O escravo que engravidou a mãe e a filha do proprietário de terras enquanto viajava.

Em setembro de 1802, um jornal de Richmond, Virgínia, publicou um artigo que abalou toda a nação americana. O presidente dos Estados Unidos, Thomas Jefferson, o homem que havia escrito as palavras “Todos os homens são criados iguais”, mantinha como concubina uma das suas escravas. O nome dela era Sally, e havia tido vários filhos com ela.

O escândalo explodiu no meio da presidência de Jefferson. Os seus inimigos políticos usaram a história para o destruir. Os jornais publicavam caricaturas obscenas. Os sermões nas igrejas condenavam-no. Mas Jefferson nunca respondeu, nunca negou, nunca confirmou, simplesmente guardou silêncio. E esse silêncio durou 200 anos.

O que o jornal não publicou era ainda pior. Sally Hemings não era apenas a sua escrava, era a meia-irmã da sua esposa morta. As duas mulheres partilhavam o mesmo pai. Quando a esposa de Jefferson morreu, ele herdou Sally. Ela tinha 9 anos. 18 anos depois, Sally havia tido seis filhos.

Todos do mesmo homem, todos filhos do presidente, todos nascidos na escravatura. Todos com a pele suficientemente clara para se confundirem com brancos, todos com o rosto de Thomas Jefferson. Como o autor da Declaração de Independência, acabou por ter uma família secreta com a irmã da sua esposa morta.

Como uma menina de 16 anos engravidou do homem mais poderoso da América. Por que Sally aceitou voltar de Paris quando podia ter sido livre? E como viveram durante 38 anos sob o mesmo teto sem que ninguém fizesse nada para o impedir? A resposta está no que começou em 1787 quando Thomas Jefferson levou Sally Hemings para Paris. Quando ela chegou a Paris com 14 anos e ele tinha 44, quando ela ainda era legalmente sua propriedade e quando ele lhe fez uma promessa que mudaria o destino de ambos para sempre.

Esta é a história que a América tentou enterrar durante dois séculos. A história que só o ADN pôde confirmar. A história do presidente e da escrava que era irmã da sua esposa morta.

Virgínia, Estados Unidos, 1782. Thomas Jefferson tinha 39 anos. Era advogado, político, arquiteto, filósofo. Havia escrito a Declaração de Independência 6 anos antes. Era respeitado em toda a nação.

Tinha uma plantação chamada Monticello, com centenas de acres que trabalhavam para ele. Era um homem de princípios. Ou pelo menos era o que dizia. Em setembro desse ano, a sua esposa Martha morreu depois de dar à luz o seu sexto filho. Jefferson ficou devastado. Passou três semanas fechado no seu quarto.

Quando finalmente saiu, fez uma promessa. Nunca voltaria a casar-se. Nunca substituiria Martha. Cumpriu essa promessa, mas encontrou outra maneira de não estar sozinho. Martha Wayles Jefferson havia trazido um dote considerável para o seu casamento, terras, dinheiro e escravos. Entre esses escravos estava a família Hemings, Elizabeth Hemings e os seus filhos.

Um desses filhos era Sally. Ela tinha 9 anos quando Martha morreu. Era pequena, magra, de pele clara, tinha o cabelo longo e liso. Não parecia uma escrava africana porque não o era completamente. O seu pai era John Wayles, o pai de Martha, o sogro de Jefferson. Sally Hemings era a meia-irmã da esposa morta de Jefferson e agora era sua propriedade.

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Agora sim, regressemos a 1782, a Monticello, à plantação onde Thomas Jefferson acabava de herdar a irmã de 9 anos da sua esposa morta e onde 5 anos depois tomaria uma decisão que mudaria ambas as vidas para sempre. Quando Martha Jefferson morreu, Thomas herdou tudo o que ela havia trazido para o casamento.

Isso incluía a família Hemings. Elizabeth Hemings era a matriarca. Tinha 57 anos. Havia sido escrava de John Wayles, o pai de Martha. Havia tido 12 filhos. Seis deles eram de John Wayles. Eram irmãos de Martha, meios-irmãos, escravos com o sangue do seu próprio pai. Um desses meninos era Sally.

Ela tinha 9 anos quando chegou a Monticello. Sally não trabalhava nos campos, isso era invulgar. As crianças escravas começavam a trabalhar nos campos a partir dos 7 ou 8 anos. Mas Sally foi designada para a casa principal. Trabalhava como criada, ajudava na cozinha, servia a mesa, limpava os quartos, estava perto da família branca de Jefferson o tempo todo. Isso também era invulgar.

Jefferson tinha regras estritas sobre quais escravos podiam estar na casa, mas Sally e os seus irmãos eram diferentes. Eram família de Martha, sangue dos Wayles. Isso dava-lhes certos privilégios que outros escravos não tinham. Os anos passaram. Sally cresceu. Jefferson passava a maior parte do seu tempo na política. Viajava constantemente, foi governador da Virgínia.

Depois enviado para a França como ministro. Em 1784, Jefferson partiu para Paris. Levou consigo a sua filha mais velha, Patsy, que tinha 11 anos. Deixou as suas duas filhas mais novas na Virgínia com familiares. O seu plano era ficar em França apenas 2 anos. Ficou cinco. Durante esses anos, Jefferson viveu em Paris como diplomata. Tinha uma casa elegante nos Campos Elísios.

Assistia a jantares com nobres franceses, conhecia filósofos e artistas, desfrutava da cultura europeia, mas sentia falta das suas filhas. Em 1787 decidiu que era tempo de trazer Polly, a sua filha de 9 anos, para Paris. Escreveu ao seu cunhado na Virgínia. Precisava que enviassem a menina de barco e precisava que viajasse com uma acompanhante, uma mulher adulta responsável que pudesse cuidar dela durante as seis semanas de travessia.

Mas quando o barco chegou a Londres em junho de 1787, quem desceu com Polly não era uma mulher adulta, era Sally Hemings. Tinha 14 anos. O capitão do barco escreveu uma carta a Jefferson a explicar a situação. A mulher que devia acompanhar Polly havia adoecido no último momento. A família decidiu enviar Sally em seu lugar.

O capitão escreveu que Sally era uma moça muito agradável, que havia cuidado bem de Polly durante toda a viagem, que a menina estava saudável e feliz. Jefferson recebeu a carta, não expressou raiva pela mudança de planos, simplesmente fez os arranjos para que ambas viajassem de Londres para Paris. Sally chegou a Paris em meados de julho. Estava calor. A cidade estava cheia de vida.

Sally nunca havia saído da Virgínia. Nunca havia visto uma cidade tão grande, nunca havia visto tantas pessoas. Jefferson recebeu-as na sua casa, abraçou Polly, depois olhou para Sally. Ela havia mudado. Já não era a menina de 9 anos de que se lembrava.

Tinha 14 anos agora. Era alta, magra, tinha o cabelo longo e liso, a pele clara, os traços delicados. Parecia-se com alguém, com Martha, a esposa morta de Jefferson. Isso não era coincidência. Sally e Martha eram irmãs. Partilhavam os mesmos genes, os mesmos traços. Sally era como um fantasma do passado, uma lembrança viva da mulher que Jefferson havia amado.

Jefferson decidiu que Sally ficaria em Paris, não a enviaria de volta para a Virgínia. Polly precisava de uma acompanhante constante, alguém que cuidasse dela. Sally cumpriria esse papel. Mas Sally também precisava de treino. Em França os criados eram mais refinados do que na Virgínia. Jefferson pagou para que Sally aprendesse francês, para que aprendesse a costurar melhor, para que aprendesse os modos franceses.

Sally passou 2 anos em Paris a aprender, a crescer, a viver numa cidade onde a escravatura não existia legalmente, onde os escravos podiam pedir a sua liberdade perante um tribunal, onde podiam ser livres. Sally vivia na casa de Jefferson. Dormia num pequeno quarto no andar de cima. Ajudava a vestir Patsy e Polly.

Acompanhava-as à escola, fazia compras nos mercados, aprendia o idioma. Os vizinhos viam-na como uma criada, não como uma escrava, porque tecnicamente não o era. Em solo francês, Sally era livre. Podia ir-se embora se quisesse. Podia ficar em França, podia pedir asilo. Podia começar uma nova vida. Mas tinha 14 anos.

Estava sozinha, não conhecia ninguém, não tinha dinheiro, não tinha família, exceto os Jefferson. Para onde iria? Jefferson passava muito tempo em casa durante esses anos. Não viajava tanto como antes. Trabalhava do seu atelier, recebia visitantes, escrevia cartas e observava, observava Sally a mover-se pela casa. Observava como aprendia francês rapidamente.

Observava como Polly a adorava. Observava como se parecia cada dia mais com Martha. Cada gesto, cada movimento, cada sorriso. Era como ter Martha de volta, mas mais jovem, mais vulnerável e completamente dependente dele. Não está claro exatamente quando começou.

Os registos não o dizem, os documentos são vagos, mas em algum momento entre 1787 e 1789, Thomas Jefferson e Sally Hemings começaram uma relação. Ele tinha 44 anos. Ela tinha 16. Ele era o ministro dos Estados Unidos em França. Ela era a sua escrava. Ele era livre de fazer o que quisesse. Ela não tinha opções reais. Essa é a natureza do poder. Essa é a natureza da escravatura.

Não importa que estivessem em França, não importa que tecnicamente ela fosse livre. O poder entre eles era tão desigual que a palavra “consentimento” não tinha significado real. No outono de 1789, Jefferson recebeu notícias dos Estados Unidos. George Washington havia sido eleito presidente e Washington queria Jefferson no seu gabinete como secretário de Estado.

Jefferson teria que regressar à Virgínia, teria que deixar Paris. Começou a fazer os preparativos, empacotou os seus livros, os seus móveis, os seus documentos. Comprou passagens num barco que sairia em outubro. Duas passagens para as suas filhas, uma para James Hemings, o irmão de Sally, que trabalhava como seu chef, e uma para Sally.

Mas Sally não queria ir-se embora. Pela primeira vez na sua vida tinha algo parecido com a liberdade. Em Paris ninguém a tratava como escrava. Podia caminhar pelas ruas sozinha. Podia falar com quem quisesse, podia sonhar com um futuro diferente. Se regressasse à Virgínia, tudo isso terminaria.

Voltaria a ser propriedade, voltaria a ser escrava, voltaria a não ter direitos, voltaria a não ter voz e havia algo mais. Sally estava grávida. Tinha 16 anos. Estava num país estrangeiro e carregava no seu ventre o filho do homem que tecnicamente a possuía. Segundo o testemunho do seu filho Madison Hemings, dado muitos anos depois, Sally recusou-se a regressar.

Disse a Jefferson que ficaria em França, que poderia ser livre ali, que o seu filho nasceria livre. Jefferson não podia obrigá-la. Não legalmente, não em França. Então fez a única coisa que podia fazer. Rogou-lhe, fez-lhe promessas, prometeu-lhe que se regressasse à Virgínia a trataria bem, que teria privilégios, que nunca trabalharia nos campos.

E o mais importante, prometeu-lhe que todos os seus filhos seriam libertados quando completassem 21 anos. Essa era a promessa, liberdade, não para ela, mas sim para os seus filhos, para a geração seguinte. Sally tinha 16 anos, estava grávida, estava sozinha, não conhecia ninguém em França, exceto os Jefferson. Não tinha dinheiro, não tinha um lugar para onde ir. As promessas de Jefferson eram tudo o que tinha.

Então aceitou. Em outubro de 1789, Sally Hemings subiu para um barco com destino à Virgínia. Estava grávida de 3 meses. Viajava com o pai do seu filho, o homem que era o seu dono, o homem que havia sido o marido da sua meia-irmã. Regressava a uma vida de escravatura porque era a única opção que tinha, ou pelo menos a única opção que podia ver. Sally Hemings chegou de volta a Monticello em novembro de 1789.

Estava grávida de 5 meses. Ninguém fez perguntas. Os escravos sabiam que era melhor não perguntar. A família branca de Jefferson também não perguntou. Ou se suspeitavam de algo, guardaram silêncio. Sally foi designada de volta para a casa principal, não para os campos, não para as cozinhas dos escravos, para a casa perto de Jefferson.

Perto das suas filhas, como se nada tivesse mudado. Mas tudo havia mudado. Em 1790, Sally deu à luz o seu primeiro filho. Não há registo do nome, não há registo da data exata, apenas uma nota breve nos documentos de Jefferson indicando que um bebé havia nascido. E depois outra nota. O bebé morreu poucas semanas depois do nascimento. Não se sabe de quê.

As doenças infantis eram comuns, a mortalidade era alta, especialmente entre os escravos. Sally tinha 17 anos. Havia perdido o seu primeiro filho. Jefferson não escreveu nada sobre isso nas suas cartas privadas. Não mencionou o nascimento, não mencionou a morte, como se não tivesse acontecido.

Jefferson foi nomeado secretário de Estado sob a presidência de George Washington. Isso significava que passaria muito tempo em Filadélfia, onde estava a capital naquele momento, mas regressava a Monticello com frequência, a cada poucos meses, ficava semanas, às vezes meses, e cada vez que regressava, Sally estava ali à espera, a trabalhar, a viver num pequeno quarto no edifício sul da plantação, um quarto ao lado do de Jefferson. Isso não era normal.

Os escravos não viviam em quartos ao lado dos seus amos, mas Sally não era uma escrava normal e todos em Monticello o sabiam. Em 1795, Sally deu à luz uma menina. Chamaram-na Harriet. Era de pele clara, muito clara, tanto que podia passar por branca. Tinha os traços de Jefferson, os olhos, a forma da cara.

Qualquer um que os visse juntos poderia notá-lo, mas ninguém dizia nada. Harriet viveu 2 anos, depois morreu. De novo, não há registo da causa. De novo, Jefferson não escreveu sobre isso. Dois filhos mortos. Sally tinha 22 anos, havia perdido dois bebés e continuava a ser escrava. Em 1798, Sally deu à luz um menino. Chamaram-no Beverly. Esta vez o bebé sobreviveu.

Cresceu forte, saudável, de pele clara como a sua irmã, com os traços de Jefferson. Beverly não trabalhava nos campos. Trabalhou como carpinteiro, como músico. Vivia na casa grande, não nas cabanas dos escravos. Era tratado diferente. Melhor, porque todos sabiam quem era o seu pai.

Embora ninguém o dissesse em voz alta. Em 1799, Sally deu à luz uma menina. Não há registo do nome. O bebé morreu na infância. Três filhos mortos agora, um filho vivo. Sally tinha 26 anos. Jefferson tinha 56. Ele era agora o vice-presidente dos Estados Unidos, o segundo homem mais poderoso da nação. E continuava a regressar a Monticello, continuava a regressar a Sally.

Em 1800, Sally deu à luz outra menina. Também a chamaram Harriet, como a primeira que havia morrido. Esta Harriet sobreviveu. Era bonita, de pele clara, cabelo liso, olhos azuis. Não parecia escrava, parecia uma menina branca de boa família. E isso era exatamente o que era, pelo menos por metade. Nesse mesmo ano, Thomas Jefferson foi eleito presidente dos Estados Unidos.

Mudou-se para Washington D.C. Viveu na Casa Branca, mas continuava a regressar a Monticello a cada poucos meses. Passava semanas ali, às vezes meses, durante o verão quando o calor em Washington era insuportável. E cada vez que regressava, Sally estava ali à espera dele.

Durante esses anos Jefferson era o homem mais poderoso da América. Mas em Monticello, naquele pequeno quarto, ao lado do seu, vivia o seu segredo. Os escravos de Monticello sabiam, os vizinhos suspeitavam, os visitantes notavam os meninos de pele clara que se pareciam com o presidente, mas ninguém falava. Não publicamente, até que alguém o fez.

Em setembro de 1802, um jornalista chamado James Callender publicou um artigo no jornal Recorder. Callender, aliado de Jefferson, havia-o apoiado politicamente, mas os dois haviam tido uma briga. Callender queria vingança e tinha a história perfeita para destruir Jefferson. O artigo dizia que o presidente Jefferson mantinha como concubina uma das suas escravas, que o nome dela era Sally, que havia tido vários filhos com ela, que esses meninos viviam em Monticello, que se pareciam com Jefferson, que todos na Virgínia o sabiam, mas ninguém se atrevia a dizê-lo.

Callender escreveu com detalhes específicos, nomes, idades, descrições. Não estava a inventar, estava a relatar o que havia escutado, o que muitos sabiam, o que ninguém se havia atrevido a publicar. O escândalo explodiu.

Os jornais de todo o país reproduziram a história. Os inimigos políticos de Jefferson, os federalistas, usaram o artigo para o atacar. Publicaram caricaturas obscenas. Escreveram poemas satíricos, chamaram-no hipócrita. Diziam que o homem que havia escrito que todos os homens são criados iguais, tinha filhos escravos, que o presidente da nação mantinha uma amante escrava, que era um mentiroso, uma fraude, um homem sem moral.

Jefferson não respondeu, nunca negou o artigo, nunca confirmou nada, simplesmente guardou silêncio. As suas filhas defenderam o seu pai, disseram que era impossível, que ele nunca faria algo assim, que os meninos de pele clara em Monticello eram filhos dos sobrinhos de Jefferson, não dele, que Callender estava a mentir por vingança.

Mas Jefferson mesmo nunca disse nada, nem uma única palavra pública sobre Sally Hemings, nem uma única negação, nem uma única confirmação. O escândalo eventualmente passou. Jefferson foi reeleito em 1804, cumpriu o seu segundo mandato completo e continuou a regressar a Monticello, continuou a ver Sally, continuou a ter filhos com ela porque o poder protege.

E Jefferson tinha todo o poder. Sally não tinha nenhum. Em 1805, Sally deu à luz um menino. Chamaram-no Madison. Era o seu quinto filho vivo. Beverly tinha 7 anos. Harriet tinha quatro. Madison cresceu sabendo quem era o seu pai. Anos depois, quando era adulto e livre, deu uma entrevista a um jornal. Contou toda a história.

Disse que o seu pai era Thomas Jefferson, que a sua mãe era Sally Hemings, que Sally havia sido a concubina de Jefferson durante 37 anos, que todos os seus irmãos eram filhos de Jefferson, que havia crescido em Monticello sabendo isto, que todos o sabiam, que ninguém falava sobre isso, mas que era verdade. Em 1808, Sally deu à luz o seu último filho. Chamaram-no Eston. Tinha a pele mais clara de todos.

Podia passar completamente por branco. Anos depois, quando foi livre, mudou o seu apelido. Chamou-se a si mesmo Eston Hemings Jefferson. Tomou o apelido do seu pai, o apelido que legalmente nunca teve direito de usar, mas que era seu por sangue.

Sally Hemings teve filhos de Thomas Jefferson. Quatro sobreviveram até à idade adulta: Beverly, Harriet, Madison e Eston. Todos de pele clara. Todos com os traços de Jefferson. Todos escravos por nascimento. Porque a lei dizia que os filhos seguiam a condição da mãe. Não importava quem fosse o pai. Se a mãe era escrava, os filhos eram escravos.

Mesmo se o Pai fosse o presidente dos Estados Unidos, mesmo se o Pai tivesse escrito que todos os homens são criados iguais. A lei era clara e a lei protegia os homens como Jefferson, nunca as mulheres como Sally.

Depois do escândalo de 1802, Thomas Jefferson cumpriu dois mandatos completos como presidente, 8 anos. Durante esses anos viajava constantemente entre Washington D.C. e Monticello. Passava meses na capital.

Depois regressava à Virgínia e cada vez que regressava Sally estava ali. O escândalo não mudou nada. Jefferson não a vendeu, não a enviou para longe, não terminou a relação, simplesmente continuou como se nada tivesse acontecido porque podia, porque ninguém podia obrigá-lo a fazer nada diferente. Em 1809, Jefferson terminou a sua presidência. Tinha 66 anos. Estava cansado da política.

Regressou a Monticello para ficar, para viver os seus últimos anos na sua plantação com a sua família branca e com Sally. Ela tinha 36 anos, havia passado metade da sua vida com Jefferson. Havia tido seis filhos seus. Havia perdido dois. Havia criado quatro e continuava a ser a sua escrava.

A vida em Monticello tinha uma rotina estranha. Jefferson vivia na casa principal com as suas filhas brancas e os seus netos. Sally vivia num quarto pequeno no edifício sul, ligado à casa por um corredor. Os seus filhos viviam perto. Beverly trabalhava como carpinteiro. Harriet ajudava na casa. Madison e Eston eram ainda crianças.

Todos trabalhavam, mas não como os outros escravos, não nos campos sob o sol, não sendo açoitados pelos capatazes, trabalhavam na casa, aprendiam ofícios, tinham privilégios que os outros escravos de Monticello não tinham. Os visitantes notavam os meninos de pele clara, perguntavam quem eram. Os escravos respondiam com evasivas. “São parte da família Hemings. São bons trabalhadores.”

“Têm sangue branco”, mas nunca diziam de quem. Todos o sabiam, mas ninguém o dizia em voz alta. Era o segredo que todos partilhavam, o segredo que protegiam. Porque Jefferson era poder, Jefferson era respeitado, porque dizer a verdade em voz alta significaria destruir tudo. Um escravo chamado Isaac Jefferson, que trabalhou em Monticello durante anos, deu uma entrevista muitos anos depois. Falou sobre a vida na plantação, mencionou Sally Hemings.

Disse que ela era a camareira das filhas de Jefferson, que era muito querida pela família, que nunca trabalhou nos campos, que sempre esteve perto do senhor Jefferson. Mas Isaac nunca disse que Sally fosse a concubina de Jefferson. Nunca disse que os seus filhos eram de Jefferson, embora claramente o soubesse porque todos o sabiam.

As filhas brancas de Jefferson também sabiam, ou pelo menos suspeitavam. Viam os meninos Hemings todos os dias. Viam como se parecem com o seu pai. Viam os privilégios que tinham. Viam como Sally vivia num quarto ao lado de Jefferson, mas nunca falaram sobre isso. Anos depois, quando Jefferson já havia morrido, as netas de Jefferson negaram toda a história.

Disseram que era impossível, que o seu avô nunca faria algo assim, que os meninos Hemings eram filhos dos sobrinhos de Jefferson. Inventaram esta história, defenderam-na durante décadas porque admitir a verdade significava admitir que o seu avô havia tido uma família escrava, que havia mantido como concubina a irmã da sua esposa morta. Isso era demasiado vergonhoso, demasiado doloroso.

Então mentiram e esperavam que ninguém pudesse provar o contrário. Os anos passaram. Jefferson envelheceu. Tinha dívidas enormes. A plantação não gerava dinheiro suficiente. Havia vivido acima dos seus meios durante décadas, comprando livros, construindo edifícios, importando vinhos, colecionando arte, tudo com dinheiro emprestado.

Para 1826 devia o equivalente a mais de milhões de dólares atuais. Sabia que quando morresse Monticello teria que ser vendida. Os escravos teriam que ser vendidos. Tudo se perderia. A sua família branca ficaria sem nada. Mas havia uma coisa que Jefferson podia controlar. Podia decidir quais escravos libertar no seu testamento.

A lei da Virgínia permitia que os amos libertassem os seus escravos ao morrer. Jefferson havia libertado muito poucos escravos durante a sua vida, mas agora, sabendo que morreria em breve, tinha que tomar decisões. Decidiu libertar cinco escravos, apenas cinco dos mais de que possuía naquele momento. Dois deles eram os irmãos de Sally, os outros três eram filhos de Sally. Beverly, Madison e Eston os libertaria.

Cumpriu a promessa que havia feito a Sally 37 anos antes em Paris, mas não libertou Sally. O seu nome não aparece no testamento. Não há nenhuma carta de liberdade para ela. Nada. Depois de 37 anos, depois de seis filhos, depois de toda uma vida sendo a sua concubina, Jefferson não a libertou. Talvez pensasse que não era necessário. Talvez pensasse que as suas filhas a libertariam informalmente.

Talvez simplesmente não se importou o suficiente. Não o sabemos. O que sabemos é que quando Thomas Jefferson morreu a 4 de julho de 1826, Sally Hemings ainda era legalmente a sua escrava. Jefferson morreu na sua cama em Monticello. Tinha 83 anos. Havia vivido uma vida extraordinária. Havia escrito a declaração de independência.

Havia sido governador, ministro, vice-presidente, presidente. Havia fundado a Universidade da Virgínia. Era considerado um dos grandes homens da América, um dos pais fundadores, um génio, um visionário, um herói. Morreu no mesmo dia que John Adams, o segundo presidente. Foi visto como um sinal do destino. Dois grandes homens a morrer no mesmo dia.

O aniversário da Declaração de Independência foi notícia em todo o país. Os jornais publicaram elogios, falaram da sua grandeza, do seu legado, da sua importância para a nação. Ninguém mencionou Sally Hemings. Ninguém falou dos seis filhos que havia tido com ela.

Ninguém mencionou que havia passado 37 anos numa relação com a sua escrava, que essa escrava era a irmã da sua esposa morta, que havia prometido libertar os seus filhos, que não havia libertado a mãe. Tudo isso foi ignorado, enterrado, esquecido, porque essa não era a história que a América queria contar sobre Thomas Jefferson.

Essa não era a história que fazia dele um herói. Então, essa história desapareceu. Tornou-se rumor, boato, algo que as pessoas respeitáveis não mencionavam e assim permaneceu durante quase 200 anos.

Sally Hemings não foi oficialmente libertada, mas a filha de Jefferson, Martha, permitiu-lhe ir-se embora de Monticello, pouco depois da morte do seu pai. Sally mudou-se para Charlottesville, a cidade mais próxima. Viveu com os seus filhos Madison e Eston. Tinha 53 anos. Pela primeira vez na sua vida não vivia em Monticello, não servia a família Jefferson, não era propriedade de ninguém, era de facto livre, embora legalmente continuasse a ser escrava até à sua morte.

Sally Hemings viveu 9 anos mais, morreu em 1835, tinha 62 anos. No censo de 1830, 5 anos antes da sua morte, foi registada como mulher branca, não como mulata, não como negra, como branca. Os seus filhos foram registados como brancos, haviam cruzado a linha de cor, haviam-se tornado o que a sua pele lhes permitia ser.

Haviam escapado da escravatura, não apenas legalmente, mas também socialmente. Haviam-se tornado brancos e com isso haviam apagado a sua conexão com Sally, com Jefferson, com toda a história, porque essa era a única maneira de sobreviver, essa era a única maneira de ser livres de verdade.

Os quatro filhos de Sally Hemings, que sobreviveram até à idade adulta, tomaram caminhos diferentes depois de obterem a sua liberdade. Todos tinham a pele suficientemente clara para passar por brancos e todos usaram essa vantagem para escapar da escravatura de maneiras que outros não podiam.

Beverly Hemings desapareceu em 1822. Tinha 24 anos. Simplesmente foi-se embora de Monticello um dia e nunca regressou. Jefferson registou nos seus livros que Beverly havia fugido, mas não enviou ninguém para o procurar. Deixou-o ir.

Cumpriu a sua promessa de uma maneira estranha. Beverly foi para o norte. Casou-se com uma mulher branca. Viveu como homem branco. Teve filhos. Os seus descendentes nunca souberam que tinham sangue africano. Nunca souberam que o seu bisavô havia sido Thomas Jefferson. Beverly apagou essa história deliberadamente. Era a única maneira de ser verdadeiramente livre.

Harriet Hemings também se foi em 1822. Tinha 21 anos. Jefferson deu-lhe dinheiro para a viagem. suficientes para ir para longe. Harriet foi para Washington D.C. Casou-se com um homem branco. Viveu como mulher branca. Teve filhos. A sua família nunca soube a verdade.

Harriet guardou o segredo até à sua morte porque revelar a verdade significava perder tudo, significava ser rejeitada pelo seu marido, significava que os seus filhos seriam considerados negros. Significava voltar à escravatura social. Então, Harriet escolheu o silêncio, como a sua mãe havia escolhido o silêncio durante toda a sua vida.

Madison Hemings foi diferente. Foi libertado oficialmente no testamento de Jefferson em 1826. Tinha 21 anos. Ficou na Virgínia. Casou-se com uma mulher negra livre. Teve filhos. Viveu como homem negro. E em 1873, quando tinha 68 anos, deu uma entrevista a um jornal. Contou toda a história.

Disse que o seu pai era Thomas Jefferson, que a sua mãe era Sally Hemings, que Sally havia sido a concubina de Jefferson durante 37 anos, que todos os seus irmãos eram filhos de Jefferson, que havia crescido em Monticello sabendo isto, que não era um segredo para ninguém que vivia ali. Madison foi o único que disse a verdade publicamente, o único que não teve medo, o único que não se escondeu.

Eston Hemings também foi libertado em 1826. Tinha 18 anos. Ficou na Virgínia por um tempo, casou-se. Teve filhos. Mas em 1852 decidiu mudar-se para Ohio e quando se mudou mudou o seu apelido. Chamou-se a si mesmo Eston Hemings Jefferson.

Tomou o apelido do seu pai, o apelido que legalmente nunca teve direito de usar, mas que era seu por sangue. Em Ohio, Eston e a sua família viveram como brancos. Os seus filhos casaram-se com pessoas brancas. Os descendentes de Eston nunca souberam que tinham sangue africano, mas sempre souberam que descendiam de Thomas Jefferson. Essa parte da história a guardaram. A história de Sally a apagaram.

Depois da morte de Jefferson, a sua família branca negou toda a história durante mais de 150 anos. Disseram que era impossível, que Jefferson nunca teria tido uma relação com uma escrava, que os meninos Hemings eram filhos dos sobrinhos de Jefferson, não dele. Inventaram histórias complicadas para explicar por que os meninos se pareciam tanto com Jefferson.

Disseram que as famílias se parecem, que os primos se parecem, que era apenas uma coincidência. Atacaram a credibilidade de Madison Hemings. Disseram que ele estava a mentir, que estava a procurar atenção, que queria associar-se a um nome famoso. A família branca de Jefferson protegeu a sua reputação durante décadas e a América acreditou neles porque ninguém queria acreditar que um pai fundador havia tido uma família escrava.

Os historiadores também negaram a história durante muito tempo. Disseram que não havia evidência suficiente, que o testemunho de Madison Hemings não era confiável, que os escravos mentiam, que Jefferson era um homem de princípios, que nunca faria algo assim. Alguns historiadores admitiam que era possível, mas a maioria negava.

Especialmente os historiadores que admiravam Jefferson, que haviam dedicado as suas vidas a estudar o seu legado. Admitir a verdade sobre Sally Hemings significava admitir que Jefferson era um hipócrita, que o homem que escreveu sobre a igualdade manteve os seus próprios filhos na escravatura. Isso era demasiado incómodo.

Então, a história foi ignorada, minimizada, negada. Mas em 1998 tudo mudou. Um grupo de cientistas realizou testes de ADN nos descendentes de Eston Hemings e nos descendentes da família Jefferson. Os resultados foram claros. Os descendentes de Eston tinham o ADN da linha Jefferson. Não podia ser coincidência.

Não podia ser um sobrinho, tinha que ser Thomas Jefferson ou alguém muito próximo dele na linha direta. E dado que Jefferson era o único homem Jefferson que vivia em Monticello quando Eston foi concebido, a conclusão era óbvia. Thomas Jefferson era o pai de Eston Hemings.

E se era o pai de Eston, provavelmente era o pai de todos os filhos de Sally. 172 anos depois da morte de Jefferson, a ciência confirmou o que Madison Hemings havia dito em 1873, o que os escravos de Monticello sempre haviam sabido, o que Sally Hemings havia vivido durante 37 anos. Thomas Jefferson havia tido seis filhos com a sua escrava. A escrava que era a meia-irmã da sua esposa morta.

A escrava que havia começado a ter uma relação com ele quando tinha 16 anos. A escrava que nunca foi livre, a escrava que foi apagada da história oficial durante quase dois séculos. No ano 2000, a Fundação Thomas Jefferson, que administra Monticello como museu, publicou um relatório oficial.

Reconheceram a relação, reconheceram os filhos, reconheceram que a história que haviam negado durante tanto tempo era verdade. Mudaram as exposições em Monticello. Acrescentaram informação sobre Sally Hemings, sobre os seus filhos, sobre o quarto onde viveu, sobre a promessa que Jefferson lhe fez em Paris, sobre os 37 anos que passaram juntos, sobre o facto de que ele nunca a libertou.

Thomas Jefferson morreu como um dos grandes homens da América. Sally Hemings morreu como uma ex-escrava esquecida. Os seus filhos foram livres, mas tiveram que se esconder ou negar quem eram para viver em paz. Alguns escolheram ser brancos, outros escolheram ser negros, mas todos carregaram com o peso de um segredo que a América não queria conhecer.

O segredo de que o homem que escreveu que todos os homens são criados iguais, teve seis filhos com a sua escrava e nunca os reconheceu publicamente, nunca os libertou até que cumprissem 21 anos e nunca libertou a sua mãe. Esta é a história que a América enterrou durante 200 anos. A história que só a ciência pôde confirmar.

A história do presidente e da escrava, do poder e da impotência, da hipocrisia e da sobrevivência, de Thomas Jefferson e Sally Hemings e dos seis filhos que nasceram na sombra do homem mais poderoso da América.

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