
O primeiro som não foi o grito dela. Foi o chapinhar. Água fria atingiu-lhe o rosto enquanto ela arfava. Mãos a tremer contra a borda áspera do bebedouro. O seu vestido rasgado colava-se às costas, manchado de terra e sangue. O sol sobre as planícies do Texas queimava impiedosamente. Moscas circulavam as suas feridas como se já soubessem que ela estava demasiado fraca para lutar.
Elias McCrae estava atrás dela, 52 anos, pele curtida como couro velho, a camisa encharcada de suor e culpa. Ele não era o pai dela. Ele não era o marido dela. Mas de alguma forma ela tinha acabado nas terras dele, meio morta, mal respirando, e ninguém na cidade queria saber como ou porquê.
“Aguenta”, disse ele calmamente.
Ela tentou. Os braços dela tremiam. Os lábios estavam azuis. A água no bebedouro ondulou quando a respiração dela falhou. Tinha sido encontrada ao nascer do sol junto à linha da cerca, espancada, descalça, deixada para morrer. Alguns diziam que era uma fugitiva, outros sussurravam que era amaldiçoada. Mas quando Elias a levantou do pó, algo dentro dele quebrou-se.
Ele tinha visto gado a morrer, homens a passar fome e casas queimadas. No entanto, nunca tinha visto olhos tão vazios. Derramou água sobre os ombros dela, lavando o sangue. O som foi suave, quase terno. E pela primeira vez naquela manhã, ela moveu-se. Os dedos agarraram a madeira com mais força. Recusando-se a largar. Era como se o corpo dela estivesse a implorar à terra para não a esquecer.
O rancho estava silencioso exceto pelo vento. Ninguém veio ajudar. Ninguém ousou. Elias olhou para o horizonte, para a longa estrada que levava de volta à cidade de Moidi. Ele conhecia os homens que fizeram isto. Homens com botas polidas pelo medo. Não pelo pó. Homens que riam quando as mulheres gritavam. Cerrou a mandíbula, sabendo que se ela vivesse, eles voltariam. A rapariga tentou falar.
A voz dela era um sussurro. “Porquê eu?”
Ele não respondeu. “Ainda não.”
Mergulhou um pano na água e pressionou-o contra o rosto dela. Ela estremeceu, mas não se afastou. Os olhos dela encontraram os dele cheios de terror e algo mais. Uma pergunta. Ela tinha 25 anos. Talvez uma estranha sem nome que alguém se importasse em lembrar. Mas Elias viu algo diferente.
Por baixo dos hematomas, por baixo da terra, algo que se recusava a morrer. O sol subiu mais alto, pintando as planícies de ouro. A respiração dela estabilizou. A água ficou vermelha três vezes por dia. Era essa a frequência com que ele limparia as feridas dela antes de a febre passar. Antes de ela dizer o seu nome novamente, antes de a própria história mudar por causa do que um rancheiro decidiu fazer com uma mulher quebrada e um bebedouro de madeira.
Mas agora, ela ainda tremia, ainda presa entre a vida e a morte, ainda a perguntar-se se a bondade era apenas mais um truque. Elias observava-a de perto, as mãos firmes, o coração não. E enquanto o vento uivava através da terra aberta, uma pergunta pairava pesada no ar. Estava ele a salvar a vida dela, ou estava a salvar a sua própria alma? O sol já tinha queimado metade do céu quando Elias a carregou para dentro.
A pequena cabana cheirava a fumo de cedro e suor de cavalo. Deitou-a na cama de campanha perto da janela onde a luz caía suave e quente. Ela estava mal acordada, sussurrando palavras que ele não conseguia apanhar. Talvez uma oração, talvez um nome. Ele serviu uma caneca de estanho com água, segurando-a perto dos lábios dela. Ela recuou no início, depois bebeu como alguém que não provava misericórdia há anos.
Ele viu a terra ser lavada do rosto dela, uma gota de cada vez. Os hematomas pareciam piores à luz do dia, mas pelo menos ela estava a respirar. Três vezes por dia. Foi o que ele disse a si mesmo. Mas no quarto dia, esqueceu-se da refeição do meio-dia. Clara estava sentada à janela a segurar o estômago e a olhar para o campo interminável quando ele veio a correr de volta com uma tigela fumegante.
A mão dele queimou quando a sopa entornou.
“Desculpa”, disse ele, sem fôlego.
Ela sorriu pela primeira vez.
“Está tudo bem”, sussurrou ela. “Lembraste-te duas vezes. Isso já é mais do que alguém alguma vez fez.”
De manhã para limpar as feridas, à tarde para a alimentar, à noite para impedir que a febre a roubasse. Ele não era médico, apenas um rancheiro com mãos ásperas numa casa silenciosa. Mas algo nesta rapariga tornava-o cuidadoso, tornava-o gentil de uma forma que ele não tinha sido desde que a esposa falecera.
Cada vez que tocava na pele dela, fazia-o como se o mundo se pudesse partir se ele pressionasse com demasiada força. Lá fora, o vento chocalhava a porta do celeiro. Os cavalos batiam com os pés inquietos. Coiotes tinham estado a circular as colinas novamente. Talvez cheirassem sangue. Talvez cheirassem culpa. Elias não se importava. Só se importava que ela abrisse os olhos novamente quando finalmente o fez.
Assustou-o. Eram verdes, suaves, mas afiados, como a cor da primavera após uma longa seca.
“Estás segura aqui”, disse ele.
A voz dela falhou. “Segura nunca dura.”
Ele não discutiu. Apenas assentiu e entregou-lhe outra caneca de água. Mais tarde naquela tarde, fez-lhe sopa de farinha de milho e porco salgado. Não era muito, mas quando ela provou, os ombros dela relaxaram um pouco. Essa foi a primeira vez que ela olhou para ele sem medo. Apenas olhos cansados, à procura de uma razão para confiar.
Na segunda noite, ela estava forte o suficiente para se sentar. A febre estava a desaparecer, mas o silêncio entre eles tornava-se pesado. Ele trabalhava à mesa, a remendar uma correia de freio, fingindo não notar quando ela o observava.
“Porque estás a fazer isto?”, perguntou ela calmamente.
Ele parou. “Porque alguém devia ter feito.”
Ela não falou depois disso. Apenas olhou para o fogo como se as chamas pudessem explicar o que as palavras dele significavam. Quando o vento uivou lá fora, ele acrescentou outro tronco. O quarto brilhava dourado, suave, vivo. Ela puxou o cobertor com mais força, fechando os olhos para o primeiro sono verdadeiro em dias. Elias recostou-se, ouvindo a respiração dela estável como uma canção lenta. Pensou que tinha acabado por essa noite, mas depois ela sussurrou mais uma coisa, meio sonho, meio aviso.
“Eles virão buscar-me quando a lua ficar cheia.”
Elias congelou. A mão dele parou na mesa. Olhou para o rosto pálido dela à luz do fogo. E pela primeira vez, perguntou-se quem exatamente era ela e que tipo de homens vinham levá-la de volta. Semanas passaram antes que ela pudesse andar com firmeza. A voz dela ficou mais forte, mas o medo nos olhos permaneceu o mesmo.
Na terceira manhã, a febre tinha passado, mas o medo não. Acordou antes do nascer do sol, sentada à janela com o cobertor à volta dos ombros, a olhar para a terra aberta. Elias serviu-lhe café, preto e forte, da maneira que ele sempre bebia. Ela tomou um gole, estremeceu, depois sorriu um pouco. Foi o primeiro sorriso que ele tinha visto desde que ela chegara.
“Disseste que eles viriam buscar-te”, lembrou-a ele. “Quem são eles?”
Ela não olhou para ele.
“Homens de Moidi, do tipo que não aceita um não como resposta.”
A mandíbula de Elias apertou-se. Conhecia homens assim toda a sua vida. Do tipo que usava fatos de domingo na igreja e sangue nas botas o resto da semana. Ao meio-dia, selou o cavalo.
“Fica cá dentro. Tranca a porta.”
Ela agarrou a manga dele, fraca mas determinada.
“Vais acabar morto.”
Ele olhou-a nos olhos.
“Talvez, mas não vou deixar que te levem.”
A viagem para a cidade foi longa, poeirenta e silenciosa. Cada milha parecia mais pesada. As ruas de Moidi estavam a acordar quando ele chegou. Homens alinhavam-se no alpendre do saloon cuspindo tabaco, observando-o como corvos numa cerca. Encontrou o xerife perto da loja de rações.
“Manhã, Elias”, disse o homem cautelosamente. “Ouvi dizer que acolheste uma estranha.”
“Ela não é um cão vadio”, respondeu Elias secamente. “Está ferida.”
O xerife suspirou. “Devias tê-la deixado estar. O nome dela é Clara. Pertencia a um corretor de gado chamado Ror. Ele pagou bom dinheiro por ela.”
A voz de Elias caiu fria. “Não se paga por pessoas.”
A cidade ficou quieta, cada cabeça virou-se, e até o vento parou para ouvir. O próprio Ror saiu do saloon, limpando uísque da barba.
“Bem, agora parece que o velho rancheiro ganhou coragem.”
Elias não alcançou a arma. Apenas o encarou.
“Bates numa mulher e chamas-lhe negócio. Se chegares perto da minha terra outra vez vais descobrir qual é a sensação de trabalho a sério.”
Ror riu e cuspiu perto das botas, mas a mão que segurava o copo tremia. Mais tarde nessa noite, enviou dois novos homens de Sweetwater. Dobrou o pagamento e disse-lhes: “Façam parecer um acidente.”
Ror riu. Aquele tipo feio de riso que faz a pele arrepiar.
“Achas que podes ficar entre mim e o que é meu?”
Elias deu um passo lento em frente.
“Ela não é tua. Já não.”
A multidão sussurrou. Ninguém ousou mover-se. Até o sorriso de Ror desapareceu. Algures à distância, um trovão rolou pelas planícies, embora o céu estivesse limpo. Quando Elias virou o cavalo para partir, o xerife gritou:
“Acabaste de começar algo que não podes acabar.”
Ele não olhou para trás. “Então acho que é melhor fazer valer a pena acabar.”
Nessa noite, enquanto o sol sangrava no horizonte, Clara esperava no alpendre, olhos arregalados de preocupação. Quando o viu regressar, a respiração dela finalmente aliviou. Ele parecia cansado, mais velho de alguma forma, mas inquebrável.
“Eles sabem agora”, disse ele simplesmente.
Ela sussurrou: “O que fizeste?”
Ele olhou para ela, um sorriso ténue a cruzar o rosto curtido.
“Disse a verdade.”
E numa cidade construída sobre silêncio, isso foi o suficiente para fazer inimigos. Agora, se têm seguido até aqui, bebam um gole do vosso chá, recostem-se um pouco e digam-me de onde estão a ouvir. Adoraria saber. E se querem ver como esta história se desenrola, cliquem no botão de subscrever. Não vão querer perder o que acontece quando os homens de Moidi vêm bater à meia-noite.
Nessa noite, o vento mudou. Veio rastejando do desfiladeiro, seco e mau, carregando o tipo de silêncio que faz os cães esconderem-se debaixo dos alpendres. Elias sentiu-o primeiro. O cabelo na nuca levantou-se. Saiu para fora, espingarda na mão, varrendo a terra aberta. Clara ainda estava acordada, sentada junto ao fogo, as mãos agarravam a borda do cobertor.
“Eles vêm aí, não vêm?”, sussurrou ela.
Ele assentiu. “O Ror não aceita humilhação gentilmente.”
Tinha mudado a cama dela para a cave nessa tarde, apenas por precaução. Agora deitou óleo nas lanternas e verificou cada fechadura. A lua estava baixa, gorda e laranja, iluminando o rancho como um palco. Cada som era agudo. O ranger da madeira, o gemido de um cavalo, até o seu próprio batimento cardíaco. Lá fora perto da cerca, três sombras romperam da escuridão. Homens a cavalo, sem faróis, sem vozes, apenas o baque constante de cascos em terra seca.
Elias respirou fundo. Já não era jovem, mas tinha tido a sua quota de lutas. Não precisava de velocidade. Só precisava de paciência. Esperou até chegarem ao curral. Então a primeira lanterna brilhou. Um dos homens praguejou.
“Ele está aqui.”
Elias disparou uma vez, não para matar, apenas para assustar. Um segundo tiro seguiu-se do celeiro. Mais agudo, mais limpo. Veio do velho Jake, o trabalhador do rancho, que trabalhava ao lado de Elias há 20 anos. Ninguém o viu sair daquele celeiro novamente, e ninguém ousou perguntar. Os tiros rasgaram o ar como trovões. Cavalos empinaram-se. Um cavaleiro caiu, a gritar. Os outros baixaram-se atrás da cerca.
Dentro da cabana, Clara agachou-se perto das escadas, olhos arregalados. Conseguia ouvir a voz dele lá fora. Calma como pedra.
“Escolheram a noite errada, rapazes.”
Eles dispararam de volta, lascas a voar da grade do alpendre. Elias movia-se como se tivesse ensaiado isto a vida toda. Cada vez que recarregavam, ele mudava de posição, atraindo-os para mais perto do celeiro onde tinha montado a armadilha. Uma faísca pegou, depois um rugido. Chamas subiram do palheiro, iluminando a noite tão brilhante como o meio-dia.
Os homens entraram em pânico, cegos pelo fogo. Elias lançou-se para a frente, derrubando um ao chão. Os outros fugiram, um arrastando o homem ferido pelo braço. Quando acabou, o rancho estava silencioso novamente, exceto pelo estalar do fogo e os passos de Clara no alpendre. Quando a aurora chegou, o xerife bateu à porta, rosto duro como pedra.
“O fogo no celeiro foi um acidente, certo?”, perguntou ele.
Elias assentiu devagar. Clara escondeu-se atrás da cortina, segurando uma faca de cozinha com força suficiente para tornar os nós dos dedos brancos. Correu para ele, olhos cheios de medo e alívio. A camisa dele estava rasgada, os nós dos dedos em carne viva, mas ele ainda estava de pé.
“Podias ter morrido”, disse ela.
Ele limpou o suor da testa. “Esta noite não.”
Ela olhou para o celeiro a arder, depois de volta para ele.
“O que farão eles agora?”
Ele olhou em direção às colinas onde os homens tinham desaparecido. A voz dele era firme, mas baixa.
“Eles voltarão, mas da próxima vez… não estarei sozinho.”
Ela franziu a testa. “O que queres dizer?”
Ele deu um meio sorriso cansado, olhando para ela como se já tivesse decidido algo que ela ainda não entendia. E enquanto a luz do fogo dançava nos olhos dela, Elias disse suavemente:
“Amanhã cavalgamos para Palo Duro. Há algo que preciso que vejas.”
Agora isso soa simples, não soa? Mas o que ele lhe mostrou na manhã seguinte mudaria as vidas de ambos para sempre. Não vão acreditar no que esperava por eles naquele desfiladeiro. O sol nasceu devagar sobre o Desfiladeiro de Palo Duro, pintando as falésias de ouro e fogo.
Elias cavalgava à frente, Clara atrás dele, embrulhada no velho casaco dele. O vento cheirava a salva e poeira e algo novo. Esperança, talvez. Pararam perto de uma crista onde a terra se abria largamente como uma promessa. Abaixo deles, o rio brilhava, serpenteando através da pedra vermelha como uma fita de prata. Elias desmontou primeiro, depois ajudou-a a descer.
As mãos dele eram ásperas, firmes e gentis.
“Este lugar”, disse ele calmamente, “salvou-me uma vez. Talvez te salve a ti também.”
Por um momento, ela não falou. Apenas ficou ali, olhos a brilhar, a olhar para a terra sem fim.
“Porquê aqui?”
“Porque aqui fora”, disse ele, “ninguém possui outra alma. A terra não quer saber quem foste. Apenas quem decides ser.”
Ela caminhou para mais perto da borda, o cabelo apanhando a luz do sol. Cada respiração que tomava parecia lavar mais do passado. Todos os hematomas, toda a vergonha e todos os nomes a que lhe tinham chamado desapareceram pedaço por pedaço como o crepúsculo levado pelo vento. Nesse verão ficaram no desfiladeiro. Três vezes por dia, tal como antes.
De manhã, ela ajudava-o a tratar dos cavalos. Ao meio-dia, partilhavam refeições simples junto à água. À noite, conversavam. Às vezes Clara perguntava sobre o velho Jake, mas Elias apenas olhava em direção às colinas distantes e dizia calmamente:
“Ele está a vigiar o rancho de algum lugar mais alto agora.”
Às vezes não falavam de todo. Apenas sentados junto ao fogo, a ouvir o mundo respirar. Ele nunca lhe pediu para ficar. Ela nunca lhe perguntou porque é que ele se importava. Talvez algumas coisas não precisem de explicação. Talvez a cura não venha com palavras, apenas com o tempo. Numa noite sob as estrelas, ela disse suavemente:
“Pensei que estava partida.”
Elias remexeu o fogo e sorriu.
“Talvez estivesses, mas as coisas partidas ainda brilham se as levantares para a luz.”
Ambos riram. O tipo de riso que te faz acreditar na vida novamente. Quando o outono chegou, construíram uma pequena cabana junto ao rio. Não muito, apenas quatro paredes e um telhado que gotejava quando chovia. Mas era deles. Sem dívidas, sem medo, apenas paz. Anos mais tarde, as pessoas diriam que aquele pequeno rancho se tornou um refúgio, um lugar onde nenhuma mulher era rejeitada.
Nenhuma alma faminta era mandada embora. Alguns diziam que o que Elias e Clara fizeram mudou aquele vale para sempre. Talvez tenha mudado. Talvez a bondade possa realmente ecoar tão longe. Então, se estiveram a ouvir até aqui, talvez perguntem a vocês mesmos: quando foi a última vez que ofereceram a alguém um pouco de bondade? Não porque eles merecessem, mas porque podiam.
E talvez perguntem também, se fossem o Elias, teriam parado naquele dia junto à cerca ou teriam continuado a cavalgar? Se esta história vos tocou, tirem um segundo para clicar em gostar. Ajuda mais do que sabem. E se querem ouvir mais histórias como esta, vão em frente e subscrevam. E lembrem-se, a cura nem sempre ruge.
Às vezes apenas sussurra três vezes por dia.