A Carta Perdida da Minha Avó Escrava: ‘Vendi Meu Filho Para Salvar o Outro’

Nunca venda seu filho. Parece óbvio, né? Mas e se fosse a única forma de salvar o outro? Minha avó escrava fez essa escolha em 1847 e eu só descobri isso porque achei uma carta escondida no fundo de um baú velho que estava guardado no sótam da casa da minha tia há mais de 150 anos.

Quando li aquelas palavras escritas com a letra tremida dela, com manchas que eu tenho certeza que eram de lágrimas, meu mundo desabou completamente, porque ela não estava pedindo perdão naquela carta, ela estava explicando com uma clareza dolorosa por teve que fazer essa escolha impossível. E o mais assustador, ela dizia que faria de novo se precisasse.

E antes de continuar essa história que vai te deixar sem palavras, se inscreve no canal e deixa o like ali embaixo, porque aqui a gente conta histórias reais que ninguém mais lembra. Histórias que a escola não ensina, histórias que precisam ser ouvidas e passadas adiante.

Esse canal é sobre manter viva a memória de quem veio antes de nós, de quem sofreu coisas inimagináveis para que a gente pudesse estar aqui hoje. E me conta nos comentários de onde você tá assistindo essa história. Quero saber se ela vai chegar em todo o Brasil, porque precisa chegar.

Agora vem comigo que eu preciso te contar tudo desde o começo e te garanto que você não vai conseguir parar de ouvir. Eu sempre soube que minha avó tinha sido escravizada. Isso não era segredo na família. Minha mãe falava sobre isso de vez em quando, sempre com aquele olhar distante, perdido em algum lugar do passado, como se as palavras doessem fisicamente na garganta quando saíam.

Ela dizia que a avó Benedita tinha sido uma mulher forte, que tinha passado por coisas terríveis que nenhum ser humano deveria passar, mas que mesmo assim nunca reclamava, nunca chorava na frente de ninguém, nunca demonstrava fraqueza. Eu crescia ouvindo essas histórias vagas, sem detalhes específicos, sem nomes completos, sem datas exatas, sem os rostos das pessoas envolvidas.

Era como se o passado fosse uma sombra enorme e pesada que toda a família carregava, mas que a gente preferia não olhar de frente porque doía demais. Minha mãe contava que Benedita tinha chegado a ser livre, que tinha vivido os últimos anos da vida dela já após a abolição, trabalhando como costureira e lavadeira para sustentar os filhos.

Ela dizia que minha avó era uma mulher calada, séria, que sorria pouco e que tinha um olhar profundo, como se carregasse o peso do mundo inteiro nas costas. Mas nunca ninguém falava sobre os detalhes da escravidão em si. Era como se aquele período da vida dela fosse um buraco negro que sugava qualquer tentativa de conversa. As crianças não perguntavam, os adultos não contavam e a história ia se perdendo no silêncio.

Quando minha tia Josefa morreu há uns 5 anos atrás, a família toda se reuniu na casa dela para fazer aquele ritual difícil de dividir as coisas de quem partiu. Não tinha muito para ser sincero. Ela tinha vivido uma vida simples, modesta. E o que sobrou foram alguns móveis velhos, roupas que ninguém quis, praticamente nada de valor material.

Mas lá no sóton, coberto por uma lona sururrada e cercado de caixas empoeiradas, estava aquele baú de madeira escura, pesado, com dobradiças enferrujadas e um cheiro forte de mofo que dominava todo o ambiente. Ninguém queria o baú. Todo mundo olhava para ele e via só um móvel velho, feio, pesado demais para carregar, cheio de traças e sem utilidade nenhuma. Mas eu peguei até hoje. Não sei te explicar direito o porquê.

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Não foi uma decisão racional, foi algo instintivo, sabe? Aquele tipo de curiosidade inexplicável que a gente tem quando sente que tem algo importante escondido em algum lugar, mesmo sem ter nenhuma prova disso, nenhuma evidência concreta. Era como se o baú estivesse me chamando, me puxando, dizendo que eu precisava abrir ele e descobrir o que tinha lá dentro.

Levei o baú paraa minha casa com ajuda de um primo, porque sozinho eu não conseguiria nem tirar ele do lugar. Colocamos ele na garagem e ali ficou parado, esquecido, juntando ainda mais poeira por quase um ano inteiro. Eu passava por ele todo dia quando ia pegar o carro, olhava de relance, pensava em abrir, mas sempre deixava para depois.

Até que chegou aquele sábado chuvoso, daqueles em que você acorda e não tem absolutamente nada planejado para fazer. E resolvi finalmente encarar aquele mistério. Peguei um pé de cabra porque a fechadura estava enferrujada pela ferrugem e forcei até conseguir abrir.

O cheiro que saiu de dentro era forte, de mofo, misturado com naftalina e algo mais antigo, como se o tempo em si tivesse um cheiro. Dentro tinha panos velhos, amarelados, alguns pedaços de renda toda comida pelas traças, uma bíblia com a capa de couro completamente desgastada, as páginas finas como papel de seda. E lá no fundo, embrulhada cuidadosamente num tecido que um dia deve ter sido branco, mas agora estava amarelado e manchado, estava a carta.

Minha mão tremeu quando peguei aquele envelope. O papel estava frágil. Parecia que ia se desfazer se eu apertasse muito forte, mas dava para ler perfeitamente. A letra era irregular, claramente de alguém que tinha aprendido a escrever sozinho com muita dificuldade, provavelmente a luz de velas, escondido, porque ensinar escravos a ler e escrever era proibido e perigoso. Algumas palavras estavam escritas erradas.

Tinha trechos que precisei ler várias vezes para entender, mas a mensagem era clara como água. E o que estava escrito ali me fez sentar no chão da garagem e chorar por duas horas seguidas, sem conseguir parar. A carta começava assim e eu vou ler exatamente como estava escrito.

Meu filho, se um dia você conseguir ler isso, se alguém um dia te ensinar as letras e você puser os olhos nestas palavras, saiba que eu não tive escolha. Eu vendi seu irmão para salvar você. E se fosse preciso, eu venderia você para salvar ele. Não foi fácil, não foi certo, mas era o único jeito de manter um de vocês vivo. E eu escolhi você porque ele era mais forte.

Eu precisei parar de ler. Precisei respirar fundo várias vezes. Minha avó tinha vendido um filho. Como assim? Como é que uma mãe toma uma decisão dessas? Como é que alguém consegue viver depois de fazer isso? Mas quanto mais eu lia aquela carta, mais eu entendia, mais eu me quebrava por dentro, mais eu percebia que julgar ela era a coisa mais injusta que eu poderia fazer.

Benedita tinha dois filhos quando foi tomada pela escravidão. O mais velho se chamava João e na época dos acontecimentos que ela descrevia na carta, ele tinha uns 7 anos. Era um menino forte pra idade, esperto, cheio de vida. O mais novo era meu avô Antônio, que tinha apenas 3 anos naquela época. Ainda uma criança pequena, frágil, que adoecia com facilidade e precisava de cuidados constantes.

Eles viviam numa fazenda gigantesca no interior do Rio de Janeiro, numa região que hoje eu descobri que era próxima de vassouras, trabalhando de sol a sol nas intermináveis plantações de café que enriqueciam o Senhor enquanto matavam os escravos lentamente. Benedita era o que chamavam de escrava doméstica.

Ela trabalhava dentro da casa grande, cozinhava as refeições elaboradas da família do Senhor, limpava os cômodos enormes, cuidava dos filhos brancos, amamentava as crianças da SIN quando a própria Cá não queria ou não podia. Era um trabalho que muitos escravos consideravam melhor do que trabalhar na roça, porque você ficava protegido do sol escaldante, da chuva, do frio da noite. Mas tinha o lado ruim também.

Você estava sempre sendo vigiado, sempre sob os olhos do Senhor e da Shar, sempre a um passo de levar uma punição por qualquer coisa, por qualquer erro mínimo, por qualquer olhar torto. Os meninos, João e Antônio, trabalhavam na roça mesmo sendo crianças.

João ajudava a carregar os cestos de café, espantava os pássaros das plantações, fazia pequenos trabalhos que uma criança daquela idade conseguia. Antônio, por ser mais novo, ficava mais tempo perto da mãe, mas mesmo assim já começava a ser treinado pro trabalho pesado que viria quando ficasse mais velho. Benedita via os filhos dela apenas no fim do dia, quando o sol já tinha se posto e todo mundo voltava paraas czas, exaustos demais para conversar, famintos demais para fazer qualquer coisa, além de comer o pouco que tinham e dormir.

Foi em 1847 que tudo mudou. Naquele ano, uma epidemia terrível de febre amarela atingiu toda aquela região do Rio de Janeiro. A doença se espalhou rápido, matando escravos, trabalhadores livres, até mesmo algumas pessoas da Casagre.

Os sintomas eram horríveis, febre altíssima, vômitos com sangue, a pele ficando amarela, delírios e não tinha cura. As pessoas simplesmente morriam uma atrás da outra, e os corpos eram enterrados em valas comuns, porque não dava tempo nem de fazer enterro direito. Na fazenda onde Benedita trabalhava, dezenas de escravos morreram em questão de semanas.

A senzala, que antes estava lotada, com gente dormindo apertada no chão de terra batida, foi ficando vazia. E o senhor da fazenda entrou em pânico total, porque sem trabalhadores, sem mão de obra escrava para colher o café, ele não conseguiria manter a produção. E sem produção, sem conseguir vender o café no mercado, ele ia quebrar financeiramente. A fazenda toda dependia daquele trabalho escravo para funcionar.

Então, o Senhor tomou uma decisão que mudaria a vida de muitas famílias escravas para sempre. Ele decidiu que ia vender alguns dos escravos que sobraram para outras fazendas em regiões que não tinham sido atingidas pela epidemia. Com o dinheiro da venda, ele compraria remédios, contrataria alguns trabalhadores livres temporariamente e tentaria manter a propriedade funcionando até que a epidemia passasse e ele pudesse comprar novos escravos.

Era uma decisão puramente econômica, fria, calculada. As famílias não importavam, os sentimentos não importavam, só o lucro. Benedita descobriu, através de uma conversa que ouviu escondida na Casagre, que os dois filhos dela estavam na lista de escravos que seriam vendidos. Iam ser vendidos juntos como um lote para uma fazenda no interior de São Paulo, numa região que ficava há dias e dias de viagem de carroça. Ela sabia exatamente o que isso significava.

Era uma sentença de separação definitiva. Ela nunca mais ia ver os filhos dela. Nunca mais ia poder abraçar, beijar, consolar. Eles iam simplesmente desaparecer da vida dela como se nunca tivessem existido. E pior ainda, ela tinha ouvido falar daquela fazenda em São Paulo. O senhor de lá era conhecido em toda a região por ser extremamente cruel.

Os escravos daquela propriedade não duravam muito tempo. Trabalhavam até literalmente morrer de exaustão, de fome, de castigos. Quando ela soube disso, Benedita fez algo desesperado. Ela se jogou aos pés do Senhor, ali mesmo na sala da casa grande, na frente de todo mundo, sem se importar com as consequências. Chorou, suplicou, implorou com toda a força que tinha. Pediu para que ele não vendesse os meninos.

Prometeu que ia trabalhar o dobro, o triplo, que ia fazer qualquer coisa que ele mandasse, qualquer coisa mesmo. Ela tinha consciência de que estava se rebaixando, se humilhando de um jeito que doía na alma. Mas não importava, era pelos filhos dela. O senhor, segundo Benedita escreveu na carta, ficou irritado no começo.

Não gostava quando escravos questionavam suas decisões, quando mostravam emoções fortes, quando lembravam ele de que eram seres humanos com sentimentos. Mas ela insistiu tanto, implorou tanto, se jogou no chão tantas vezes que ele finalmente parou para ouvir. E foi aí que ela fez uma proposta que deve ter custado a alma dela.

Senhor, leva só um dos meus filhos, deixa o outro comigo. Eu trabalho dobro. Eu faço tudo que o Senhor quiser, tudo mesmo, sem reclamar nunca. Mas não leva os dois, me deixa um, por favor. O senhor ficou pensando. Benedita escreveu que ele ficou ali parado, olhando para ela com aquela expressão fria que os senhores de escravos tinham, calculando, pesando as opções.

E finalmente ele aceitou a proposta, mas colocou uma condição que era mais cruel do que vender os dois juntos. Ela mesma tinha que escolher qual dos filhos seria vendido e ela tinha até o amanhecer do dia seguinte para tomar essa decisão. Imagina a cena, tenta realmente visualizar o que foi aquilo. uma mãe sozinha no escuro da cenzala, no meio da noite mais longa da vida dela, tendo que escolher qual dos filhos ia perder para sempre, qual ia sofrer, qual ia ser levado para uma fazenda onde provavelmente ia morrer jovem, qual ia carregar o peso de ter

sido o escolhido, o rejeitado. Como é que uma pessoa faz uma escolha dessas? Como é que alguém consegue raciocinar numa situação tão impossível? Benedita passou aquela noite inteira acordada. Ela escreveu na carta que ficou olhando pros dois meninos dormindo, um de cada lado dela, agarrados nela como sempre faziam.

João dormia pesado, roncava até, completamente inconsciente da tragédia que estava por vir. Antônio tinha o sono leve, se mexia muito, tinha pesadelos frequentes. Ele era magro demais, fraco e precisava da mãe para tudo. Benedita sabia que se vendesse Antônio, se mandasse aquele menino frágil para uma fazenda cruel, onde ninguém ia ter paciência com fraqueza, ele não ia aguentar nem seis meses. Ia morrer, com certeza absoluta ia morrer.

Então, ela tomou a decisão mais impossível da vida inteira dela. Vendeu João, o filho mais forte. mais esperto, mais preparado para sobreviver sozinho, porque ela acreditava que ele teria uma chance, mesmo que pequena, de aguentar, e decidiu ficar com Antônio porque ele não teria chance nenhuma sem ela.

Na carta, ela explicava esse raciocínio com uma clareza que parte o coração. Eu escolhi salvar o mais fraco, porque o mais forte tinha chance de sobreviver sozinho. Eu rezei todo dia, toda a noite, toda a madrugada, para que João encontrasse um jeito de viver, de ser forte, de não me odiar por ter feito isso com ele.

Mas eu não podia deixar Antônio ir. Ele não ia sobreviver nenhum mês longe de mim. Era a morte certa. Então eu escolhi dar uma chance pro meu João forte e segurar meu Antônio fraco perto de mim. E Deus me perdoe se eu escolhi errado. João foi levado embora na manhã seguinte.

Benedita escreveu que não dormiu nada naquela noite, que quando o sol nasceu, ela ainda estava abraçada com os dois meninos, chorando em silêncio para não acordar eles. O feitor veio buscar João bem cedo, antes do café da manhã. Ela teve que acordar o menino, teve que olhar nos olhos dele e dizer que ele ia embora, que ia para longe, que tinha que ser forte. João não entendeu completamente no começo.

Ele perguntou se a mãe ia junto, se o irmão ia junto, quando ele ia voltar e ela não conseguiu responder. Só abraçou ele com toda a força, sentiu o corpo pequeno dele tremendo e depois teve que soltar. Ela não pôde nem se despedir direito. O feitor tinha pressa. Outros escravos estavam sendo reunidos também. Tinham que sair logo para pegar a estrada antes do calor do meio-dia. João foi colocado numa carroça junto com outros escravos.

adultos e crianças, todos amontoados e levado embora. Benedita ficou ali parada, segurando Antônio no colo, vendo a carroça se afastar pela estrada de terra. João olhou para trás o quanto pôde, acenando, e ela também acenou até que a carroça virou numa curva e desapareceu completamente da vista. Pronto, acabou. O filho dela tinha sido arrancado, vendido, levado embora.

E ela nunca mais viu João na vida. Nunca soube se ele sobreviveu à viagem de dias pela estrada esburacada. Nunca soube se ele chegou vivo na fazenda de São Paulo. Nunca soube se ele trabalhou anos e anos e conseguiu sobreviver. Nunca soube se ele foi feliz algum dia, se conseguiu ser livre, se teve filhos, se formou uma família, se lembrava dela. Nada.

João simplesmente desapareceu da vida dela como se tivesse sido engolido pela terra. E o único jeito que ela tinha de manter ele vivo era na memória, nas orações e na esperança dolorosa de que ele estivesse bem em algum lugar. E sabe o que é pior? Benedita carregou essa culpa até o último dia de vida dela. Na carta, ela dizia que toda a noite, sem exceção, antes de tentar dormir, ela pedia perdão.

Pedia perdão para João onde quer que ele estivesse. Pedia perdão para Deus, que ela achava que devia estar olhando para ela com decepção. Pedia perdão para si mesma porque não conseguia se perdoar. Ela escreveu uma frase que me marcou profundamente. Tem noites que eu acordo gritando o nome dele. Tem dias que eu olho pro Antônio e penso se eu fiz certo.

Mas aí eu lembro que Antônio tá vivo, tá aqui comigo e eu sei que se tivesse mandado ele embora, ele estaria morto agora. Então eu fiz o que tinha que fazer, mas isso não tira a dor, nunca vai tirar. Ela também escreveu sobre como foi difícil criar Antônio depois disso. O menino perguntava pelo irmão todo dia. Perguntava quando João ia voltar, se eles iam se ver de novo, por ele tinha ido embora.

E Benedita não sabia o que responder. Ela mentia. Dizia que João tinha ido para longe trabalhar, mas que um dia ia voltar. Antônio acreditou durante anos. Só quando ficou mais velho, quando tinha uns 12 ou 13 anos, é que ele parou de perguntar. E Benedita nunca contou a verdade completa, nunca teve coragem de dizer pro filho que tinha sido ela quem escolheu vender o irmão dele. A carta continuava contando outros detalhes da vida dela.

Benedita trabalhou naquela fazenda até 1888, quando finalmente veio a abolição. Ela tinha mais de 60 anos quando foi libertada. Já estava velha, cansada, com o corpo todo quebrado, de décadas de trabalho pesado, mas ela era livre. Ela e Antônio saíram da fazenda juntos e foram morar numa cidade pequena ali perto, onde ela trabalhou como costureira e lavadeira até não conseguir mais.

Antônio cresceu, se casou, teve filhos, viveu uma vida que João nunca teve a chance de viver. Benedita morreu em 1895, 7 anos depois da abolição. Minha mãe contava que ela morreu dormindo, tranquila, sem sofrimento, mas agora eu sei que ela morreu ainda carregando aquele peso imenso no peito. Morreu sem saber o que tinha acontecido com João. Morreu sem conseguir se perdoar completamente pela escolha que fez.

E morreu sem nunca ter contado essa história para ninguém, porque guardou tudo dentro dela como um segredo vergonhoso que ninguém podia saber. Quando terminei de ler aquela carta pela primeira vez ali sentado no chão da garagem com o papel tremendo na minha mão, eu fiquei horas sem conseguir me mexer.

Eu olhava pro texto, relia alguns trechos e tentava processar o tamanho daquela tragédia. Tentava imaginar minha avó, uma mulher que eu nunca conheci pessoalmente, fazendo aquela escolha impossível. tentava imaginar o sofrimento dela, a solidão dela carregando aquele segredo, o peso dela vendo Antônio crescer e pensando todo dia no filho que ela nunca mais viu.

Mas a história não termina aí, porque eu não consegui simplesmente guardar aquela carta de novo e seguir com a minha vida. Eu fiquei obsecado. Precisava saber o que tinha acontecido com João. Ele sobreviveu, ele viveu uma vida boa ou morreu jovem como tantos outros escravos.

Ele formou família? Ele odiou a mãe dele pelo resto da vida ou entendeu o que ela fez? Eu tinha que descobrir. Comecei a pesquisar e olha, eu não tinha ideia de como fazer isso no começo. Eu não sou historiador, não trabalho com genealogia, não sabia nem por onde começar, mas a internet ajudou muito.

Descobri que existem arquivos históricos, museus, universidades que guardam documentos antigos sobre a escravidão no Brasil. Registros de fazendas, listas de escravos comprados e vendidos. certidões de batismo e óbito. Tudo isso existe e tá sendo digitalizado aos poucos. Passei meses nisso. Eu ficava até tarde da noite pesquisando em sites de arquivos históricos, mandando e-mails para historiadores, entrando grupos de genealogia afro-brasileira no Facebook. Tinha dias que eu não achava nada e ficava frustrado.

Tinha dias que eu achava informações que pareciam promissoras, mas que no fim não levavam a lugar nenhum. Foi um processo lento, difícil, que exigiu muita paciência. Eu sabia algumas coisas pela carta da Benedita. Sabia que João tinha sido vendido em 1847, que ele tinha uns 7 anos na época, que ele foi mandado para uma fazenda no interior de São Paulo.

Comecei procurando nos registros de fazendas daquela região, focando especialmente nas propriedades que eram conhecidas por comprar escravos do Rio de Janeiro naquela época. E depois de quase 4 meses de pesquisa, achei. Nos arquivos do Museu da Escravidão em Campinas tinha uma lista de escravos comprados pela fazenda Santa Clara em maio de 1847. E ali, no meio de dezenas de nomes, estava João Preto, 7 anos, procedente do Rio de Janeiro, comprado do Sr.

Francisco Alves Pereira por R$ 400.000. Era ele, tinha que ser ele. A idade batia, a data batia, a procedência batia. Eu tinha achado o rastro do meu tio avô que tinha sido arrancado da mãe há quase 200 anos. Mas só saber que ele tinha chegado lá não era suficiente. Eu precisava saber o resto da história.

Então, continuei procurando. E foi aí que descobri coisas que me fizeram chorar de novo, mas dessa vez de um jeito diferente. João tinha sobrevivido nos registros da fazenda Santa Clara. O nome dele aparecia ano após ano nas listas de escravos ativos. 1848, João ainda estava lá. 1850, João ainda estava lá.

1860, João ainda estava lá. Ele tinha aguentado, tinha sobrevivido a todos os castigos, a todo o trabalho pesado, a todas as doenças, a tudo. O menino forte que Benedita achou que tinha chance de sobreviver realmente sobreviveu. E tem mais. Em 1865, 20 anos depois de ser separado da mãe, João foi libertado.

Não foi pela abolição, porque a abolição só veio em 1888. Ele foi libertado antes. E sabe como? Ele comprou a própria liberdade. Nos registros da fazenda tinha um documento de alforria dizendo que João, com aproximadamente 25 anos de idade, tinha pago ao senhor da fazenda Santa Clara a quantia de um conto de réis pela própria liberdade.

Um conto de réis era muito dinheiro naquela época. Significava que João tinha trabalhado anos e anos juntando cada centavo que conseguia, fazendo trabalhos extras, vendendo o que podia, economizando de um jeito quase impossível. até finalmente ter o suficiente para comprar a liberdade dele. Eu fiquei impressionado com isso. Imagine a força de vontade, a determinação, a esperança que esse homem tinha.

Ele poderia ter desistido, poderia ter se entregado ao desespero, à depressão, à raiva, mas não. Ele lutou, trabalhou, economizou e conseguiu. Depois que foi libertado, João não desapareceu dos registos. Ele ficou na região de Campinas, trabalhou como carpinteiro, casou-se em 1867 com uma mulher chamada Maria, que também tinha sido escravizada e também tinha comprado a própria liberdade.

Eles tiveram quatro filhos. Quatro. João, que tinha sido arrancado da própria mãe aos 7 anos, construiu uma família. Teve filhos que nasceram livres, que nunca conheceram a escravidão, que puderam crescer com o Pai presente. Mas o mais impressionante, o que realmente mudou tudo para mim, foi o que eu descobri nos arquivos da Igreja Católica de Campinas.

Lá, entre centenas de documentos antigos, cartas de paroquianos, pedidos de batismo e casamento, eu encontrei uma carta escrita por João e essa carta estava endereçada à mãe dele. Quando consegui uma cópia digitalizada dessa carta, minha mão tremeu tanto que eu quase derrubei o computador. A letra de João era muito melhor que a de Benedita, mais firme, mais organizada.

Ele claramente tinha aprendido a ler e escrever direito em algum momento da vida, provavelmente depois que foi libertado. E o que ele escreveu me fez chorar tanto que eu tive que parar várias vezes para conseguir continuar lendo. A carta começava assim: “Mãe, eu não sei se esta carta vai chegar até a senhora. Eu não sei nem se a senhora ainda está viva.

Já se passaram tantos anos desde aquele dia em que fui levado embora, que eu perdi a conta. Mas eu preciso escrever isso, mesmo que a senhora nunca leia, porque preciso tirar esse peso do meu peito. João contava na carta que ele lembrava do dia em que foi separado dela.

Lembrava dela chorando, segurando o irmão mais novo no colo, acenando enquanto a carroça se afastava. Ele disse que chorou a viagem inteira até São Paulo, que os outros escravos que estavam na carroça tentavam consolar ele, mas não adiantava nada. Ele era só uma criança que tinha acabado de perder a mãe e não entendia direito porquê. Ele contava que os primeiros anos na fazenda Santa Clara foram terríveis.

O trabalho era pesado demais para uma criança. Os castigos eram constantes, a comida era pouca. Ele disse que teve vontade de morrer várias vezes, que chegou a pensar em fugir, sabendo que provavelmente seria pego e morto. Mas ele não fez isso. Sabe por quê? Por causa dela, João escreveu: “Eu não morri porque eu lembrava da senhora. Eu lembrava do seu rosto naquele último dia, da sua mão acenando para mim.

E eu pensava: “Ela deve estar sofrendo também. Se eu morrer, ela vai sofrer ainda mais.” Então eu aguentei. Aguentei por mim, mas principalmente por senhora, porque eu imaginava que um dia de algum jeito a gente ia se encontrar de novo. Mas o trecho que realmente me destruiu, que me fez entender tudo, foi esse.

Mãe, eu sei que a senhora me vendeu. Eu descobri isso quando fiquei mais velho e entendi como as coisas funcionavam. Eu sei que a senhora teve que escolher entre eu e o Antônio. E durante muito tempo eu fiquei com raiva. Eu não entendia como mamãe podia fazer isso. Mas aí eu cresci. Eu vi outras famílias sendo separadas.

Eu vi mães sendo arrancadas dos filhos, pais sendo vendidos longe das esposas, irmãos sendo divididos. E eu entendi que a senhora não teve escolha. A senhora fez o que tinha que fazer para salvar pelo menos um de nós. E eu te perdoo, mãe. Eu perdoo completamente. Eu só queria que a senhora soubesse disso.

Eu sobrevivi. Eu vivi. Eu sou livre agora. Eu tenho uma família e nada disso tira o amor que eu sinto pela senhora. João continuava dizendo que tinha tentado encontrar ela durante anos. Depois que foi libertado, ele tentou descobrir o que tinha acontecido com a fazenda no Rio de Janeiro, onde tinha nascido.

Tentou mandar recados, perguntar pra gente que passava por lá, mas não conseguiu nenhuma informação. Era como se Benedita tivesse sumido mesmo, porque depois da abolição, muitos ex-escravos saíram das fazendas e foram para cidades. Mudaram de nome, tentaram recomeçar sem carregar o passado nas costas.

A carta terminava com João dizendo: “Mãe, se a senhora estiver lendo isso, por favor, me mande uma resposta. Eu moro em Campinas, trabalho como carpinteiro na rua das flores. Todo mundo aqui me conhece. Se a senhora não puder vir, me mande pelo menos uma carta dizendo que está bem. Eu preciso saber. Mas se a senhora já tiver partido desse mundo, se eu escrevi essa carta tarde demais, então que Deus a receba em paz.

E que a senhora saiba que eu nunca parei de amar a senhora nem por um dia sequer. Ele nunca conseguiu enviar essa carta. Nos arquivos da igreja tinha uma anotação do padre dizendo que João tinha entregado a carta para ele pedindo ajuda para encontrar a mãe, mas que não tinha sido possível localizar ela.

A carta ficou guardada ali, nos arquivos da paróquia por mais de 100 anos. E Benedita nunca soube que ela existia, nunca soube que o filho tinha sobrevivido, nunca soube que ele tinha perdoado ela. Nunca soube que ele tinha construído uma vida boa, que tinha sido feliz, que nunca parou de amar ela. Duas cartas, duas pessoas que se amavam profundamente, duas pessoas que foram separadas pela crueldade da escravidão. E nenhuma das duas soube o que a outra tinha escrito.

Nenhuma delas teve o consolo de saber que eram perdoadas, que eram amadas, que nunca foram esquecidas. Quando descobri tudo isso, eu precisei sentar e processar, porque essa não era só uma história triste, era uma tragédia completa, uma injustiça que não tinha como ser reparada. Benedita morreu em 1895 carregando a culpa.

João morreu em 1910, ainda esperando notícias da mãe. Eles viveram a vida inteira a poucas centenas de quilômetros de distância um do outro, mas nunca conseguiram se encontrar. Nunca conseguiram trocar uma palavra sequer depois daquele dia em 1847. E eu fiquei pensando quantas histórias como essas existem? Quantas famílias foram destruídas desse jeito? Quantas mães tiveram que escolher entre os filhos? Quantos filhos foram arrancados dos pais e nunca mais se viram? Quantas cartas foram escritas e nunca entregues? Quantos perdões foram dados, mas nunca recebidos. A escravidão no Brasil durou

quase 400 anos. 400 anos de famílias sendo despedaçadas, de pessoas sendo tratadas como mercadoria, de crianças sendo vendidas, de mães tendo que tomar decisões impossíveis como a que Benedita tomou. E a gente não fala o suficiente sobre isso.

A gente não ensina direito nas escolas sobre o trauma profundo que isso causou, sobre as feridas que ainda não cicatrizaram. Essa história da minha família é real. Essas duas cartas existem. Eu tenho cópias das duas guardadas com todo o cuidado possível. E eu decidi contar essa história aqui porque ela precisa ser conhecida, precisa ser lembrada, porque não é só sobre a minha avó e o meu tio avô, é sobre milhões de pessoas que passaram pela mesma coisa, que fizeram as mesmas escolhas impossíveis, que carregaram as mesmas culpas e as mesmas dores. Benedita fez o que pôde. Ela não tinha

poder nenhum. Ela não tinha escolha real. Ela era propriedade de outra pessoa e os filhos dela também eram propriedade. Mas ela lutou do jeito que conseguiu. Ela negociou, ela implorou, ela aceitou uma decisão brutal para tentar salvar pelo menos um dos filhos. E ela viveu com as consequências dessa decisão até o último dia de vida. João também fez o que pôde.

Ele sobreviveu quando poderia ter desistido. Ele trabalhou quando poderia ter se entregado ao desespero. Ele comprou a própria liberdade quando poderia ter aceitado morrer escravizado. Ele construiu uma família quando poderia ficar sozinho para sempre. E ele perdoou a mãe quando poderia carregar raiva e ressentimento pelo resto da vida.

Os dois foram heróis à sua maneira. Heróis que ninguém conhece, que não estão em livros de história, que não têm estátuas ou ruas com seus nomes, mas heróis mesmo assim. Porque sobreviver a escravidão, manter a humanidade, amar, apesar de tudo, isso é heroísmo do mais puro que existe.

Quando descobri essas duas cartas e juntei toda a história, eu mostrei tudo para alguns parentes mais velhos da família. Minha tia ficou em silêncio por quase meia hora depois de ler. Meu primo chorou. Minha prima disse que precisava contar pros filhos dela, porque eles precisavam saber de onde vieram, o que os ancestrais passaram. E eu concordo completamente. Essas histórias não podem se perder.

Não podem ficar esquecidas em baús velhos, em sótons empoerados. Elas precisam ser contadas, recontadas, passadas adiante, porque são parte da nossa história como país, como sociedade, como seres humanos. A escravidão não acabou quando assinaram a lei Áurea em 1888. Ela continua nas histórias que a gente carrega, nas dores que passam de geração em geração, nas perguntas que nunca foram respondidas, nas famílias que nunca conseguiram se reunir completamente.

Ela continua nos traumas coletivos, nas desigualdades que ainda existem, no racismo que ainda mata e machuca todos os dias. Minha mãe morreu sem saber dessa história completa. Ela nunca soube que a avó dela tinha sido forçada a vender um filho para salvar o outro. Ela nunca soube que tinha um tio avô chamado João, que tinha sobrevivido, que tinha sido livre, que tinha construído uma família inteira em Campinas.

E eu fico triste por ela não ter tido a chance de saber, mas ao mesmo tempo eu fico feliz por poder contar isso agora, por poder garantir que essa história não vai morrer comigo. Eu descobri também que os descendentes de João ainda existem. Eles vivem em Campinas e na região. São dezenas de pessoas que nem imaginam que tem parentes aqui do meu lado.

Eu entrei em contato com alguns deles através das minhas pesquisas genealógicas, mostrei as cartas, contei a história toda. Foi emocionante demais. A gente marcou um encontro e foi surreal ver todas aquelas pessoas que compartilham o mesmo sangue, que vem da mesma origem, mas que foram separadas há quase 200 anos por causa da escravidão. No encontro, a gente trocou histórias, fotos antigas, documentos.

Descobrimos que tanto do lado do Antônio quanto do lado do João, a família cresceu, se espalhou, prosperou. Descobrimos que temos médicos, professores, artistas, trabalhadores de todas as áreas na família. E tudo isso começou com duas crianças escravizadas e uma mãe que teve que fazer a escolha mais impossível do mundo.

Hoje, quando olho para as cartas, eu penso em tudo que elas representam. Não são só pedaços de papel velho com tinta desbotada. São testemunhos de amor, de dor, de perdão, de resistência. São provas de que mesmo nas situações mais cruéis, mais desumanas, mais impossíveis, o amor não morre. Benedita amou os filhos até o último suspiro.

João amou a mãe até o último suspiro. E esse amor atravessou décadas, atravessou a separação, atravessou até a morte. Essa história também me fez refletir muito sobre o que significa ser mãe ou pai. A gente sempre idealiza a paternidade e a maternidade como algo bonito, cheio de momentos felizes, de decisões claras entre o certo e o errado.

Mas a verdade é que às vezes ser mãe ou pai significa tomar decisões terríveis, significa escolher entre duas coisas ruins e tentar descobrir qual é a menos pior. Significa carregar culpas que nunca vão embora completamente. E Benedita fez isso. Ela tomou uma decisão que a destruiu por dentro, mas que ela achava que era necessária para salvar pelo menos um dos filhos. E eu não julgo.

Ela não tenho direito de julgar. Ninguém tem, porque ninguém, quem não passou por isso, pode realmente entender o que é ter que fazer uma escolha dessas. A gente pode tentar imaginar, pode tentar se colocar no lugar, mas nunca vai ser a mesma coisa. Então, o que eu faço é honrar a memória dela, honrar a força dela, a coragem dela, o amor dela.

Então, deixa eu recapitular tudo isso para você que assistiu até aqui. Em 1847, minha avó Benedita foi forçada a escolher qual dos dois filhos seria vendido como escravo. Ela escolheu vender João, o mais velho, porque acreditava que ele era forte o suficiente para sobreviver sozinho. Ela ficou com Antônio, o mais novo e mais frágil.

Ela viveu o resto da vida carregando a culpa dessa decisão sem nunca saber o que aconteceu com João. João sobreviveu, comprou a própria liberdade, construiu uma família e escreveu uma carta perdoando a mãe. Mas essa carta nunca chegou até ela. Duas cartas foram escritas, mas nenhuma delas foi entregue. E uma família inteira foi dividida pela escravidão só para ser reunida de novo, pelo menos em espírito, quase 200 anos depois. Essa é a verdade sobre a escravidão que a gente precisa entender.

Não é só história antida, não é só algo que aconteceu há muito tempo e acabou. É dor real que atravessa gerações. É traula que não some só porque o tempo passou. É escolha impossível que mães tiveram que fazer. É amor que não teve chance de se expressar completamente. É perdão que foi dado, mas nunca recebido. Agora eu quero saber de você.

Você conhece a história da sua família? Você já parou para pesquisar, para perguntar pros mais velhos, para descobrir de onde você veio? Porque essas histórias estão por aí, guardadas em baús velhos, escritas em cartas amareladas, escondidas em documentos antigos. E elas precisam ser descobertas, precisam ser contadas, precisam ser lembradas.

Se você gostou dessa história, se ela te emocionou, se ela te fez pensar, deixa o like e se inscreve no canal e comenta embaixo me contando se você tem alguma história parecida na sua família, porque eu quero saber. A gente precisa trocar essas histórias, manter essas memórias vivas.

E se você quer conhecer mais histórias assim, histórias reais de pessoas que foram escravizadas, mas que resistiram, que lutaram, que sobreviveram, então assiste o próximo vídeo aqui do canal. Eu vou te contar a história incrível de um escravo que não só comprou a própria liberdade, mas juntou dinheiro suficiente para voltar paraa África e fundar uma cidade inteira lá.

É uma história de resistência, de determinação e de um tipo de vitória que poucos conseguiram. Você não pode perder. Yeah.

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