
Na praça dourada pelo sol poente, Antonio Ortega caminhava rapidamente, seu olhar focado em frente a si, ignorando os olhares curiosos que seguiam seu filho. Lucas, de apenas seis anos, estava apoiado em suas muletas, sua perna esquerda faltante sendo o centro de todas as atenções. O homem, um milionário de sucesso, sempre com uma postura impecável e um semblante impassível, carregava um peso invisível em seu coração. O orgulho que ele sentia por seu status era opaco quando comparado à vergonha que ele sentia por seu filho. Ele queria ignorar Lucas, queria ignorar a dor que seu filho lhe causava, não pela culpa do acidente, mas pela diferença que ele representava. E, por mais que tentasse, não conseguia afastar a sensação de fracasso.
“Papá, você está cansado?” Perguntou Lucas, sua voz fraquejante tentando acompanhar o ritmo do pai. Antonio, sem responder, aumentou a velocidade. “Anda mais rápido, Lucas. Não faça escândalo”, disse ele, tentando disfarçar a frustração em sua voz. As pessoas ao redor olhavam com reprovação, mas ele fingiu não notar. Ele não queria estar ali. Ele não queria aquele filho.
A dor era uma constante, uma sombra que o perseguia. A vergonha de ser o pai de Lucas, uma criança com uma deficiência tão visível, consumia seus pensamentos. O ódio próprio era uma presença constante, mas ele nunca deixaria transparecer.
Lucas tropeçou, caindo com as muletas batendo no chão de pedra da praça. O som foi seco, cortante, e Antonio suspirou com impaciência. “Levante-se, Lucas. Todos estão olhando”, disse ele, tentando controlar a raiva que se acumulava. “Por que você tem que me fazer passar vergonha?”
Lucas tentou conter o choro, forçando um sorriso. “Desculpe, papá.”
A palavra saiu com tanto carinho, mas Antonio não se comoveu. Ele se virou rapidamente, disfarçando a emoção que ameaçava tomar conta de si. Mas então, algo inesperado aconteceu.
Uma menina surgiu entre a multidão. Seus cabelos estavam bagunçados, suas roupas eram simples, mas havia uma calma impressionante em seu olhar. Ela se aproximou de Lucas, se agachou e olhou para o espaço vazio onde deveria estar sua perna.
Antonio bufou, irritado. “O que você pensa que está fazendo, menina?” Ele perguntou, com um tom ríspido, mas a menina não se assustou. Ela olhou para ele com serenidade e respondeu, “Posso fazer ela crescer.”
A resposta foi tão absurda que Antonio soltou uma risada, uma gargalhada zombeteira, que atraiu olhares da multidão. “Crescer? E com o quê? Magia de feira? Uma varinha mágica?” Ele zombou. “Você deveria procurar um trabalho de verdade.”
A menina, sem se abalar, respondeu com um tom firme, “Não é uma piada, senhor. A piada é achar que um pedaço de pano de rua pode resolver o que os médicos não conseguiram.”
Lucas, com os olhos cheios de lágrimas, pegou a mão de seu pai e implorou: “Por favor, papá, deixa ela tentar. Por favor.”
Antonio olhou para o filho, e pela primeira vez, algo se moveu dentro dele. Ele estava prestes a recusar mais uma vez, quando as palavras do filho, com tanta esperança e desejo, o fizeram parar. “Está bem”, disse ele, finalmente, com um suspiro exasperado. “Se isso vai fazer você parar de insistir, então deixe ela tentar.”
A menina se levantou, limpando a poeira do joelho. “As sessões começam amanhã”, disse com calma. “Mas você terá que estar em todas.”
Antonio, surpreso pela firmeza da menina, franziu a testa. “Como? Tenho compromissos importantes.”
“Então não vai funcionar”, respondeu ela, com uma serenidade que mais uma vez o desarmou.
“Está bem”, ele murmurou, irritado, mas não podia negar uma parte de si que estava curiosa. Ele tomou o filho pelo ombro e começou a andar. “Vamos para casa antes que eu me arrependa disso”, disse, mas, ao olhar para trás, viu a menina ainda ali, observando-os com calma.
O pensamento de Antonio era claro: “Que absurdo”, mas algo na menina o deixava inquieto, como se ela estivesse tocando em algo que ele estava tentando desesperadamente esconder.
Na manhã seguinte, Antonio estava na mesa de café, lendo o jornal sem conseguir absorver nada. Tudo o que ele conseguia pensar era na estranha menina e nas palavras dela. “Posso fazer crescer”, repetia mentalmente. Era ridículo, ele sabia. Mas, ao mesmo tempo, uma parte dele não conseguia afastar a curiosidade.
“Papá, você acha que ela vai vir?” perguntou Lucas, com um brilho de esperança nos olhos.
Antonio suspirou e respondeu, sem levantar os olhos do jornal: “Essas coisas não acontecem, Lucas. Não começa com isso.”
Mas a dúvida dentro dele estava crescendo. O interfone tocou, interrompendo seus pensamentos. Antonio se levantou, impaciente, e ao abrir a porta, lá estava a menina.
“Bom dia, senhor”, ela disse com um sorriso simples. “Eu vim começar.”
Antonio ficou atônito, mas não queria mostrar sua surpresa. “Uma promessa é uma promessa”, disse ela com calma.
“Entra logo antes que alguém veja e pense que enlouqueci”, disse ele, afastando a porta para que ela entrasse. Ela entrou, como se nada pudesse intimidá-la. Antonio a observava, os braços cruzados, o semblante fechado, mas algo dentro de si estava mudando. Algo que ele não podia mais ignorar.
Amalia, como a menina se chamava, começou com algo simples: “Hoje, vamos construir uma cometa.”
Antonio, irritado com a ideia de algo tão trivial, tentou resistir. “Não tenho tempo para isso. Tenho uma reunião em meia hora.”
“Então será rápido”, respondeu ela sem hesitar.
“Você fala como se mandasse aqui”, murmurou ele.
“Eu não mando, senhor, só guio”, respondeu Amalia com uma calma que o desarmou por completo.
O que se seguiu foi algo simples, quase infantil, mas foi como uma porta que se abriu no coração de Antonio. Ele e Lucas começaram a construir a cometa, e, embora Antonio ainda fizesse isso de má vontade, havia algo genuíno na felicidade do filho. Algo que ele não via há anos.
Lucas riu ao mostrar sua criação, e pela primeira vez, Antonio não o repreendeu. Em vez disso, ele riu também, um riso nervoso, mas real. O primeiro sorriso compartilhado entre pai e filho em muitos anos.
Amalia observava a cena, tranquila, como quem sabia que o que estava acontecendo era muito maior do que qualquer construção de brinquedo. O que estava realmente crescendo ali não era a perna de Lucas, mas algo muito mais profundo: o relacionamento entre pai e filho.
Os dias seguintes passaram com a mesma rotina. Amalia vinha, com seu sorriso sereno e suas propostas simples, mas sempre com um propósito maior. Música, brincadeiras, conversas que não levavam a lugar algum, mas que de alguma forma tocavam a alma de Antonio.
E então, um dia, Lucas se aproximou de seu pai, com os olhos brilhando. “Papá, ela está nos vendo, não está?”
Antonio, com os olhos marejados, olhou para o céu e sorriu. “Sim, filho, ela está.”
E naquele momento, Antonio percebeu que o que realmente precisava crescer não era a perna de Lucas, mas o amor e a compreensão que ele havia negligenciado por tanto tempo.