“Por Favor, Finja que Me Conhece”: O Pedido Desesperado de um Estranho no Parque que Salvou Duas Almas Solitárias

O parque municipal assumia tons dourados enquanto Grace ajustava os seus auscultadores para a sua corrida diária. Era o seu ritual de descompressão. Depois de um dia exaustivo no escritório de engenharia, entre folhas de cálculo e números, a sua mente ficava saturada. Aqueles 40 minutos de corrida eram a sua terapia pessoal, um momento de liberdade onde o mundo se tornava apenas um cenário em movimento.

Naquela noite de quinta-feira, a brisa suave contrastava com o calor do final da primavera. A rotina era sempre a mesma: chegar a casa, trocar o fato formal por leggings confortáveis, calçar os ténis gastos e sair. Enquanto os seus sapatos batiam ritmicamente no asfalto, os seus pensamentos, geralmente focados no aumento da renda e nas contas que se acumulavam, começaram finalmente a esvaziar-se.

Foi na segunda volta, ao passar perto do lago artificial, que ela notou um movimento rápido na sua direção. Um homem estava a aproximar-se com passos apressados. Era alto, de boa aparência, mas parecia deslocado. O seu rosto mostrava uma ansiedade palpável e, por um momento, Grace sentiu um alerta interno. Ela abrandou, pronta para mudar de direção.

Foi então que ele chegou perto, a voz quase um sussurro, mas carregada de urgência. “Por favor, finja que me conhece. O meu nome é Daniel.”

Um Pedido Inesperado

O pedido estranho apanhou-a de surpresa. Grace notou que o olhar do homem estava direcionado para além dela, onde dois senhores idosos caminhavam lentamente na mesma vereda. O desespero silencioso nos olhos de Daniel desarmou-a. Havia algo de genuíno naquele pedido, uma vulnerabilidade que não parecia ameaçadora.

Indo contra todo o bom senso e os conselhos de segurança que qualquer mulher conhece, Grace retirou os auscultadores. Com uma naturalidade surpreendente, ela exclamou: “Daniel! Há tanto tempo!”

O alívio no rosto dele foi instantâneo, substituindo a tensão por um sorriso contido. Os dois começaram a caminhar lado a lado, trocando palavras triviais sobre o tempo, sobre como o parque estava bonito àquela hora. Eram frases banais, mas ditas com a familiaridade forçada de quem partilha uma história. Os dois senhores passaram por eles, lançando olhares rápidos. Um deles fez um breve aceno, que Daniel retribuiu com uma polidez estudada.

Assim que ficaram fora do alcance da audição, ele soltou o ar que parecia estar a prender. “Muito obrigado”, disse ele, com uma sinceridade visível. “Não sei como agradecer.”

Grace, geralmente reservada com estranhos, sentiu-se curiosa. “Está tudo bem. Mas posso perguntar porque precisava disto?”

Daniel recompôs-se. “Eu não queria que eles me vissem sozinho”, respondeu ele, simplesmente. Antes que Grace pudesse perguntar mais, ele agradeceu mais uma vez e afastou-se rapidamente, desaparecendo na curva que levava ao estacionamento.

Duas Solidões

A cena ficou com ela durante todo o caminho para casa. O que levaria alguém, um homem bonito e articulado, a ter tanto medo de ser visto sozinho? Naquela noite, deitada na cama, Grace olhou para a moldura na sua mesa de cabeceira: uma fotografia com os pais, cinco anos antes, no último verão antes do diagnóstico de cancro da sua mãe.

Desde que a perdera, Grace fechara-se na sua rotina estruturada e previsível: o trabalho, o pequeno apartamento, a corrida. Era uma segurança e uma solidão autoimposta. Talvez por isso, o pedido daquele estranho a tivesse tocado de uma forma tão peculiar. Ela, melhor do que ninguém, entendia o que era construir uma fachada para o mundo exterior.

Na tarde seguinte, Grace vestiu a sua roupa de corrida mais confortável. Não o admitia para si mesma, mas estava curiosa. O parque parecia diferente, como se guardasse um pequeno segredo partilhado apenas pelos dois. Foi na mesma zona, perto do lago, que o avistou. Ele corria na direção oposta. Por um momento, Grace pensou que ele não a reconheceria, mas quando se cruzaram, os seus olhares encontraram-se.

Ela tomou a iniciativa. “Corre aqui muitas vezes?”, perguntou, abrandando o ritmo.

Daniel parou, surpreendido. “Quase todos os dias. Ajuda a limpar a cabeça.”

“Sei exatamente o que quer dizer”, Grace sorriu. “Eu sou a Grace, a propósito.”

O silêncio que se seguiu não foi desconfortável. Havia uma cumplicidade silenciosa. “Mesma hora amanhã?”, perguntou ela, surpreendendo-se com a própria ousadia.

“Mesma hora”, confirmou ele, um sorriso genuíno a iluminar-lhe o rosto pela primeira vez.

Partilhando os Fantasmas do Passado

Os dias seguintes trouxeram uma nova rotina. Encontravam-se, primeiro trocando acenos, depois correndo alguns quilómetros juntos. A conversa, inicialmente superficial, começou a aprofundar-se. Três semanas após o primeiro encontro, sentaram-se num banco junto ao lago. O sol estava a pôr-se.

“Porque é que aqueles senhores não o podiam ver sozinho?”, perguntou Grace.

Daniel ficou em silêncio por um momento. “Eles são os pais da minha ex-mulher”, começou ele, a voz mais baixa. “Fui casado com a filha deles durante cinco anos.”

Grace observou enquanto ele entrelaçava os dedos. “Eu nunca fui bom o suficiente para eles. Ou para ela, eventualmente. Venho de uma família simples; o meu pai era mecânico. A Helena vinha de uma família tradicional; o pai é um juiz reformado. Quando nos conhecemos na faculdade de arquitetura, as diferenças não importavam.”

O seu corpo denunciava o peso daquelas memórias. “O casamento foi grande, como eles queriam. Mas desde o início, havia sempre aquele olhar, aquele tom nas conversas. ‘Como vai o seu pequeno escritório, Daniel? Quando vai começar a pegar em projetos realmente importantes?'”

Ele imitou as vozes com uma precisão que sugeria o quão profundamente aquelas frases o tinham marcado. “A Helena começou a mudar. Primeiro subtilmente, depois de forma mais notória. Ela repetia as mesmas críticas, questionava as minhas decisões, sugeria que eu não estava a atingir o meu potencial. O que mais doía era que ela usava exatamente as mesmas palavras que eles.”

“Os meus pais morreram quando eu era adolescente”, continuou ele. “Sempre senti que tinha de provar o meu valor, justificar o espaço que ocupava. Acho que foi por isso que aguentei tanto tempo. Pensei que se me esforçasse mais, seria finalmente aceite.”

“O dia em que ela me deixou foi o mais doloroso, mas também foi quando percebi que me podia libertar. Mesmo assim, cada vez que os vejo, tudo volta. É como se eu fosse aquele homem pequeno outra vez, a tentar provar que valho alguma coisa. Por isso é que eu não queria que eles me vissem sozinho.”

Encontrando um Porto Seguro

Grace não ofereceu palavras de conforto imediatas ou clichés. Ela apenas ficou ali, presente, a ouvir. E depois, partilhou a sua própria dor.

“A minha mãe morreu há cinco anos”, disse ela. “Cancro. Durante o tratamento, o meu namorado da altura disse que não conseguia lidar com ‘toda aquela negatividade’.” Ela deu uma risada seca. “Como se a doença dela fosse uma escolha. Desde então, tenho tido cuidado. É mais fácil manter uma rotina e evitar expectativas do que arriscar.”

“Somos dois corredores solitários, então”, concluiu Daniel, com um sorriso gentil.

“Até agora”, respondeu ela, retribuindo o sorriso.

As semanas transformaram-se em meses. O verão chegou. O que eram apenas corridas transformaram-se em cafés, idas a livrarias e longas conversas. Grace notou mudanças subtis em si mesma. Começou a usar cores mais vibrantes. Inscreveu-se num curso, o primeiro passo concreto para o sonho da sua própria consultoria. Daniel, por sua vez, voltou a desenhar à mão livre, algo que tinha abandonado desde a faculdade.

Numa tarde chuvosa, enquanto corriam e riam como crianças à procura de abrigo, Daniel segurou a mão de Grace por um momento mais longo. Os seus olhares encontraram-se. Não precisaram de grandes declarações. Estavam prontos para arriscar outra vez.

O Círculo Completo

Seis meses após o primeiro encontro, caminhavam pelo mesmo parque. O outono tinha chegado, cobrindo as veredas com folhas amarelas. Naquele momento, avistaram os dois senhores idosos. Grace sentiu Daniel enrijecer ligeiramente ao seu lado.

“Quer ir por outro caminho?”, perguntou ela, apertando-lhe a mão.

Daniel respirou fundo, observando os dois idosos. “Não”, respondeu ele, com uma firmeza tranquila. “Não mais.”

Quando se cruzaram, o reconhecimento foi mútuo. Um momento de tensão pairou no ar, até que Daniel, com a dignidade que Grace tanto admirava, fez um aceno educado. “Boa tarde, Sr. e Sra. White.”

Os idosos pareceram surpreendidos com a sua iniciativa, mas responderam com acenos formais antes de continuar o seu caminho.

“Está tudo bem?”, perguntou Grace.

“Estou”, respondeu ele, e havia uma certeza genuína na sua voz. “Na verdade, estou melhor do que estive em muito tempo.”

Enquanto continuavam a caminhada, Daniel virou-se para Grace. “Sabe o que percebi? Eu já não tenho de fingir. Nem para eles, nem para mim mesmo.”

Grace sorriu, compreendendo a profundidade daquelas palavras simples. Em pouco tempo, as suas vidas tinham-se transformado de formas que nenhum deles poderia ter previsto. O que tinha começado como uma farsa desesperada – “Por favor, finja que me conhece” – tornara-se na coisa mais verdadeira e real que qualquer um deles já tinha experienciado.

Entre as corridas, as conversas sinceras e os silêncios partilhados, eles tinham encontrado algo raro: a liberdade de serem exatamente quem eram, com todas as suas imperfeições e sonhos. De mãos dadas, ambos sabiam que já não estavam a correr dos seus passados, mas sim em direção a um futuro que, pela primeira vez em muito tempo, não temiam enfrentar.

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