El siervo que mantuvo relaciones prohibidas y dejó encinta tanto a la esposa como a la hija del hacendado.

El siervo que mantuvo relaciones prohibidas y dejó encinta tanto a la esposa como a la hija del hacendado.

Corriam os primeiros dias de março do ano de 1858. O sol caía a pique sobre as terras férteis de Michoacán, queimando a pele e secando as gargantas. Dom Aurélio Vargas, o patriarca, o dono de tudo o que a vista alcançava, regressava à sua fazenda. Imaginava uma acolhida calorosa, imaginava um jantar quente, o abraço submisso de sua esposa perfeita e o sorriso inocente de sua filha imaculada.


Pobre, ele não sabia que enquanto cavalgava tranquilo, seu mundo já tinha se reduzido a cinzas. Ao cruzar o portão principal, o ar parecia estranho, pesado, como se as paredes de pedra branca contivessem um grito prestes a explodir. Não havia música, não havia risos. Apenas um silêncio sepulcral que gelava o sangue.


Seu mordomo o esperava na entrada, mas não com a reverência habitual. O homem tremia, tinha o olhar fixo no chão como se temesse que o céu desabasse sobre suas cabeças. Nesse exato instante. Dom Aurélio desceu do cavalo, sacudindo a poeira da estrada.


“Onde estão?”, perguntou com aquela voz grave que costumava fazer os peões tremerem.


O criado não respondeu, de imediato, engoliu em seco, pálido como um morto, e então soltou as palavras que cortariam a história da família Vargas em dois pedaços sangrentos.


“Patrão, há algo que o senhor deve saber. Dona Inês e a senhorita Clara, ambas, ambas esperam um filho.”


O tempo parou.


O batimento cardíaco de Dom Aurélio ecoou em seus ouvidos como um tambor de guerra. Como era possível? Ele não havia tocado sua esposa por meses e sua filha, sua filha era uma menina casta, vigiada dia e noite.


“De quem?”, rugiu, sentindo a bile subir pela garganta.


A resposta do criado foi um sussurro, mas atingiu com a força de um tiro de canhão.


“De Joaquim, patrão, do escravo.”


Boom, você sentiu? Esse foi o som de um império desmoronando. Não foi uma doença, não foi uma praga, foi a traição mais suja. Gestada nas sombras de sua própria casa, imagine a cena. Um homem poderoso, respeitado pela sociedade, um pilar da moralidade, descobrindo que as duas mulheres de sua vida, sua esposa e sua filha, carregam no ventre a semente do mesmo homem, e não de qualquer homem, mas de alguém que ele considerava uma propriedade, uma ferramenta falante. Joaquim, o jardineiro, o que cuidava das rosas enquanto destruía a linhagem.


Dom Aurélio não gritou, não quebrou nada, ficou ali petrificado enquanto a realidade o esmagava. Naquele instante, ele não era o grande fazendeiro, era apenas um homem traído da forma mais humilhante possível. Como pôde acontecer? Como é possível que um escravo seduzisse a patroa e a herdeira sob o nariz do dono? Foi bruxaria? Foi luxúria desmedida? Ou foi uma vingança fria e calculada? Ninguém em Morelia podia imaginar que por trás daqueles muros de pedra, a família perfeita era uma mentira podre. Mas


isto, isto era apenas o final da tragédia. Para entender como chegamos a este abismo, temos que retroceder. Temos que ver como esta rede de mentiras, suor e pecado foi tecida. Porque, acredite, ele não apareceu de repente. Foi convidado a entrar pouco a pouco com cada olhar proibido e cada porta fechada sem chave.


Tudo começou com um erro administrativo, uma assinatura rotineira em um papel que selaria o destino de quatro almas para sempre. Em março de 1857, Dom Aurélio cometeu o erro mais custoso de sua vida. Precisava de alguém confiável, alguém forte para os jardins principais e os estábulos da casa grande.


Seus olhos pousaram em Joaquim. O escravo tinha 32 anos e passava uma década sendo invisível nos milharais distantes, perdido entre a poeira e o gado. Dom Aurélio viu nele eficiência e obediência. Não viu que estava convidando o lobo para dormir aos pés da cama. Ao trazê-lo para perto da mansão, eliminou a única barreira que protegia a virtude de sua família.


A distância. Joaquim não chegou buscando problemas. Não era um sedutor de novela barata, nem um rebelde com causa. Era um homem de terra, de silêncios longos e mãos calejadas acostumadas à dor. Chegou aos jardins com a cabeça baixa, cumprindo à risca a lei não escrita do escravo: trabalhar, obedecer e nunca, jamais olhar nos olhos dos patrões.


Sua rotina era simples. Podar os roseirais, limpar as fontes, acalmar os cavalos nervosos. Mas havia algo em sua presença física que a atmosfera viciada da fazenda não pôde ignorar. Joaquim emanava uma vitalidade crua, uma força animal que contrastava violentamente com a palidez doentia e os modos refinados dos homens da sociedade que visitavam a casa.


O perigo não estava no que Joaquim fazia, mas no que as mulheres viam. As janelas da sala principal davam diretamente para o jardim, transformando-se em camarotes de um teatro proibido. Dona Inês, entediada com seus bordados e suas orações vazias, começou a encontrar desculpas para estar perto do vidro.


No começo foram olhares distraídos, depois se converteram em uma obsessão clínica. Observava como o sol do meio-dia fazia o suor brilhar nas costas de Joaquim. Estudava o movimento hipnótico de seus músculos quando levantava pedras pesadas, a tensão em seus antebraços, a respiração rítmica de um homem vivo, real, tangível.


Para uma mulher acostumada à frieza de um casamento por conveniência, essa visão era pura gasolina. Joaquim, sem saber, se tornou o objeto de desejo, um troféu de carne e osso que passeava sob seu nariz. Ele podava rosas com delicadeza. E Dona Inês imaginava essas mesmas mãos fazendo outras coisas. O ar na fazenda ficou elétrico, carregado de uma tensão sexual que podia ser cortada com uma faca.


Ninguém dizia nada, mas os olhares da janela gritavam o que a boca calava. O jardim deixou de ser um lugar de paz para se tornar um coto de caça e a presa, ignorante de sua sorte, seguia trabalhando a terra sem suspeitar que em breve essa mesma terra o engoliria por inteiro. Era o ano de 1858. Se você passasse pelos caminhos de Morelia, não podia evitar parar para olhar.


A casa principal erguia-se como um templo grego com colunas de pedra branca que pareciam sustentar o céu. 300 escravos trabalhavam de sol a sol, curvando as costas nos campos de milho e nos estábulos, garantindo que o ouro fluísse incessantemente para os bolsos do patrão. Tudo naquele lugar gritava poder, tudo gritava ordem.


Não havia uma folha fora do lugar, nem uma mancha nos muros imaculados. Era a inveja da região, o espelho onde todos queriam se mirar. À frente deste império caminhava Dom Aurélio Vargas, 52 anos de pura disciplina e ambição. Não era um homem que aceitava erros. Havia passado 30 anos construindo seu reino pedra por pedra, contrato por contrato. Quando caminhava por suas terras,


o fazia com a segurança de um rei que sabe que sua coroa está bem firme. Acreditava nas hierarquias sagradas: Deus no céu, o patrão na terra e o escravo no barro. Para ele, sua família não era de pessoas, eram extensões de sua própria glória, troféus vivos que deviam brilhar tanto quanto suas moedas de ouro.


E o que dizer de suas joias mais preciosas, Dona Inês, a matriarca? Aos 48 anos, era a imagem viva da virtude. As outras mulheres da alta sociedade a olhavam com uma mistura de admiração e veneno: sempre impecável, sempre composta, assistindo à missa todo domingo com um rosário de contas de madrepérola entre os dedos. Parecia uma santa descida dos altares.


Organizava os eventos sociais com uma elegância de tirar o fôlego. Ninguém, absolutamente ninguém, teria apostado um centavo que por trás daquele sorriso ensaiado e daqueles modos de rainha fervia uma mulher capaz das mais escuras vilezas. Era a mentira mais bem contada de todo o México.


E depois estava Clara. A menina dos olhos de Dom Aurélio, 23 anos de suposta inocência. Era linda, sim, mas com aquela beleza intocável, quase de porcelana. Dom Aurélio havia rejeitado pretendentes das melhores famílias, homens ricos e poderosos, porque nenhum lhe parecia suficiente para sua princesa.


Ele a guardava como um tesouro em um cofre, esperando pelo melhor licitante, o marido que elevaria o sobrenome Vargas até as nuvens. Clara era educada, submissa, a filha que todo pai sonha, ou assim todos acreditavam. A sociedade de Morelia os via passar em sua carruagem e suspirava.


“Que família tão perfeita”, diziam.


“Que bênção divina têm os Vargas!” Que iludidos. Não sabiam que estavam invejando um cadáver exquisitamente maquiado. Não viam que os alicerces daquela mansão de mármore já estavam podres, carcomidos por segredos que cresciam como fungos na escuridão. Enquanto Dom Aurélio contava seu gado e Dona Inês rezava suas ave-marias, o destino já estava afiando a gadanha, porque a perfeição, meus amigos, costuma ser a máscara favorita do E na fazenda Vargas, o estava prestes a cobrar a entrada.


Inês inventou uma desculpa patética, uma janela quebrada em seu quarto que precisava de reparo urgente. Joaquim subiu as escadas com suas ferramentas, inocente como um cordeiro entrando no matadouro. Ao cruzar a soleira, o ar mudou. O quarto não cheirava a poeira nem a trabalho.


Cheirava a perfume caro, a lençóis de seda e a uma intimidade proibida que gelou o sangue do escravo. Não havia nenhuma janela quebrada. Joaquim soube disso no mesmo instante e o som do ferrolho deslizando atrás dele confirmou sua sentença: estava preso no covil da leoa. Inês não perdeu tempo com jogos. Aproximou-se dele, invadindo seu espaço, tocando com suas mãos de dama o tecido sujo da camisa do peão. Joaquim ficou petrificado.


Sabia que qualquer movimento em falso, qualquer rejeição, podia custar-lhe a vida. Mas Inês não buscava seu consentimento, buscava sua submissão. Com uma voz suave que escondia veneno, expôs-lhe a realidade de sua existência. Lembrou-lhe quem era a dona e quem era a propriedade. E então soltou a ameaça final, pesada como uma lápide: “As minas de Guanajuato.”


Se ele se negasse, se abrisse a boca, se sequer a olhasse de mau jeito, ela moveria um dedo e ele terminaria acorrentado na escuridão das minas, onde os escravos tossiam sangue e morriam em questão de meses. Não era uma proposta indecente, era uma chantagem mortal. Ou esquentava a cama dela ou morria. Assim de simples, assim de brutal.


Joaquim olhou para aquela mulher que a sociedade venerava como uma santa e viu o monstro real. Não houve paixão em seus olhos, apenas um terror primitivo. Naquela noite e nas que se seguiram, não houve amor, nem sequer desejo mútuo. Foi uma transação, um ato de poder absoluto. Inês tomava o que queria, usava o corpo de Joaquim como quem usa mais uma ferramenta do jardim, bebendo de sua juventude para preencher seu próprio vazio.


Joaquim fechava os olhos, desconectava sua mente e cumpria, rogando para que o amanhecer chegasse logo e o devolvesse à segurança de seus cavalos. Tornou-se o brinquedo noturno da patroa, um segredo sujo guardado entre lençóis de linho, sem saber que o destino, cruel e caprichoso, já estava preparando a segunda parte de sua tortura. Para Clara, Joaquim havia sido por anos apenas mais uma sombra trabalhando nos confins da propriedade, mas um dia de setembro ela o viu de verdade.


Não foi seu físico o que a prendeu, mas a maneira como acalmou um cavalo jovem e assustado, falando-lhe com uma voz baixa e paciente que parecia entender a linguagem do medo. Em um mundo onde os escravos eram tratados como animais, Joaquim tratava os animais como pessoas. Essa gentileza, essa paciência em um homem que não tinha motivos para ser gentil, foi como uma rachadura na fachada perfeita do mundo de Clara.


Começou a observá-lo não com o olhar faminto de sua mãe, mas com a curiosidade de quem descobre um tesouro. Começou a procurar desculpas para descer ao jardim. Com um livro na mão para fingir indiferença, fazia-lhe perguntas tímidas sobre as rosas ou as plantas. Joaquim, acostumado à crueldade e ao abuso, no início respondia com monossílabos, mantendo a distância que sua condição lhe impunha.


Mas Clara era persistente, seu interesse era genuíno. E pouco a pouco as muralhas de Joaquim começaram a ceder. O verdadeiro ponto de inflexão ocorreu uma tarde quando Clara, em seu idealismo de menina rica, lhe ofereceu um livro sobre botânica. A resposta de Joaquim a atingiu com uma força que ela não esperava.


“Não sei ler.”


Nesse momento, Clara não viu um escravo ignorante, mas sim um homem a quem haviam roubado o mundo das palavras. E em um ato impulsivo que selou seus destinos, ela sussurrou:


“Queres que eu te ensine?”


Assim começaram os encontros clandestinos. Quando a casa dormia e a lua era a única testemunha, reuniam-se no jardim.


À luz de uma vela, Clara lhe ensinava o alfabeto, seu dedo delicado traçando as letras em uma página, enquanto seus ombros quase se roçavam. Para Joaquim, essas horas eram um oásis no meio de sua tortura. Vinha do leito forçado da mãe, um lugar de silêncio e submissão, para chegar ao banco de pedra onde a filha lhe presenteava com palavras, risos e a sensação de ser humano.


Com Clara não havia ordens, apenas pedidos; não havia posse, apenas cumplicidade. Inevitavelmente, a gratidão e a admiração se transformaram em algo mais. Uma noite, oprimida por sentimentos que não podia conter, Clara lhe confessou o que sentia. Joaquim, com a alma partida em duas, sabia que devia fugir, que devia lhe contar a verdade sobre a mãe, mas não pôde.


Quando Clara o beijou pela primeira vez em sua vida, sentiu que alguém o escolhia, que não era uma propriedade, mas um homem desejado. Respondeu a esse beijo como um moribundo bebe sua última gota de água. Para Clara era o início de um conto de fadas proibido. Para Joaquim era o prego final em seu caixão. Inês e Clara estavam ali sorrindo como bonecas de porcelana envoltas em sedas e rendas.


Mas debaixo dos vestidos, a realidade era uma jaula de barbatanas de baleia. Os espartilhos estavam apertados no limite, cingidos com uma força brutal para ocultar o que a natureza começava a gritar. Seus ventres inchavam, passavam semanas com náuseas matinais, tonturas constantes e um medo que lhes devorava as entranhas. Cada respiração era uma batalha, cada bocado de comida, um risco de vomitar em frente à nata da sociedade.


Estavam literalmente asfixiando seus próprios filhos não nascidos para manter a mentira à tona. E no meio desse teatro absurdo caminhava ele, Joaquim. Dom Aurélio, em sua infinita cegueira, havia ordenado que os serviçais mais apresentáveis atendessem aos convidados. Assim, ali estava o pai dos bastardos, vestido com uma libré que o pinicava, segurando uma bandeja de prata com taças de vinho tinto.


Movía-se entre a multidão como um fantasma. Tinha que servir vinho ao governador, sorrir para os fazendeiros que o olhavam como se fosse invisível e, o pior de tudo, aproximar-se delas. O momento mais grotesco da noite chegou com o brinde de Dom Aurélio. Com as bochechas rosadas pelo álcool e pelo orgulho, ele bateu em sua taça com uma colher.


O salão fez silêncio. O patriarca levantou sua taça e com voz potente disse: “Pela tradição, pela decência e sobretudo pela pureza do sangue que corre em nossas veias. Um sangue que jamais foi manchado e que manteremos limpo para as gerações futuras.”


Os convidados aplaudiram, vibraram.


“Pela pureza!”, gritaram.


Nesse instante, Clara sentiu que o mundo se inclinava. O cheiro de tabaco e carne assada embrulhou-lhe o estômago. A ironia do brinde, somada à pressão asfixiante do espartilho sobre seu útero, foi demais. Seu rosto perdeu toda a cor, ficando cinza como a cinza. Ela cambaleou.


A taça em sua mão tremeu, derramando uma gota de vinho tinto sobre seu vestido branco imaculado, como uma premonição de sangue. Joaquim, que estava a poucos metros, fez o movimento instintivo de soltar a bandeja e correr para ampará-la. Foi um microssegundo de terror puro. Se ele a tocasse, se mostrasse uma preocupação indevida, tudo acabaria ali mesmo.


Os olhos de Dona Inês, injetados de pânico, cravaram-se nele como punhais. “Quieto!”, gritavam-lhe em silêncio.


Clara levou a mão à testa, respirou fundo, lutando contra o desmaio com uma força de vontade sobre-humana. “É só o calor,” murmurou forçando um sorriso que parecia uma careta de dor.


A música voltou a tocar. Os risos continuaram.


Ninguém notou que o serviçal da bandeja apertava os punhos até os nós dos dedos ficarem brancos. Ninguém notou que a senhora da casa suava frio. Haviam sobrevivido ao brinde, mas a corda que segurava a guilhotina sobre suas cabeças havia se desfiado um pouco mais. Estavam dançando à beira do abismo e a música não parava. A rotina era uma tortura psicológica desenhada por um sádico.


Durante o dia, sob o sol escaldante, ele tinha que ser o escravo perfeito: invisível, eficiente, mudo. Mas assim que o sol se punha, começava o verdadeiro Calvário. Dona Inês o chamava a seu quarto com aquela arrogância de dona que não admite negativas.


“Vem”, dizia simplesmente.


E ele tinha que ir arrastando os pés como um condenado subindo ao cadafalso.


Tinha que fingir desejo onde só havia nojo e medo. Tinha que escutar seus planos delirantes, suas promessas vazias, enquanto ela lhe sussurrava ao ouvido a notícia que lhe gelou o sangue. “Carrego teu filho, Joaquim, é nosso segredo.”


E quando Inês finalmente o soltava, exausto e sujo de culpa, a noite não terminava. Tinha que descer aos estábulos, lavar a vergonha com água gelada e esperar por Clara.


A menina, envolta em sua capa escura, chegava com olhos brilhantes de lágrimas e esperança. Para ela, ele tinha que ser o herói romântico, o salvador. E então caiu o segundo golpe, o que terminou de quebrá-lo por dentro. Clara, tremendo, pegou-lhe as mãos e as colocou sobre seu ventre plano.


“Estou grávida, meu amor. Deus nos abençoou.”


“Bênção.”


Joaquim queria gritar. Queria rir até chorar de histeria. Bênção era uma sentença de morte assinada em duplicidade: mãe e filha, a esposa do patrão e a menina de seus olhos, ambas grávidas do mesmo escravo. Ao mesmo tempo. Não havia escapatória possível, não havia canto no mundo onde pudesse se esconder da ira de Dom Aurélio quando isso viesse à tona. E viria à tona. Os ventres crescem, o sangue não mente.


Joaquim caminhava pelos corredores da fazenda, sentindo que as paredes se fechavam sobre ele, asfixiando-o. Toda vez que via Dom Aurélio, sentia o fantasma de uma corda apertando seu pescoço. Toda vez que uma das mulheres o olhava, via sua própria tumba cavada em seus olhos. Já não vivia, simplesmente esperava pelo impacto.


Era um cadáver caminhando, contando os dias que lhe restavam antes que o céu desabasse e o esmagasse como um inseto. O tic-tac em sua cabeça era ensurdecedor. Tic-tac, tic-tac. O tempo havia acabado. A noite de 11 de março não teve estrelas, apenas escuridão e o presságio de uma catástrofe iminente.


Clara não conseguia dormir. A ansiedade lhe queimava a pele. Uma mistura tóxica de amor e medo. Precisava ver Joaquim. Precisava sentir que sua fantasia continuava intacta, que tinham um futuro. Desceu as escadas com o coração na garganta, envolta nas sombras.


Mas ao cruzar o pátio, viu uma luz onde só devia haver silêncio. A porta do quarto de sua mãe se abriu no segundo andar e o que viu parou seu coração, quebrando-o em mil pedaços. Joaquim saía dali com a camisa desabotoada, com o olhar perdido de um homem quebrado, e atrás dele, Dona Inês, despenteada e envolta em um roupão de seda aberto, tentava segurá-lo pelo braço. Não eram imaginações, não eram ciúmes infantis, era a realidade nua, suja e obscena, golpeando-a no rosto. Clara não pensou. A lógica desapareceu. A raiva a cegou completamente. Uma fúria vulcânica que nunca havia sentido. Subiu as escadas correndo, ignorando o ruído, empurrou a porta e entrou como um furacão no santuário de mentiras de sua mãe.


“Quanto tempo!”, gritou com uma voz que já não era a de uma menina doce, mas sim a de uma mulher ferida de morte.


Inês tentou fechar a porta. Tentou manter a máscara da matriarca, mas o já estava solto no quarto.


“É um escravo, Clara, pertence a mim. Eu o tive primeiro”, cuspiu a mãe com uma frieza que gelava o sangue, defendendo seu território como uma loba velha. Mas Clara não recuou.


Com os olhos cheios de lágrimas e ódio puro, soltou a bomba que terminaria de demolir os alicerces da casa.


“Eu o amo e estou grávida. Vou ter um filho dele.”


O silêncio que se seguiu durou um segundo, mas pesou uma tonelada. Inês ficou pálida como um cadáver. Depois soltou uma risada histérica, amarga, quebrada, uma risada de loucura.


“Você é uma estúpida”, disse olhando-a com desprezo. “Eu também. Eu também carrego o bastardo dele no ventre.”


O caos se desencadeou. Gritos, insultos que nenhuma dama da sociedade deveria conhecer saíram de suas bocas. Clara se atirou sobre a mãe. Uma bofetada ecoou como um disparo na noite. Inês a empurrou violentamente contra uma cômoda de carvalho.


Um vaso de porcelana chinesa se estilhaçou contra o chão. Um estrondo que despertou os demônios da casa.


“Cadela”, gritava uma.


“Monstro”, respondia a outra.


Mãe e filha, rolando na lama de sua própria vergonha, unidas pelo sangue e separadas pelo mesmo pecado, destruindo-se mutuamente, enquanto o eco de suas confissões ricocheteava nas paredes.


No corredor escuro, uma criada colava o ouvido na madeira, tremendo de terror puro. Escutou cada palavra, escutou os nomes, escutou a dupla confissão das gravidezes. Sabia que aquilo era o fim da família Vargas. E lá fora, na escuridão dos estábulos, Joaquim também escutou. Ouviu os gritos dilacerantes de Clara misturados com a fúria de Inês.


Soube, com a certeza absoluta de um animal encurralado, que o tempo havia acabado. Não esperou que viessem buscá-lo. Não pegou roupas nem comida, simplesmente pôs-se a correr. Correu em direção à noite negra, rumo às montanhas, deixando para trás sua vida, seus filhos não nascidos, e as duas mulheres que, amando-o e usando-o, acabavam de assinar sua sentença de morte.


“Fugiu há cinco dias, senhor. Ninguém o viu”, respondeu o mordomo tremendo.


Aurélio assentiu lentamente, levantou-se, caminhou até sua escrivaninha e pegou uma pistola de pederneira.


“Traga os cães, traga os rastreadores. Quero esse cão caçado antes que o sol caia.”


A ordem não foi um grito de raiva, foi uma sentença administrativa, fria e brutal.


Não havia paixão em seu ódio, apenas a necessidade mecânica de eliminar uma praga. A caçada começou. Três cavaleiros experientes e uma matilha de cães de caça famintos lançaram-se em direção às montanhas do norte, seguindo o rastro frio de um homem desesperado. Joaquim corria há cinco dias, comendo raízes, dormindo entre pedras, movendo-se como um fantasma por barrancos e trilhas de cabras.


Estava esgotado, com os pés sangrando e o terror grudado nas costas, mas o cheiro da vingança é forte e os cães o farejaram. No terceiro dia de perseguição, o som distante dos latidos rompeu o silêncio da floresta. Joaquim soube que vinham. Correu. Correu até os pulmões arderem como fogo, escalando rochas, escorregando por encostas de cascalho solto.


Os latidos se aproximavam, implacáveis, ferozes, o som da morte chegando metro a metro. Chegou à beira de um rio caudaloso devido às chuvas recentes, uma torrente de água marrom e furiosa que rugia contra as pedras. Olhou para trás, as figuras dos cavaleiros já se destacavam contra as árvores. Olhou para frente. A morte certa na água. Não houve escolha. Joaquim se lançou na corrente gelada.


A água o atingiu como um martelo, arrastando-o, girando-o, afundando-o. Lutou com o desespero de quem quer viver mais um minuto, debatendo-se, engolindo água suja, tentando agarrar-se a algo, ao que fosse. Mas o rio não tinha piedade. Uma rocha oculta atingiu sua cabeça com um estalo seco, apagando sua consciência em um instante.


Seu corpo inerte flutuou rio abaixo como um tronco podre, batendo-se repetidamente contra as pedras até ficar preso em uma curva de lama e galhos. Quando os rastreadores o tiraram da água, já não era um homem, era um despojo inchado e quebrado. Amarraram-no atravessado sobre um cavalo e o levaram diante de Dom Aurélio, que esperava em uma clareira da floresta, sentado em sua montaria, impassível.


O patrão desceu do cavalo, levantou a manta molhada com a ponta de seu chicote e olhou o rosto deformado de quem havia destruído sua linhagem. Não houve satisfação em seus olhos nem alívio, apenas o vazio absoluto de quem olha uma barata esmagada.


“Enterrem-no aqui”, ordenou dando as costas ao cadáver. “Fundo, sem cruz, sem nome, que a terra o engula e ninguém saiba que existiu.”


E assim, sob a sombra dos Pinheiros, Joaquim desapareceu para sempre, apagado do mundo pelo homem a quem havia servido, temido e traído.


“Quero ler seu veredito nos comentários. E sejam honestos, se vocês tivessem estado no lugar de Dom Aurélio, com a honra destroçada e a vergonha batendo à sua porta, teriam tido a piedade para perdoar? Ou também teriam apertado o gatilho para apagar o erro. O debate está aberto e quero saber de que lado da história vocês estão. E se este relato lhes provocou arrepios e querem continuar descobrindo os segredos mais obscuros que a história tentou ocultar, precisamos de seu apoio agora mesmo.”


“Rebentem esse botão de ‘gostei’ para que o algoritmo saiba que aqui contamos a verdade sem censura. Inscrevam-se no canal e, o mais importante, ativem o sininho de notificações. A próxima história já está sendo escrita e lhes asseguro que é ainda mais perturbadora do que esta. Não vão querer ser os últimos a saber. Nos vemos na escuridão.”


Os serviçais, aterrorizados, obedeceram sem perguntar.


Criaram uma pira no meio do pátio, uma fogueira profana para purgar a memória. A ela atiraram a manta puída de Joaquim, suas ferramentas de jardim, a sela que usava, a roupa suja que havia deixado para trás, tudo. O fogo crepitou, devorando os últimos vestígios materiais de um homem que já havia sido apagado da terra.


Dom Aurélio observava as chamas dançarem, imóvel, com o rosto iluminado pelo resplendor alaranjado, como um sacerdote pagão presidindo um sacrifício. Mas o fogo não era suficiente. O pecado sentia. Ele continuava vivo naquilo que Joaquim havia amado. Lentamente, dirigiu-se aos estábulos.


O silêncio era total, quebrado apenas pelo crepitar da fogueira e pelo bufado nervoso dos cavalos. Aurélio não buscava qualquer animal. Dirigiu-se diretamente ao último curral onde residia Sombra, um magnífico garanhão negro que havia estado à beira da morte por uma febre e que Joaquim, com uma paciência infinita, havia cuidado dia e noite até salvá-lo.


O cavalo era o único legado verdadeiro de Joaquim, um testemunho de sua bondade. Aurélio entrou no estábulo. O cavalo, acostumado aos carinhos de seu salvador, aproximou-se com confiança, buscando uma mão amiga. Em vez disso, encontrou o cano frio de uma pistola.


Dom Aurélio levantou a arma, apontou diretamente entre os olhos do animal e olhou-o fixamente, como se naquele nobre bruto visse o rosto do homem que jazia em uma tumba sem nome. Não houve hesitação, não houve piedade. Apenas o vazio. O disparo ecoou na noite como um trovão solitário, um som seco e brutal que fez até os grilos se calarem.


O magnífico animal desabou com um gemido surdo, seu sangue escuro manchando a palha limpa. Os serviçais, que espiavam de longe, persignaram-se, recuando horrorizados. Naquele momento, não viram seu patrão, viram um homem possuído. Murmuravam que o havia vindo reclamar a fazenda e havia encontrado sua morada no corpo de Dom Aurélio.


Aurélio guardou a pistola, deu meia-volta e se afastou do estábulo sem olhar para trás, deixando o cadáver do cavalo como oferenda no altar de sua loucura. A purga havia terminado. A mancha havia sido limpa com fogo e sangue. Mas no processo, Dom Aurélio não havia recuperado sua honra. Havia assassinado o último vestígio de alma que lhe restava.


Dom Aurélio viveu mais 20 anos, 20 anos de silêncio absoluto. Tornou-se o fantasma de sua própria casa, vagando pelos corredores vazios, arrastando os pés sobre o pó acumulado, não permitia que ninguém entrasse. Demitiu quase todos os serviçais. Morreu em uma noite de inverno. Sozinho, sentado na mesma cadeira de onde havia ordenado a morte de Joaquim.


Encontraram-no três dias depois. Dizem que tinha os olhos abertos fixos na janela que dava para as montanhas, com uma expressão de terror congelada no rosto, como se no final, no momento de dar o último suspiro, tivesse visto todos os seus demônios virem buscá-lo. Não houve herdeiros para reclamar a terra.


Ninguém queria essa herança. Hoje, se você visitar Morelia e perguntar aos anciãos sobre a fazenda Vargas, verá como eles se persignam antes de falar. Ninguém se aproxima daquelas ruínas depois do pôr do sol. Os moradores juram que a Terra está podre, infectada pela dor e pela traição. Contam que nas noites sem lua, quando o vento sopra do norte, podem-se escutar sons que gelam o sangue.


Não são gritos de mulher, não. Dizem que se escuta o relincho furioso e agônico de um cavalo negro, um som que ecoa no vale como um trovão. E se você prestar muita atenção, sob o assobio do vento, ouve-se o choro incessante de dois recém-nascidos, duas vozes pequenas chorando em dueto, buscando um pai que jaz em uma tumba sem nome, e a umas mães que foram desterradas ao esquecimento.


O eco eterno de um pecado que não pôde ser lavado nem com sangue nem com fogo. A história da família Vargas é um lembrete brutal de uma verdade universal. Você pode construir o castelo mais alto. Você pode ter todo o ouro do mundo e a reputação mais irrepreensível. Mas se os alicerces são feitos de mentiras, cedo ou tarde tudo desabará.


A soberba de um pai, a luxúria de uma mãe e a paixão proibida de uma filha. Três pecados capitais que se encontraram em um cruzamento de caminhos e deixaram apenas escombros.


“Agora eu pergunto a você que escutou esta crônica de destruição. Se tivesse estado no lugar de Dom Aurélio, com seu mundo em pedaços e a honra manchada pelos que mais amava, teria tido a piedade para perdoar? Ou também teria queimado tudo até os alicerces? Às vezes, o verdadeiro monstro não é quem comete o pecado, mas quem decide o castigo. Boa noite.”


Sentença número um. Ele começou.


dirigindo seu olhar vazio para sua esposa.


“A senhora, Dona Inês Vargas, deixará esta casa em uma semana. Será escoltada ao convento de Santa Teresa em Guadalajara. Lá passará o resto de seus dias em oração e penitência por seus pecados. Seu nome será apagado dos registros desta família. Para o mundo, a senhora terá morrido de uma febre repentina.”


Ele não disse: “Você irá”, disse “será enviada”. Não disse “rezarás”, disse: “Passará seus dias”. Era uma ordem de degredo, uma prisão perpétua em uma cela de piedade forçada. Inês não respondeu, permaneceu imóvel, convertida em uma estátua de mármore.


Sentença número dois. Ele continuou girando a cabeça para sua filha. Clara tremeu, mas não chorou. As lágrimas haviam secado para sempre.


“A senhora, Clara Vargas, contrairá matrimônio de imediato. Seu futuro esposo é Dom Ramiro, um viúvo idoso de Oaxaca. Ele foi informado de sua condição e, em troca de um dote extremamente generoso e do cancelamento de todas as suas dívidas, aceitou tomá-la como esposa e reconhecer a criança como sua.”


Ele a vendeu. Sem mais, não houve menção de amor, nem de futuro, nem de felicidade.


Foi uma transação comercial para se desfazer de um produto danificado.


“E finalmente”, concluiu o juiz, “o assunto da evidência.”


Assim se referiu a seus netos não nascidos.


“Quando as crianças nascerem, serão entregues imediatamente após o parto. Foram feitos arranjos para que sejam criadas longe, em orfanatos ou com famílias que desconhecerão seu linho. Não levarão o sobrenome Vargas. Não existirão. Está claro?”


Ninguém respondeu. Não havia nada a responder. O veredito havia sido ditado. Uma semana depois, uma carruagem negra levou Dona Inês, coberta com um véu de luto. No dia seguinte, outra carruagem levou Clara para o sul, para um esposo que não conhecia e uma vida que não queria.


A grande casa da fazenda Vargas, antes um formigueiro de segredos e paixões, ficou em silêncio. Um silêncio de tumba. A família já não existia. Só restava um homem solitário reinando sobre um império de cinzas e fantasmas.

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