Em nome da pureza divina, três filhos casaram-se com a própria mãe, escondendo um segredo macabro que aterrorizou os Alpes.

Nas sombras dos Alpes Suábios, onde as florestas são densas e os vales parecem eternamente envoltos em neblina, esconde-se uma história que, por mais de um século, abalou até os investigadores mais experientes. É uma crônica sobre fé, isolamento e o silêncio que permite ao mal criar raízes.

No ano de 1912, o administrador distrital (Landrat) Thomas Komptner descobriu, num vale remoto de Württemberg, uma verdade que permanecera oculta por mais de uma década. A família Göring, antiga e fervorosamente religiosa, vivia ali há gerações. Para o mundo exterior, eram apenas reclusos; por dentro, eram consumidos por um delírio que, com o tempo, se transformou em algo indizível.

A viúva Elisabeth Göring, uma mulher de uma piedade fanática, governava com mão de ferro os seus três filhos: Karl, Josef e Benedikt. Ela acreditava que a sua linhagem fora escolhida por Deus, pura e intocável. Para preservar essa pureza, convenceu os filhos de que nenhum sangue estrangeiro deveria corrompê-los. Anos mais tarde, quando os restos mortais de recém-nascidos foram encontrados sob o antigo fumeiro da fazenda, a verdade inimaginável veio à tona: aquelas crianças eram seus próprios netos e, ao mesmo tempo, seus filhos.

Mas como algo assim pôde acontecer numa comunidade onde todos se conheciam, onde a ida à igreja, a vizinhança e a ordem eram sagradas? Como um vale inteiro pôde permanecer em silêncio por tanto tempo?

No outono daquele ano, o vale perto de Heubach, na orla dos Alpes Suábios, era um lugar onde as montanhas se erguiam como muralhas. Entre o calcário e as densas florestas de abetos, pequenos vilarejos se conectavam por estradas de cascalho e trilhas de mulas. Era uma terra dura, uma terra de trabalho e silêncio. Homens trabalhavam doze horas por dia sob a terra ou nos altos-fornos, enquanto mulheres e crianças cuidavam dos animais. Quem adoecia, trabalhava mesmo assim. Quem morria, era chorado brevemente e logo esquecido.

Num vale particularmente isolado, que os habitantes locais chamavam de Göringsklinge (o Desfiladeiro dos Göring), ficava a fazenda da família. Antigamente, eram conhecidos como gente simples e trabalhadora. Mas desde a morte do patriarca Samuel Göring, em 1878, num acidente nas minas, tudo mudara.

Sua viúva, Elisabeth, vestida em preto perpétuo, com um coque severo e um olhar que atravessava a alma, retirou-se do mundo. Aos poucos, os filhos deixaram a escola. A família parou de frequentar a igreja e o armazém local. Quem se aproximasse da fazenda era recebido por um dos filhos com uma espingarda, alertando para que se afastassem. No vilarejo, dizia-se que os Göring haviam perdido o juízo, que a mãe interpretava a Bíblia à sua maneira. Mas, naquela região, a discrição era virtude. Ninguém se metia, se quisesse viver em paz.

O primeiro sinal de que algo sombrio acontecia surgiu no final do verão de 1898. Martin Heus, um agrimensor de Ulm, desapareceu sem deixar rastro enquanto mapeava depósitos de minério. Seu acampamento foi encontrado intocado. Presumiu-se um acidente nas montanhas.

Mas para o Landrat Thomas Komptner, um homem robusto de barba grisalha que administrava a região há trinta anos, aquilo foi o início de um padrão. Quatro anos depois, na primavera de 1902, o Pastor Jakob Weidemann, um pregador itinerante, desapareceu enquanto subia a trilha estreita para a Göringsklinge. Ele era amado pelos camponeses, um homem que aceitava apenas pão e leite. Buscas foram feitas, mas nada além de samambaias pisoteadas foi encontrado.

Até 1908, cinco homens haviam desaparecido da mesma maneira, todos ao longo daquela estrada solitária. Comerciantes, artesãos, viajantes. Komptner começou a fazer perguntas. De ferreiros a professores, ele encontrava sempre o mesmo muro de silêncio e evasivas. “Os Göring são estranhos”, diziam. “A mãe reza alto demais.” Um caçador relatou ter ouvido cantos vindos da casa, quase como uma missa, antes de ser expulso por homens armados com foices.

No final daquele outono, Komptner decidiu subir ele mesmo. Ao chegar à clareira, encontrou a casa escura de troncos grossos. Três homens — grandes, barbudos e silenciosos — saíram, seguidos por Elisabeth Göring. Seu rosto era afiado, os olhos frios. Quando Komptner perguntou sobre os desaparecidos, ela sorriu sem calor e ordenou que ele saísse. Sem um mandado, ele teve que recuar, sentindo os olhares deles queimarem suas costas. Ele jurou retornar com provas.

A prova veio na primavera de 1912. Edward Petersen, um vendedor ambulante de Stuttgart conhecido por seu inseparável chapéu de feltro marrom, desapareceu. Sua esposa, desesperada, contatou as autoridades. Petersen fora visto pela última vez dizendo que visitaria as fazendas no alto da encosta.

A virada aconteceu quando um jovem carteiro, Thomas Brenner, procurou Komptner. Ele relatou que, na semana anterior, vira o filho mais novo, Benedikt Göring, perto da cerca da fazenda. Na cabeça de Benedikt estava o chapéu de feltro marrom de Petersen — inconfundível, com sua fita preta e aba fina.

Era o que Komptner precisava. Na noite de 14 de junho, ele reuniu seis homens de confiança — velhos gendarmes, guardas florestais e um moleiro que sabia guardar segredo. Antes do nascer do sol, subiram a montanha.

Quando chegaram, a fumaça já subia da chaminé dos Göring. Elisabeth e seus filhos saíram para enfrentar a lei. “Você não encontrará nada aqui, Sr. Landrat”, disse ela com uma calma perturbadora. “Mas se acha que Deus o guia, procure.”

Vinte minutos depois, um gendarme gritou atrás do fumeiro. A chuva havia exposto um pedaço de tecido. Ao cavarem, encontraram o corpo de Edward Petersen. No bolso do paletó rasgado, seu cartão de visita. Ao lado, o chapéu de feltro marrom.

Mas o horror real estava dentro do fumeiro. Sob o assoalho podre, em um espaço oco, encontraram trouxas de pano. Dentro delas, dois esqueletos minúsculos. Ossos de crianças, crânios pequenos como maçãs. Até os homens mais duros recuaram.

Komptner, com o chapéu na mão, confrontou Elisabeth: “Explique isso”. Ela o olhou sem medo. “Essas crianças eram abençoadas. Eram as mais puras entre nós. Tudo o que fiz foi a vontade de Deus.”

Naquela noite, o silêncio da Göringsklinge acabou. A família foi levada presa sob o olhar de um vilarejo que se recusava a sair de casa. Nos interrogatórios, Elisabeth falou com a clareza de uma professora ensinando uma verdade absoluta. Ela explicou que, após a morte do marido, Deus lhe revelara que o sangue dos escolhidos devia permanecer puro. O mundo lá fora estava cheio de demônios. Estranhos que pisavam em suas terras profanavam o sagrado e precisavam desaparecer. Seus filhos, obedientes, tornaram-se seus maridos e executores.

“E as crianças?” perguntou o juiz. “Eram perfeitas”, disse ela, sorrindo. “Mas o Senhor as levou para mantê-las puras. Eu as enterrei como se enterram santos.”

Benedikt, morrendo de tuberculose na prisão, confessou que matavam por ordem da mãe. Primeiro por obediência, depois por medo, finalmente por convicção. Mais corpos foram encontrados na floresta, indicando que os assassinatos ocorriam há muito mais tempo do que se imaginava.

O julgamento, em agosto de 1912, atraiu a imprensa de Berlim e Munique. Karl e Josef foram condenados à forca. Elisabeth foi declarada insana e enviada para o asilo de Heidenheim. Seus filhos foram executados em novembro daquele ano, morrendo em silêncio, convictos de que a morte era “o início da verdade”. Elisabeth viveu até 1920, caminhando pelos jardins do asilo, murmurando salmos, acreditando ser a própria encarnação do perdão.

A fazenda foi queimada misteriosamente em 1924. A floresta retomou a terra, mas a lenda permaneceu. O local ficou conhecido como o “Desfiladeiro das Almas Perdidas”. Dizia-se que o fogo não havia expurgado o mal, apenas o banido temporariamente.

Durante décadas, a história serviu como um conto de advertência local. Mas, à medida que o século XX avançava e as sombras da Segunda Guerra Mundial cobriam a Alemanha, o caso Göring começou a ser reexaminado sob uma nova luz. Não era apenas loucura; era um espelho.

Nos anos 50, quando os arquivos foram reabertos, a frase de Komptner em seus relatórios chamou a atenção dos estudiosos: “Não vi loucura em seus olhos, mas fé. Uma fé sem luz.”

Em 2014, mais de um século depois, arqueólogos encontraram fragmentos de porcelana com as iniciais “E.G.” no local. O achado foi para o museu de Göppingen, numa vitrine intitulada “A Casa dos Silenciosos”.

Com o passar dos anos, a narrativa transformou-se. Deixou de ser apenas um crime rural para se tornar uma alegoria nacional sobre os perigos do absolutismo moral e do isolamento ideológico.

Em 2023, num simpósio em Freiburg, o Professor Jonas Leitner comparou os Göring às modernas bolhas digitais e grupos extremistas: “O que aconteceu na floresta de Württemberg acontece hoje em espaços digitais. O mecanismo é o mesmo: crença sem correção, convicção sem dúvida.”

A figura de Elisabeth Göring foi reavaliada por psicólogos e teólogos. Ela não era vista apenas como uma assassina, mas como o arquétipo da “pureza que mata”. Em 2038, num debate no Bundestag sobre extremismo religioso, um deputado citou Komptner: “O mal começa onde a dúvida termina.” A imprensa cunhou o termo “Complexo de Göring” para descrever movimentos que se intoxicam com a própria retidão moral até verem o mundo exterior inteiramente como inimigo.

A cultura abraçou essa sombra. Peças de teatro como Sangue e Fé (estreada em Stuttgart nos anos 2030) retrataram Elisabeth como uma profetisa trágica. Filmes e exposições artísticas usaram o cenário da Göringsklinge para explorar a identidade alemã, a culpa e a memória.

Em 2039, um monumento discreto foi inaugurado no pátio do Museu Histórico Alemão em Berlim. Uma pedra simples com a inscrição: “A pureza não é uma virtude.” Na inauguração, a Presidente Federal Hanna Stürmer disse: “Hoje não recordamos os perpetradores, mas a tentação. A tentação de estar certo sem questionar. A tentação de sacrificar o humano para salvar o puro.”

Hoje, mais de 130 anos após os eventos, o local da antiga fazenda é uma trilha de memória e natureza, financiada pelo estado. Não há grandes placas, apenas pequenos avisos de madeira com frases dos arquivos antigos. “Aqui terminou a fé, onde o coração parou de ouvir.”

Visitantes relatam que o ar ali é estranhamente imóvel, como se a floresta prendesse a respiração. Uma vez por ano, em outubro, escolas levam alunos para lá. Eles não vão para julgar, mas para aprender a ouvir o silêncio.

A história dos Göring deixou de ser um conto de horror para se tornar uma lição sobre a fragilidade da razão humana. Ela nos ensina que o mal não chega gritando; ele chega rezando, chega com boas intenções que perderam a capacidade de duvidar.

Quando a noite cai sobre os Alpes Suábios e o vento agita as folhas onde antes ficava o fumeiro, não se ouve fantasmas. O que se ouve é o eco de uma verdade que a humanidade luta para aprender: a fronteira entre a fé e a loucura não passa por escrituras ou leis, mas pelo coração humano. E nesse silêncio, reside o aviso final deixado por Elisabeth, por seus filhos e por aqueles que eles silenciaram:

O mal prospera quando ninguém está olhando. Mas ele nasce quando acreditamos que somos os únicos a ver a luz.

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