Jaime Whitmore odiava cemitérios. Não pelo silêncio ou pelas lembranças de morte, mas pelas verdades que ele era forçado a encarar. As verdades que não podia comprar. O sol da manhã filtrava-se pelas carvalhos cobertos de musgo enquanto ele saía de seu Mercedes, ajustando as mangas do seu terno azul marinho feito sob medida.
O Cemitério Bonaventure estava diante dele como uma pintura desbotada, atemporal, ainda demasiadamente honesta. Seus sapatos italianos faziam um som elegante ao andar pelo caminho de cascalho, algo que parecia deslocado entre as lápides quebradas e as folhas secas de outono. Em uma mão, ele carregava um pequeno buquê de lírios brancos. Na outra, uma tempestade que ele ainda não soubera nomear. Ele não vinha aqui com frequência, apenas uma vez por ano.
Somente quando a culpa o pressionava forte contra as paredes de seu apartamento e o silêncio de sua vida se tornava ensurdecedor. A lápide de Sam ficava mais ao fundo. Simples, de mármore, sem frufrus, apenas um nome, datas e uma inscrição curta. Ele viveu rápido e amou em silêncio. Jaime tinha escrito isso. Metade mentira, metade segredo. Quando ele virou a curva, algo – ou alguém – já estava lá.
Uma pequena figura estava ajoelhada na grama, cabeça baixa, cachos loiros embaralhados, soprando ao vento. Ela usava um vestido de algodão rosa que parecia ter visto mais de um ciclo de lavagem. Uma mochila desbotada estava jogada ao lado dela, com uma margarida cuidadosamente pressionada entre as alças. Jaime parou abruptamente.
Ela não o percebeu a princípio. Sua mãozinha estendeu-se para tocar a lápide com cuidado. Sua voz, quando surgiu, foi quase mais baixa que o vento. “Oi, papai. Eu vim.” O ar de Jaime se prendeu na garganta. A menina virou-se devagar, os olhos azuis arregalados de incerteza, mas sem medo. “Não quis atrapalhar,” disse suavemente. “Só queria ver ele. Peguei o ônibus sozinha.”
Jaime se agachou, colocando os lírios ao lado da lápide. “Você conhecia Sam?” perguntou, a voz mais lenta que o normal. Cauteloso. Ela acenou com a cabeça. “Mamãe disse que ele era meu pai, mas ele foi embora antes de eu nascer. Só queria conhecer ele, mesmo que seja tarde demais.” As palavras dela se assentaram como pedras no peito de Jaime. Ele a olhou, olhou de verdade. Os olhos.
A maneira como seu lábio inferior tremia quando ela falava. “Era impossível, mas eu sou Jaime,” disse ele finalmente. “Sam era meu irmão.” A menina inclinou a cabeça. “Então você é meu tio.” Ele não respondeu de imediato. Sua garganta estava apertada demais para isso. “Qual é o seu nome?” perguntou, em vez disso. “Cynthia Bell,” ela disse. “Meu sobrenome é Monroe. O nome da mamãe é Olivia.”
Ele assentiu lentamente, como se aquilo fizesse sentido. Não fazia. “Eu trouxe uma flor para ele,” ela acrescentou, tirando a margarida da mochila e colocando-a cuidadosamente ao lado dos lírios. “Achei que ele gostaria disso.” Jaime não conseguia desviar os olhos da maneira delicada com que ela arrumava a flor, como se o próprio ato pudesse torná-la inteira.
Uma rajada de vento balançou as árvores, fazendo cair folhas douradas que giraram ao redor deles como confete. Por um momento, nenhum dos dois falou. Então a voz dela surgiu novamente, quase como um sussurro. “Senhor Jaime,” ela perguntou, os olhos levantando-se para os dele. “Você pode ser meu pai por um dia?” O tempo parou. Jaime abriu a boca, mas a fechou de novo. Sua voz, quando retornou, soou como algo quebrando sob pressão.
“Por que você me pediria isso?” Ela olhou para seus sapatos gastos. “Mamãe está sempre cansada, e as outras crianças, elas têm pais. Eu só queria saber como é. Só por um dia.” Jaime não sabia o que dizer.
O que você diz a uma criança pedindo algo tão simples? Algo que quebrava sua vida inteira. Cynthia olhou novamente para a lápide. “Você acha que ele teria me amado?” Jaime sentiu seus joelhos fraquejarem e se sentou na grama. O terno de lado. “Eu não sei tudo sobre o seu pai,” disse ele lentamente. “Mas eu sei de uma coisa. Se ele tivesse te conhecido, ele não teria resistido. Ele teria te amado, Cynthia.”
Ela acenou com a cabeça, como se já tivesse decidido acreditar nisso. Jaime olhou mais atentamente para ela. O vestido pequeno demais, o cabelo emaranhado, a inocência nos olhos, lutando contra um mundo que não lhe deu muito. E ainda assim, esperança. Ela ainda tinha esperança. “Onde está sua mãe agora?” ele perguntou gentilmente. “Em casa,” Cynthia respondeu. “Ela não sabe que eu vim. Ela estava dormindo quando eu saí. Ela dorme muito agora. A medicina a deixa cansada.”
A barriga de Jaime se revirou. “Você tem sete anos, não é?” “Estou na segunda série,” ela fez uma pausa. “Mas eu precisei faltar muito quando a mamãe ficou doente.” Ele se levantou lentamente, tirando a grama de suas calças. “Cynthia,” disse ele, estabilizando a voz. “Eu preciso que você venha comigo. Vamos encontrar sua mãe. Ela deve estar muito preocupada.”
Ela apressou-se em responder. “Ela não vai ficar brava,” disse rapidamente. “Ela fica assustada, mas não brava. Ela só… ela não tem muita energia.” Jaime estendeu a mão. Ela olhou para ela, depois para ele, e então colocou sua pequena mão na dele. Enquanto caminhavam de volta para o estacionamento, ela olhou para trás uma última vez. “Tchau, papai,” ela sussurrou. “Espero que você tenha me ouvido.”
Jaime destravou o carro com um clique. Cynthia olhou para o Mercedes preto como se fosse uma nave espacial.
“Você é rico,” observou. Ele quase riu. Quase. “Eu sou confortável,” respondeu.
Dentro, Cynthia se encolheu no banco de couro macio como se não quisesse ocupar muito espaço. Jaime olhou para ela no retrovisor. “Onde você mora, Cynthia?” Ela lhe disse o endereço perto de East Broad, nas imediações do distrito histórico, o suficiente para ser importante, mas longe o suficiente para ser esquecido.
Enquanto dirigia, a mente de Jaime não parava de correr. Uma filha. Sam tinha uma filha, e ele nunca contou a ninguém. A ideia o incomodava. A cidade passava rápida, as ruas familiares borradas. As mansões imponentes do centro cederam lugar para prédios mais desgastados e varandas caindo. O contraste era chocante. A culpa também.
Cynthia apontou para um prédio estreito de tijolos com as venezianas descascadas e a calçada rachada. “É aqui,” disse ela. Jaime estacionou. O silêncio era ensurdecedor. Quando saiu do carro, Cynthia pegou a mochila e saltou atrás dele. “Terceiro andar,” disse ela. “Às vezes o elevador funciona, às vezes não.” Subiram. O corredor cheirava a poeira e comida distante. No apartamento 3B, Cynthia bateu suavemente.
“Mamãe,” nenhuma resposta. “Mamãe, estou em casa.” Jaime esperou. Um longo momento passou, então passos. A porta se abriu com um rangido. Uma mulher pálida estava atrás dela, cabelo escondido sob um lenço, pele fina como papel, olhos afundados, mas surpreendentemente azuis. Olhos de Sam. Ela congelou. Cynthia correu para seus braços. “Eu encontrei ele, mamãe. Encontrei o tio Jaime.”
Jaime ficou parado, sem saber se deveria avançar ou desaparecer. Olivia olhou lentamente para ele. A voz dela saiu rouca, mas clara. “Você é irmão dele.” Jaime assentiu. “Sim, e eu acho que precisamos conversar.”
O apartamento estava silencioso demais para a presença de uma criança e uma mãe. O tipo de silêncio que se instala onde as pessoas aprenderam a andar com cautela. Jaime entrou, o peso do que acabara de descobrir pressionando seu peito como um colete apertado. Olivia estava diferente do que ele esperava. Não como a mulher que Sam um dia guardou na gaveta. Ela parecia gasta, cansada de um modo que ia além da fadiga. Seu lenço escorregou ligeiramente, revelando a curva pálida de seu pescoço. Seus olhos, embora ofuscados pela doença, eram observadores e afiados.
Cynthia puxou a manga dela. “Mamãe, esse é o tio Jaime. Ele me trouxe para casa.” Olivia colocou a mão na cabeça de Cynthia, alisando seus cabelos.
“Obrigada,” disse ela suavemente, o olhar se voltando para Jaime. “Você não precisava, mas obrigada.”
Jaime pigarreou. “Ela disse que pegou o ônibus sozinha.” Olivia estremeceu. “Eu não sabia. Ela nunca fez isso antes.”
“Eu acredito em você,” Jaime respondeu. “Mas não é seguro.” Seus olhos brilharam brevemente com algo como orgulho, defensividade, culpa. “Você acha que eu não sei disso?”
Jaime respirou fundo, estabilizando sua voz. “Eu não vim aqui para te culpar. Eu só fiquei surpreso. Não sabia que Sam tinha uma filha.” Os lábios de Olivia se apertaram. Ela se apoiou na bancada da cozinha, se estabilizando. “Ele também não sabia. Quando soube, ele já tinha ido embora.”
“Eu não sabia o sobrenome dele. Ele se chamava só Sam. Só Sam.”
