionado sobre com quem estava falando, ele simplesmente sorriu e disse: “Eles me encontraram até aqui.
As paredes não são barreira quando se existe parcialmente em outro lugar.” Confesso que após estas sessões, encontrei-me verificando repetidamente se havia alguém atrás de mim, tamanha a sensação de presença que aquele homem conseguia evocar com suas palavras. As investigações posteriores revelaram aspectos ainda mais sombrios do caso.
Análises forenses mais detalhadas dos restos encontrados na propriedade indicaram que muitas das vítimas haviam sobrevivido por períodos prolongados antes da morte, apresentando sinais de privação alimentar severa e contenção física. Mais inquietante ainda foram as marcas encontradas em alguns dos ossos, sugerindo um padrão sistemático de incisões precisas. realizadas com instrumento cirúrgico em regiões específicas do corpo, que não seriam imediatamente fatais. O Dr.
Paulo Mendonça, médico legista que examinou os restos recuperados, notou em seu relatório um aspecto particularmente perturbador. Em pelo menos três dos crânios examinados, observamos um padrão de trepanação executada com notável precisão, sugerindo conhecimento anatômico avançado. Os orifícios, de aproximadamente 2 cm de diâmetro foram feitos em locais que minimizariam o dano. áreas críticas do cérebro, potencialmente permitindo que o indivíduo sobrevivesse ao procedimento.
Mais significativo ainda, as bordas dos orifícios apresentam sinais de cicatrização, indicando que as vítimas permanecerão vivas por semanas ou mesmo meses após estas intervenções. Um exame microscópico dos fragmentos de tecido cerebral encontrados na propriedade revela algo ainda mais desconcertante.
Evidências de uma rede de finos filamentos metálicos introduzidos em padrões específicos pelo tecido neural, em uma configuração que lembra vagamente os primeiros experimentos de estimulação elétrica cerebral, mas com uma complexidade que sugere um propósito mais sofisticado do que simples estimulação. A natureza exata deste procedimento e sua finalidade permanecem um mistério, mas sua execução demonstra um conhecimento que vai muito além do que seria esperado de alguém sem formação médica formal.
Durante o inventário dos pertences da família, foi descoberto, oculto em um compartimento secreto na escrivaninha de Juvenal, um diário encadernado em couro escuro. O conteúdo, parcialmente destruído pela ação do tempo e da humidade, revelava anotações metódicas sobre o que ele chamava de experimentos para a libertação da essência vital.
As entradas datadas entre 1938 e 1950 descreviam, em termos quase clínicos, procedimentos realizados em pessoas não identificadas, com observações detalhadas sobre resistência física, limites da consciência e métodos de prolongamento. A análise minuciosa do diário realizada pelo Dr. Alberto Campos, psiquiatra forense, revelou uma progressão perturbadora.
As primeiras entradas mostram uma abordagem quase ingênua, baseada na crença de que a consciência poderia ser liberada através de estados alterados induzidos por privação sensorial, desidratação controlada e administração de substâncias psicoativas. Juvenal documentou meticulosamente os resultados, geralmente descrevendo alucinações e delírios de seus sujeitos como evidência de consciência parcialmente liberada.
Em torno de 1942, há uma mudança significativa de metodologia. Ele começa a descrever intervenções cirúrgicas diretas, inicialmente limitadas a pequenas incisões no couro cabeludo, mas progressivamente mais invasivas. culminando com o que chama de separação completa, a remoção do cérebro de um indivíduo ainda vivo e sua manutenção em um ambiente nutriente controlado.
O nível de detalhe técnico nestas descrições é assustador, sugerindo que Juvenal possuía conhecimentos médicos e cirúrgicos muito além do que seria esperado de um leigo ou que tinha acesso a colaboradores com formação especializada. Campos acrescenta a parte mais perturbadora do diário são as observações sobre o que ele chama de comunicação entre recipientes isolados.
A partir de 1946, Juvenal começa a documentar sistematicamente o que descreve como padrões de resposta coordenada entre diferentes cérebros preservados, afirmando que sujeitos sem qualquer meio físico de comunicação, começaram a produzir padrões elétricos idênticos e simultâneos. Inicialmente, ele atribui isso à coincidência ou a alguma forma de contaminação experimental, mas gradualmente desenvolve a convicção de que as consciências isoladas estabeleceram um canal de comunicação independente de meios físicos convencionais. As entradas finais do diário, escritas nos meses que antecederam sua prisão, demonstram uma
obsessão crescente com este fenômeno, conjuvenal, descrevendo tentativas de estabelecer comunicação direta com estas consciências libertas e fazendo referências cada vez mais frequentes a batidas rítmicas e códigos que acreditava estar decifrando. Particularmente perturbadora, era uma passagem datada de abril de 1949, semanas após o incêndio no galpão isolado, onde Juvenal escreveu: “O fogo foi necessário.
” Eles estavam ficando muito conscientes, começando a coordenar os sons. Tio perdeu o controle após o incidente. Diz que os ouve em seus sonhos batendo em uníssono. Teme que tenham encontrado um meio de se comunicar mesmo depois do procedimento final. Amanhã iniciarei a preparação do novo espaço. A sala no porão oferece melhor isolamento acústico, mas o transporte se torna mais difícil.
Será necessário selecionar sujeitos mais leves para a nova fase. Outra entrada, datada de junho do mesmo ano, acrescentava detalhes ainda mais inquietantes. O sujeito 17 demonstra a capacidade notável de influenciar seu ambiente mesmo após separação completa. Ontem, durante o procedimento de estímulo regular, as luzes do laboratório piscaram em sincronia perfeita com seu padrão de resposta elétrica.
No início, suspeitei de uma falha no gerador, mas testes subsequentes não revelaram qualquer anomalia no sistema elétrico. Mais significativo foi o comportamento de Tiu, que entrou no laboratório durante o evento, ficou paralisado na porta, com o olhar fixo no recipiente de contenção e depois começou a murmurar algo ininteligível.
Quando finalmente consegui fazê-lo reagir, disse que ouviu uma voz dentro de sua cabeça, repetindo coordenadas numéricas. Registrei estes números, anexo à página 43, e percebi que correspondem exatamente à localização geográfica da fazenda. Isto sugere não apenas consciência preservada no sujeito 17, mas conhecimento de sua localização atual e capacidade de transmitir informações complexas para receptores não preparados.
O potencial deste avanço é monumental, mas Tio está cada vez mais perturbado. Temo que possa tentar interferir nos experimentos. A fazenda Souza permaneceu abandonada por quase uma década após os eventos de 1950. Em 1959, o governo estadual desapropriou a área, que foi posteriormente loteada e vendida a pequenos agricultores. O casarão principal, considerado patrimônio histórico por sua arquitetura colonial, foi preservado com a intenção de transformá-lo em museu regional, projeto que nunca se concretizou devido à resistência da população local em frequentar o lugar. O projeto de museu,
documentado em arquivos da Secretaria Estadual de Cultura, foi oficialmente abandonado após uma série de incidentes inexplicáveis durante as obras iniciais de restauração. O arquiteto responsável Ricardo Mendes, registrou em seu relatório final: “Enfrentamos dificuldades incomuns desde o início do projeto. Equipamentos elétricos funcionavam de forma errática ou queimavam sem causa aparente.
ferramentas frequentemente desapareciam para serem encontradas em locais improváveis. e mais perturbadora foi a alta rotatividade de trabalhadores, muitos dos quais se recusavam a retornar após o primeiro dia. O ponto crítico ocorreu durante as escavações para reforço das fundações, quando três operários, independentemente, relataram ouvir o que descreveram como batidas rítmicas vindas do solo, mesmo em áreas distantes de qualquer atividade de construção. O incidente que finalmente levou à suspensão dos trabalhos ocorreu
quando tentamos acessar o porão selado. Ao remover a barreira de concreto que havia sido instalada pelas autoridades em 1950, dois trabalhadores sofreram um tipo de colapso nervoso simultâneo, descrevendo depois uma presença esmagadora e uma voz que falava diretamente em suas mentes. Ambos precisaram de hospitalização e nenhum outro operário aceitou continuar o trabalho após este incidente.
Em 1963, um incêndio de origem desconhecida destruiu completamente a estrutura da casa, deixando apenas as fundações de pedra como testemunho de sua existência. Curiosamente, relatórios dos bombeiros que atenderam a ocorrência mencionam que, apesar do prédio estar desocupado há anos, diversos vizinhos relataram ter ouvido sons semelhantes a gritos vindos do interior da construção, enquanto as chamas consumiam a estrutura.
O comandante da operação de combate ao incêndio, tenente João Ferreira, registrou uma observação adicional em seu relatório pessoal, não incluída no documento oficial. Em meus 20 anos de serviço, nunca presenciei um incêndio com um comportamento semelhante. As chamas pareciam ter origem simultânea em múltiplos pontos do edifício, sem qualquer padrão de propagação natural. Mais inexplicável ainda foi o fato de que o fogo concentrou-se principalmente no porão, uma área onde normalmente haveria menos material combustível e menos circulação de ar para alimentar as chamas. A temperatura atingida naquele
espaço foi extraordinariamente alta, suficiente para derreter parcialmente as estruturas metálicas e vitrificar porções do piso de pedra. Um fenômeno que geralmente requer temperaturas muito além do que um incêndio comum poderia produzir.
Quando finalmente conseguimos controlar o fogo e acessar o que restava do porão, encontramos apenas uma cavidade totalmente calcinada, sem vestígio algum do que quer que estivesse armazenado lá. Um dos meus homens, que se aproximou demais da área ainda fumegante, desmaiou subitamente sem causa aparente e, ao recuperar a consciência, insistiu que havia ouvido algo se movendo entre as cinzas.
Hoje, a área onde um dia existiu a fazenda Souza é ocupada por um conjunto habitacional de classe média e poucas pessoas conhecem a história sombria do terreno sobre o qual construíram suas casas. Entretanto, persistem relatos entre os moradores mais antigos sobre fenômenos inexplicáveis que ocorrem periodicamente na região.
Sons de batidas rítmicas que parecem vir do subsolo, principalmente nas noites de lua nova. odores súbitos e intensos de substâncias químicas, semelhantes ao cheiro de formolerantes, e mais inquietante, a sensação descrita por diversos residentes de presença observadora dentro de suas próprias casas, especialmente nos cômodos construídos sobre o local onde antes ficava o porão da antiga mansão.
A Senra Mariana Santos, moradora do conjunto residencial desde sua inauguração em 1975, relatou em entrevista para um pesquisador da universidade. Nós não sabíamos nada sobre a história do terreno quando compramos esta casa. Os corretores nunca mencionaram o que havia acontecido aqui antes.
Foi só depois de alguns meses vivendo aqui que comecei a notar coisas estranhas. No início, eram pequenos detalhes. Objetos que mudavam de lugar quando ninguém estava olhando, luzes que piscavam sem razão aparente, o rádio que sintonizava sozinho em estações de estática. Depois começaram os sons. Não eram como barulhos normais de casa, rangidos de madeira ou tubulações.
Eram distintos, rítmicos, como alguém batendo em código. Sempre começavam por volta da meia-noite e continuavam até o amanhecer. O mais perturbador é que eles pareciam inteligentes de alguma forma. Quando mencionávamos os sons, eles mudavam de padrão, como se estivessem respondendo.
E há as noites de Lua Nova, quando tudo fica mais intenso. Nessas noites, meu marido e eu costumávamos dormir na casa de parentes, inventando desculpas. Tentamos vender a casa várias vezes, mas sempre acontece algo para afastar os potenciais compradores. É como se o lugar não quisesse que saíssemos ou talvez não queira ficar sozinho.
Um aspecto particularmente intrigante deste caso é que, apesar da abundância de registros oficiais sobre os eventos na fazenda Souza, nunca se estabeleceu com clareza a motivação por trás das ações de Juvenal. As teorias mais aceitas entre historiadores e criminologistas que estudaram o caso variam entre transtorno mental severo de caráter hereditário.
hipótese fortalecida por alguns relatos que sugerem que o pai de Juvenal, irmão de Abelardo, teria sido internado em condições similares anos antes, e influência de práticas obscuras possivelmente trazidas de suas origens no interior da Bahia, região conhecida à época pela persistência de cultos sincréticos isolados. O Dr. Eduardo Valente, psiquiatra que realizou uma análise retrospectiva do caso em 1980, propôs uma interpretação alternativa.
O comportamento de Juvenal, embora claramente patológico, apresenta uma coerência interna e uma sistematização que vai além do que normalmente observamos em casos de psicose. Seus escritos revelam uma progressão lógica de ideias, por mais bizarras que fossem suas premissas. A documentação meticulosa, o planejamento cuidadoso e a capacidade de adaptar metodologias baseado em observações, sugerem uma mente perturbada, mas não completamente desorganizada.
Minha hipótese é que Juvenal sofria de uma forma rara de transtorno obsessivo compulsivo, combinado com traços de personalidade psicopática, resultando em uma condição em que ele era capaz de planejar e executar atos ediondos com precisão clínica, enquanto permanecia completamente desconectado das implicações éticas de suas ações, o que começou possivelmente como um interesse mórbido em estados alterados de consciência.
eventualmente cristalizou-se em uma obsessão com a ideia de isolar e preservar a consciência humana, independente do corpo físico. O fato de que ele aparentemente acreditava estar fazendo descobertas científicas genuínas, chegando a documentar e tentar sistematizar suas observações, sugere que em sua realidade distorcida, ele se via como um pioneiro incompreendido, não como um criminoso.
O que permanece como elemento mais desconcertante em toda essa história, entretanto, são as referências recorrentes nos depoimentos e documentos a sons e batidas produzidos pelas vítimas, mesmo em condições onde tal comportamento seria fisicamente impossível. A menção repetida a esse fenômeno, tanto nos escritos de Juvenal, quanto nas declarações aparentemente desconexas de Eulália sugere um elemento comum na percepção de ambos.
que transcende a explicação de simples delírio compartilhado. A Dra. Lúcia Martins, neurocientista que revisou o caso em 2003, ofereceu uma perspectiva científica contemporânea. Apesar do evidente componente psicopatológico, há aspectos do caso Souza que permanecem intrigantes mesmo sob o escrutínio da ciência moderna.
Particularmente notável é a consistência com que diferentes testemunhas ao longo de décadas relataram fenômenos acústicos similares, muitas vezes sem conhecimento prévio dos relatos anteriores. A hipótese de sugestão ou contaminação psicológica poderia explicar alguns destes relatos, mas dificilmente todos. Mais intrigante ainda são os documentos técnicos de Juvenal, embora fundamentados em premissas absurdas.
Seus experimentos com preservação de tecido neural e estimulação elétrica apresentam paralelos inquietantes com pesquisas legítimas em neurociência realizadas décadas depois. Suas observações sobre padrões de resposta sincronizados entre tecidos neurais separados lembram vagamente estudos recentes sobre acoplamento neural e sincronização de fase em redes neurais distribuídas.
Obviamente, não sugiro que suas atrocidades tenham qualquer validade científica, apenas que em seu delírio ele pode ter tropeçado em alguns fenômenos neurológicos genuínos, mesmo que sua interpretação fosse completamente distorcida por sua psicose. Um professor de antropologia da Universidade Federal, que conduziu pesquisas sobre o caso na década de 1970, propôs uma teoria alternativa.
Os experimentos de Juvenal poderiam estar relacionados a tentativas de comprovar alguma forma de persistência da consciência após trauma físico extremo, uma distorção patológica de conceitos relacionados a experiências de quase morte que começavam a ser discutidos nos círculos acadêmicos da época.
Esta hipótese explicaria o aparente cuidado metodológico documentado em seu diário e a obsessão com limites da consciência e métodos de prolongamento. O professor Dr. Cláudio Rezende elaborou esta teoria em sua monografia sobre o caso. O que torna Juvenal Souza um caso tão singular é a combinação de psicopatia com um genuíno, embora distorcido, impulso investigativo.
Suas anotações revelam familiaridade com literatura científica da época sobre estados alterados de consciência e referências específicas a relatos pioneiros de experiências de quase morte documentados no início do século XX. A partir destas premissas, ele parece ter desenvolvido uma teoria bizarra de que a consciência humana poderia ser destilada e concentrada através de trauma específico, eventualmente atingindo um estado em que se tornaria parcialmente independente do substrato físico.
Mais perturbador ainda é que ele aparentemente acreditava estar desenvolvendo um método para capturar e preservar essa consciência liberada. criando o que chamava de recipientes preparados, presumivelmente os cérebros preservados encontrados em seu laboratório. O aspecto mais inquietante de sua teoria delirante era a crença de que estas consciências isoladas eventualmente desenvolveriam meios de comunicação entre si e potencialmente formas de influenciar o mundo físico através de algum mecanismo não especificado que ele denominava ressonância psicoelétrica. Outra perspectiva interessante foi oferecida
por um historiador especializado em práticas médicas do início do século XX, que identificou nos procedimentos descritos por Juvenal semelhanças perturbadoras com experimentos não éticos conduzidos em instituições psiquiátricas europeias nas décadas de 20 e 30 relacionados a teorias pseudocientíficas sobre localização da consciência no corpo humano.
Como o Juvenal teria tido acesso a tais informações? Permanece um mistério. Embora inventários dos bens da família tenham revelado uma extensa biblioteca particular diversos volumes importados, muitos deles tratando de temas médicos avançados para a época. O inventário desta biblioteca realizado após o confisco da propriedade lista mais de 3.
000 volumes, muitos em línguas estrangeiras, como alemão, francês e russo, particularmente notável, era uma coleção de monografias e periódicos científicos relacionados à neurofisiologia, incluindo trabalhos pioneiros sobre estimulação elétrica cerebral e estudos de lesões neurológicas específicas.
Entre os itens mais perturbadores estava um conjunto de cadernos de laboratório aparentemente originais, atribuídos a um pesquisador alemão identificado apenas como Dr. KS, contendo descrições detalhadas de experimentos realizados em pacientes psiquiátricos institucionalizados entre 19 e 13 e 1918. Estes documentos, confiscados pelas autoridades e posteriormente classificados como sigilosos, coninham metodologias com inquietantes semelhanças aos procedimentos descritos por Juvenal em seu próprio diário.
Talvez o mais inquietante aspecto deste caso, porém, seja o papel de Eulália nesta história macabra. Teria ela sido meramente uma testemunha silenciada pelo medo ou uma participante ativa nos eventos? Sua condição psicológica final, caracterizada por um estado catatônico interrompido apenas por referências obsessivas aos sons e batidas, poderia ser interpretada tanto como resultado de trauma psicológico quanto como manifestação de culpa extrema.
Alguns pesquisadores sugerem que a ausência frequentemente descrita em seu olhar, desde os primeiros relatos sobre ela, poderia indicar que Eulália já apresentava alguma forma de distúrbio mental. muito antes dos eventos criminosos virem à tona, possivelmente exacerbado pelos múltiplos abortos sofridos e pelo isolamento progressivo imposto pelo marido. A Dra.
Elisa Fontes, psiquiatra que analisou os registros médicos de Eulália durante seu internamento, observou: “O quadro clínico da senora Souza apresenta aspectos que não se encaixam perfeitamente em nenhuma categoria diagnóstica convencional. Sua condição combina elementos de catatonia, transtorno dissociativo e o que hoje chamaríamos de transtorno de estresse pós-traumático complexo.
Particularmente intrigante é o padrão de seus episódios lúcidos que ocorriam quase exclusivamente durante as noites de Lua Nova, quando se tornava agitada e verbalmente coerente por algumas horas, repetindo invariavelmente as mesmas frases sobre os sons e eles batendo nas paredes.
Durante estes episódios, ela demonstrava uma fixação obsessiva com padrões rítmicos, frequentemente batendo os dedos em sequências complexas que as enfermeiras descreveram como semelhantes a código more. Um detalhe perturbador é que em pelo menos três ocasiões documentadas, estas crises coincidiram com falhas inexplicáveis nos sistemas elétricos da instituição.
Após sua morte em 1957, a autópsia revelou algo inesperado. Evidência de uma cirurgia craniana antiga realizada com notável precisão, com um pequeno fragmento metálico implantado próximo ao lobo parietal esquerdo. Uma descoberta que levanta questões inquietantes sobre seu papel real nos eventos da fazenda Souza. Um detalhe frequentemente ignorado nas análises do caso é a transformação comportamental de Abelardo após o incêndio no galpão em 1949.
Sua súbita busca por conforto religioso e referências a aqueles que partem sem preparação sugerem uma possível ruptura moral tardia, talvez motivada pela percepção da verdadeira natureza das atividades conduzidas por seu sobrinho. Isso levanta a questão: Por quanto tempo Abelardo esteve ciente dos experimentos sem intervir? teria sua morte alguns meses depois sido realmente resultado de causas naturais ou uma consequência direta de sua crescente oposição às práticas de Juvenal.
Os depoimentos do padre Anselmo, recolhidos após os eventos de 1950, lançam alguma luz sobre este aspecto. Segundo ele, Abelardo confessou-se pela última vez duas semanas antes de sua morte. Foi a confissão mais perturbadora que já ouvi. O Senr. Souza falou por quase duas horas, frequentemente de forma incoerente sobre um erro que não pode ser corrigido e vozes que não deveriam existir.
O que me marcou profundamente foi sua afirmação de que eles sabem quem os colocou lá e não vão esquecer. Quando tentei obter esclarecimentos, ele simplesmente respondeu: “Padre, há coisas que não podem ser desfeitas, apenas contidas. Eu permiti que algo terrível fosse liberado neste mundo e agora não consigo mais controlá-lo. Ele acha que pode usar o que libertou, mas a verdade é que está sendo usado por isso.
Antes de partir, ele me entregou um envelope selado com instruções para que fosse aberto apenas se algo lhe acontecesse. Quando soube de sua morte, abriu o envelope conforme combinado. Continha apenas um mapa da propriedade com uma área circulada em vermelho. E a frase: “Aqui está o que deve ser destruído, custe o que custar”.
Infelizmente, antes que pudesse tomar qualquer providência, o envelope desapareceu misteriosamente de minha escrivaninha. Curioso notar também a coincidência temporal entre o início dos experimentos de Juvenal, conforme documentado em seu diário a partir de 1938, e a substancial doação feita por Abelardo à igreja local no mesmo ano, especificamente para missas em intenção de almas aprisionadas.
Esta sincronicidade sugere não apenas conhecimento dos eventos por parte do patriarca, mas possivelmente uma tentativa de expiação ou compensação espiritual pelos atos que permitia ocorrerem sua propriedade. O recibo desta doação, preservado nos arquivos da igreja revela um detalhe adicional significativo.
Além da quantia em dinheiro, Abelardo doou um conjunto de seis castiçais de prata que, segundo a tradição familiar, havia pertencido a seu avô. O pároco da época registrou que, ao entregar os castiçais, Abelardo insistiu que eles fossem utilizados exclusivamente durante as missas pelas almas aprisionadas, afirmando que a luz destas velas específicas servirá como guia para aqueles que se perderam.
Um exame posterior destes castiçais, realizado durante a investigação de 1950, revelou gravações minúsculas na base de cada um, formando o que parecia ser um conjunto de coordenadas geográficas. Quando plotadas em um mapa, estas coordenadas formavam um hexágono perfeito ao redor da propriedade do Souza.
Outro elemento que merece atenção é o contexto histórico mais amplo em que estes eventos ocorreram. O período entre o final dos anos 30 e o início dos anos 50 foi marcado globalmente pela Segunda Guerra Mundial e suas consequências, incluindo revelações sobre experimentos desumanos conduzidos em campos de concentração.
Embora não haja evidências de conexão direta, é notável que os métodos de Juvenal parecem ter se tornado mais sistemáticos e documentados justamente durante este período, como se refletissem de alguma forma o clima de desvalorização da vida humana que caracterizou os conflitos globais da época. Um aspecto muitas vezes negligenciado nas narrativas sobre o caso é o papel da comunidade local e das autoridades.
O padrão de desaparecimentos na região era evidente muito antes da descoberta final, em 1950, assim como os relatos de ex-funcionários sobre condições suspeitas na fazenda. A carta do ex-capataz MRS ao delegado regional, datada de 1942 demonstra que alertas foram formalmente apresentados, mas sistematicamente ignorados. Este silêncio institucional levanta questões sobre a influência econômica e social da família Souza e como ela pode ter contribuído para a perpetuação dos crimes por mais de uma década.
Documentos administrativos da época revelam que Abelardo Souza era um dos maiores contribuintes para as campanhas eleitorais do prefeito e do delegado regional, além de manter uma extensa rede de favores comerciantes e funcionários públicos locais, um relatório confidencial da Guarda Municipal, datado de 1947, menciona uma tentativa abortada de investigação sobre os desaparecimentos próximos à fazenda.
interrompida por interferência política de alto nível. O mesmo documento registra a transferência repentina do sargento responsável por iniciar a investigação para uma região remota do estado, logo após ele ter enviado um relatório preliminar, mencionando a fazenda do Souza como possível ponto de interesse.
Há também o elemento perturbador da transmissão intergeracional de comportamento patológico. A relação entre Abelardo e Juvenal, inicialmente apresentada como tio e sobrinho órfão, ganhou contornos mais complexos quando investigações posteriores levantaram dúvidas sobre essa narrativa. Registros paroquiais do interior da Bahia, recuperados durante pesquisas acadêmicas nos anos 60, não confirmaram a morte dos supostos pais de Juvenal em um surto de febre amarela, como alegado por Abelardo. Isso abre espaço para especulações sobre a verdadeira origem do jovem e sua relação com a família
Souza, incluindo a possibilidade de que fosse filho ilegítimo do próprio Abelardo, trazido para a fazenda após anos de ocultamento. Uma pista importante sobre esta possibilidade foi descoberta em 1972, quando pesquisadores localizaram registros de um internato religioso em Salvador, que listava um aluno chamado Juvenal, sem sobrenome, como residente entre 1916 e 1927.
O registro de matrícula deste aluno indicava que seus estudos eram financiados por um benfeitor de Pernambuco, que prefere permanecer anônimo. Mais significativo ainda, encontrou-se uma série de cartas enviadas por Abelardo Souza ao diretor do internato, solicitando relatórios detalhados sobre o progresso acadêmico do jovem, com ênfase particular em seu desempenho em disciplinas científicas e médicas.
A última destas cartas, datada de janeiro de 1927, informava que o aluno em questão será retirado da instituição em março próximo para continuar seus estudos sob minha supervisão direta. Quando consideramos os eventos da fazenda Souza em sua totalidade, emerge um quadro de deterioração moral e psicológica progressiva, afetando não apenas os perpetradores diretos dos crimes, mas toda a estrutura familiar e social ao redor.
O isolamento crescente, as áreas restritas da propriedade, a rotatividade forçada de trabalhadores. Todos esses elementos podem ser vistos como camadas de proteção construídas não apenas para ocultar atividades criminosas, mas também para criar um microcosmo, onde regras normais de comportamento humano e ética não se aplicavam. O Dr.
Henrique Bastos, antropólogo que estudou o caso sobre uma perspectiva sociocultural, observou: “O que torna a Fazenda Souza um caso tão singular é como ela representa uma versão microscópica de regimes totalitários, um espaço isolado onde um indivíduo com poder absoluto criou suas próprias regras e realidade, convencendo ou coagindo os outros a aceitá-la”.
A progressiva desumanização das vítimas, transformadas em meros sujeitos numerados em um experimento, ecco a processos semelhantes observados em contextos históricos mais amplos. O mais perturbador, talvez seja como esta zona de exceção ética, foi capaz de existir por tanto tempo em plena vista, com a comunidade ao redor, desenvolvendo mecanismos de negação coletiva, não vendo o que estava claramente visível, não questionando o que era obviamente suspeito.
Esta dinâmica de cumplicidade passiva levanta questões desconfortáveis sobre como sociedades podem normalizar o horror quando ele ocorre gradualmente e afeta principalmente aqueles já marginalizados. O legado desses eventos permanece na memória coletiva da região, manifestando-se de formas sutis, mas persistentes.
Moradores atuais da área onde antes ficava a fazenda relatam resistência inexplicável de plantas em certos pontos do terreno, como se o solo guardasse alguma forma de contaminação invisível. Construções erguidas sobre as fundações da antiga casa principal frequentemente apresentam problemas estruturais sem causa aparente, com rachaduras que surgem repetidamente nos mesmos locais, independentemente das reformas realizadas.
O engenheiro civil Roberto Almeida, contratado para avaliar estas anomalias estruturais em 2005, registrou observações intrigantes. Os padrões de rachaduras observados nestas edificações desafiam explicações convencionais. Elas surgem em configurações geométricas precisas, frequentemente formando ângulos de exatamente 60º e sempre nas mesmas localizações, mesmo após reparos completos.
Análises do solo não revelaram instabilidade ou subsidência que pudesse explicar o fenômeno. Mais curioso ainda é o comportamento das rachaduras durante períodos de lua nova. Medições instrumentais detectaram uma expansão média de 3 a 4 mm nestas datas específicas, seguida por contração gradual nos dias subsequentes.
Tal comportamento cíclico é extremamente incomum e sugere algum fator periódico afetando a estrutura das edificações, embora sua natureza permaneça indeterminada. Do ponto de vista puramente técnico, é como se as construções estivessem respondendo a algum tipo de pressão rítmica vinda de baixo, embora não haja qualquer evidência de atividade sísmica ou outras forças mecânicas conhecidas que poderiam produzir tal efeito.
Talvez o mais significativo seja o silêncio que ainda cerca certos aspectos do caso. Descendentes de famílias que viviam na região à época dos eventos mostram notável resistência. em discutir o assunto mesmo décadas depois. Um pesquisador que conduziu entrevistas na comunidade nos anos 80 observou que muitos entrevistados, ao serem questionados sobre a fazenda Souza, exibiam sinais físicos de desconforto: suor excessivo, tremores nas mãos, alteração no padrão de respiração, mesmo aqueles que alegavam não ter conhecimento direto dos eventos por serem muito jovens quando ocorreram. A
Dra. Teresa Mendonça, psicóloga social que analisou este fenômeno de silêncio coletivo, propôs: “O que observamos na comunidade ao redor da antiga fazenda Souza é um exemplo clássico de trauma cultural compartilhado, semelhante ao que encontramos em sociedades pós conflito.
mesmo indivíduos que não vivenciaram diretamente os eventos demonstram sintomas de estresse pós-traumático quando o assunto é mencionado, um fenômeno que sugere transmissão intergeracional de trauma. Particularmente notável é a persistência de certos tabus comportamentais específicos. Nenhum dos moradores entrevistados admite sair de casa após o anoitecer durante noites de lua nova. Muitos mantêm algum tipo de objeto metálico próximo à cama.
geralmente em configurações circulares, e quase todos relatam uma proibição familiar contra ouvir batidas, com instruções explícitas para fazer barulho imediatamente, caso ouçam sons rítmicos inexplicáveis. Estas práticas têm sido transmitidas por gerações, mesmo quando sua origem e propósito foram obscurecidos pelo tempo, sugerindo um mecanismo de defesa coletivo contra uma ameaça que, no nível consciente muitos nem reconhecem mais, mas que no nível inconsciente continua muito presente.
Em 1998, durante obras de expansão do sistema de água e esgoto no bairro construído sobre a antiga fazenda, trabalhadores da companhia de saneamento fizeram uma descoberta inquietante. Ao escavar uma área próxima ao local onde ficava o galpão incendiado em 1949, a equipe encontrou aproximadamente 2 m de profundidade, uma estrutura circular de pedra semelhante a um poço, mas com a abertura selada por uma pesada laje de concreto.
Curiosamente, antes que qualquer investigação oficial pudesse ser realizada, a companhia de saneamento alterou o trajeto planejado para a tubulação, contornando completamente aquela área, e a escavação foi rapidamente fechada. Questionados sobre a decisão, representantes da empresa limitaram-se a citar dificuldades técnicas e composição inadequada do solo.
Uma fonte interna da companhia de saneamento, que pediu para permanecer anônima, posteriormente revelou detalhes adicionais. O que encontramos não era simplesmente um poço, era uma estrutura complexa, com múltiplas câmaras laterais dispostas em um padrão radial ao redor de um compartimento central. As paredes eram revestidas por algum tipo de material metálico e cerâmico, incomum construções da época, e havia vestígios de um elaborado sistema de tubulação e o que pareciam ser terminais para conexões elétricas. O mais perturbador foi o que encontramos gravado na face interna da laje de concreto KS.

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